Lei Maria da Penha não exige prova de que a vítima seja vulnerável ou hipossuficiente
A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu que, para enquadrar uma agressão contra a mulher no conceito de violência doméstica estabelecido pela Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), basta que o fato tenha ocorrido em decorrência da relação amorosa. Não é necessária a comprovação de coabitação com o agressor ou de hipossuficiência e vulnerabilidade da vítima.
O entendimento unânime da Turma, sob a relatoria da ministra Laurita Vaz (foto), foi proferido no julgamento de recurso especial que envolveu dois atores da Rede Globo. De acordo com a acusação, o ator deu um tapa no rosto da atriz, fazendo com que ela caísse ao chão. Nesse momento, uma senhora de aproximadamente 60 anos se aproximou da atriz para socorrê-la e também foi jogada ao chão pelo ator. As agressões só terminaram depois da intervenção de seguranças e frequentadores do local onde estavam.
O juízo do Primeiro Juizado da Violência
Doméstica e Familiar contra a Mulher condenou o ator a dois anos e nove
meses de detenção, em regime inicial aberto: dois anos pela lesão
corporal contra a idosa e nove meses pela agressão contra a atriz.
O
Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) declarou a incompetência
do Juizado da Violência Doméstica, pois considerou que a Lei Maria da
Penha não era aplicável ao caso.
Hipossuficiência e vulnerabilidade
De
acordo com o tribunal fluminense, o campo de atuação e aplicação da lei
está traçado pelo “binômio hipossuficiência e vulnerabilidade em que se
apresenta culturalmente o gênero mulher no conceito familiar, que
inclui relações diversas, movidas por afetividade ou afinidade”.
Para
o TJRJ – que levou em conta o fato de o processo envolver pessoas
famosas –, “a indicada vítima, além de não conviver em relação de
afetividade estável com o ator, não pode ser considerada uma mulher
hipossuficiente ou em situação de vulnerabilidade”.
O
Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) entrou com recurso especial,
ratificado pelas vítimas, no qual sustentou que a pretensão da lei é
conferir tratamento diferenciado à mulher vítima de violência doméstica e
familiar, por considerá-la vulnerável diante da evidente
desproporcionalidade física entre agredida e agressor.
Sustentou
que a lei considerou também o preconceito e a cultura vigentes, “os
quais se descortinam no número alarmante de casos de violência familiar e
doméstica contra mulheres, em todos os níveis e classes sociais”.
Afirmou ainda que a vulnerabilidade deveria ser aferida “na própria
relação de afeto, onde o homem é, e sempre foi, o mais forte”, sendo a
hipossuficiência, presumida pela própria lei.
Relação de afeto
No
STJ, a ministra Laurita Vaz explicou que a legislação teve o intuito de
proteger a mulher da violência doméstica e familiar que lhe cause
morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou
patrimonial, “mas o crime deve ser cometido no âmbito da unidade
doméstica, da família ou em qualquer relação íntima de afeto”.
De
acordo com a ministra, a relação existente entre agressor e agredida
deve ser analisada em cada caso concreto, para se verificar a
aplicabilidade da Lei Maria da Penha, “sendo desnecessária a coabitação
entre eles”.
A relatora ressaltou que o entendimento
prevalecente no STJ é o de que “o namoro é uma relação íntima de afeto
que independe de coabitação; portanto, a agressão do namorado contra a
namorada, ainda que tenha cessado o relacionamento, mas que ocorra em
decorrência dele, caracteriza violência doméstica”.
Laurita
Vaz considerou que a exigência imposta pelo TJRJ, de demonstração de
hipossuficiência ou vulnerabilidade da mulher agredida, deve ser
afastada, pois “em nenhum momento o legislador condicionou esse
tratamento diferenciado à demonstração desse pressuposto, que, aliás, é
ínsito à condição da mulher na sociedade hodierna”.
Fragilidade presumida
A
ministra ponderou que a diferenciação de gênero trazida pela lei não é
desproporcional, visto que a mulher seria “eminentemente vulnerável no
tocante a constrangimentos físicos, morais e psicológicos sofridos em
âmbito privado”, já que o homem “sempre foi o mais forte”.
Nesse
sentido, “a presunção de hipossuficiência da mulher, a implicar a
necessidade de o estado oferecer proteção especial para reequilibrar a
desproporcionalidade existente, constitui-se em pressuposto de validade
da própria lei”, afirmou Laurita Vaz.
Considerando que a
vulnerabilidade e hipossuficiência da mulher são presumidas pela própria
lei, a Quinta Turma cassou o acórdão do TJRJ, restabeleceu a sentença
penal condenatória e declarou de ofício a extinção de punibilidade do
ator em relação ao crime contra a atriz, em virtude da prescrição. A
condenação contra a segunda vítima ficou mantida.
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