Na
edição de março de 2014 do Boletim IBCCrim, eis que encontramos um
artigo particularmente interessante de Luiz Flávio Gomes, nomeado como
"Campanha de Sheherazade: adote um bandido!". Em síntese: trata-se de uma
crítica bastante pertinente àqueles que defendem a justiça da vingança
privada. Nesta parte do artigo, não se diz de qualquer retoque às
considerações do autor, uma vez que, qualquer pessoa minimamente ciente
dos imperativos decorrentes do princípio da dignidade humana e do Estado
Democrático de Direito, não pode, em sã consciência defender a atuação
de (in)justiceiros ou a legitimação da (in)justiça privada.
Mas eis que no texto é apresentada uma hipótese bastante interessante e de grande aceitação para a explicação da colocação do Brasil entre os países mais violentos do mundo. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes:
"Por
que o Brasil é um dos países mais violentos do mundo? Há muitos fatores
que explicam isso. Um deles passa seguramente pela seguinte tese que se
sugere: quando mais elevado o desenvolvimento humano (IDH) menos
desigualdade existe e quanto menos desigualdade menos violência acontece
(e vice-versa; quanto menos desenvolvimento humano, mais desigualdade e
quanto mais desigualdade, mais violência".
Para
demonstrar a hipótese, apresenta a seguinte tabela na qual é possível
observar uma correlação entre o IDH por grupo de países e a média de
crimes de homicídios. Vejamos:
TABELA 1
Grupos
de IDH
|
Nº
de países
|
Total
de homicídios por grupo
|
Médias
de homicídios absolutos por grupo
|
Média
da taxa de homicídios por 100 mil hab. por grupo.
|
Desenvolvimento humano muito elevado
|
47
|
25.510
|
543
|
1,8
|
Desenvolvimento humano elevado
|
47
|
143.178
|
3.046
|
10,7
|
Desenvolvimento humano médio
|
47
|
117.372
|
2.497
|
11,73
|
Desenvolvimento humano baixo
|
46
|
148.676
|
3.232
|
13,9
|
Total do IDH
|
187
|
Fonte: GOMES, L. F. Campanha da Sheherazade: adote um bandido! Boletim IBCCrim. Ano 22. N. 256. Março/2014, p. 3.
Desde tais números, conclui o autor:
"Esses
números, considerados globalmente, nos autoriza estabelecer uma direta
relação entre IDH, desigualdades e homicídios. Segunda correlação
possível, eles também nos permitem diferenciar, dentro de cada grupo, os
países que praticam um capitalismo avançado e redistributivo
(Dinamarca, Suécia, Suíça, Noruega, Finlândia, Canadá, Japão, Coréia do
Sul, Alemanha, Aústria, etc.) daqueles que seguem o capítulo retrógrado e
desumanamente desigual (estacionário) como é o caso dos EUA. O Brasil,
em suma, na 85ª posição do IDH e contando com uma taxa anual de 27,1
assassinatos para cada 100 mil pessoas (2011), não é o 16º mais violento
do mundo por acaso".
Estaria
o autor correto? Existe uma correlação direta entre IDH, desigualdades e
homicídios? A resposta é NÃO. Segue-se a refutação da hipótese
apresentada pelo autor.
Preliminarmente, é necessário esclarecimentos sobre o IDH e o GINI.
Sobre o índice de desenvolvimento humano (IDH). Leva-se em conta três grandes varíaveis: (a) Longevidade, medida pela expectativa de vida ao nascer; (b) Escolaridade, determinada pela escolaridade da população adulta e o fluxo escolar da população jovem; e (c) pela renda per capita. A relação entre tais variáveis permite a obtenção de um número que varia de 0 (zero) à 1 (um). Quanto maior esse número, teoricamente, maior o desenvolvimento humano de um dado país, região, estado ou município. Por outro lado, quando menor, tanto pior as condições de desenvolvimento humano.
Sobre o índice de desenvolvimento humano (IDH). Leva-se em conta três grandes varíaveis: (a) Longevidade, medida pela expectativa de vida ao nascer; (b) Escolaridade, determinada pela escolaridade da população adulta e o fluxo escolar da população jovem; e (c) pela renda per capita. A relação entre tais variáveis permite a obtenção de um número que varia de 0 (zero) à 1 (um). Quanto maior esse número, teoricamente, maior o desenvolvimento humano de um dado país, região, estado ou município. Por outro lado, quando menor, tanto pior as condições de desenvolvimento humano.
Quando
diz-se de desigualdade socioeconômica, o principal índice utilizado
para exprimir o grau de concentração de renda é o Gini. Aliás, quando se afirma que o Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, tal proposição é, justamente, baseada neste coeficiente. Tal índice é
determinado pela análise da renda dos indivíduos e a relação entre os
mais ricos e os mais pobres. Assim: "Se existe perfeita igualdade, então todos tem a mesma renda e pode-se
escolher quaisquer dois indivíduos para colocar na fórmula que dará o
mesmo resultado. Escolhendo-se o primeiro e o último indivíduo, então
(Xk+1 – Xk = 1) e (Yk+1 + Yk = 1) e G fica igual a zero. No caso de
desigualdade máxima, apenas um indivíduo detém toda a renda do país,
quaisquer indivíduos escolhidos dará (Yk+1 + Yk = 0), e G fica igual a
um. Essa soma é, então, sempre um número entre 0 e 1" (Fonte).
Sendo assim, quanto maior o coeficiente Gini, maior a desigualdade de renda;
quanto menor o índice, tanto mais igualitária é aquela determinada
sociedade.
Luiz
Flávio Gomes parte da hipótese que o índice de desenvolvimento humano
(IDH) e o coeficiente de desigualdade de distribuição de renda (Gini) se
relacionariam de forma inversamente proporcional. Quanto maior o IDH,
tanto menor a desigualdade; quanto menor o IDH, maior a desigualdade.
Infelizmente, para o autor, tal hipótese não se sustenta.
Vejamos a próxima tabela, na qual encontramos dados do IDH, o Gini e o número de homicídios, lado à lado.
Tabela 2
IDH (Índice de Desenvolvimento Humano). Fonte: PNUD - 2012
Considerando tão somente o exemplo japonês observa-se um elevadíssimo IDH, um baixíssimo Gini e uma pequeníssima taxa de homicídios. Desde tal caso, a tese de GOMES ajusta-se perfeitamente. Quanto maior o IDH, menor a desigualdade e, por consequência, menor a violência.
O problema, parafraseando Sartre, são os outros.
Suíça e Dinamarca, apresentados por GOMES como exemplos de um "capitalismo avançado e redistributivo" possuem elevados IDH, entretanto, seus coeficientes de desigualdade são superiores ao Estados Unidos, exemplo de "capitalismo retrógrado e desumanamente desigual". A desigualdade suíça e dinamarquesa é, inclusive, maior do que a brasileira.
Desde tais exemplos supracitados, é possível constatar que o elevado IDH não implica, necessariamente, em igualdade econômica, mas também resta evidente que países com elevados coeficientes de desigualdade podem, muito bem, experimentar baixíssimos índices de violência quando considerados os números relativos de homicídio.
Nota-se, também, que países com baixos coeficientes de desigualdade não necessariamente, possuem elevados índices de IDH. Índia e Bangladesh negam a relação inversamente proporcional entre o índice de desenvolvimento humano e o coeficiente de desigualdade. Aliás, apesar do baixo IDH, possuem baixas taxas de homicídio.
Será que as taxas de homicídio são mais influenciadas pelo coeficiente de desigualdade (Gini) do que pelo IDH?
A análise dos números expostos na tabela não permite tal afirmação. Chile e Índia são países com taxas de homicídios similares, porém, os chilenos possuem um coeficiente de desigualdade muito superior aos indianos. Ainda que desiguais, os chilenos levam vantagem quando observa-se o IDH. Destaca-se então que, mesmo tão diferentes desde tais índices, tanto Chile quanto Índia possuem similares taxas de violência no que se refere ao número de homicídios.
Pela análise dos dados da tabela 2, pode-se bem afirmar que os Estados Unidos são muito mais desiguais do que a Rússia, porém, a taxa de homicídios dos russos é mais do que o dobro da norte-americana.
Passemos à análise dos números brasileiros. Considerando o Brasil, ele é mais desigual do que a Venezuela, porém a taxa de homicídios venezuelana é muito maior do que a brasileira. Por outro lado, o Brasil é pouco menos desigual do que os Estados Unidos, porém, a taxa de homicídios dos norte-americanos não chega a 1/4 da brasileira.
É de se pontuar, portanto, que o IDH não guarda razão necessária com o coeficiente de desigualdade, sendo plenamente possível apontar vários exemplos de países com elevados índices de desenvolvimento humano e igualmente elevados coeficientes de desigualdade. Da mesma forma que a inversa é perfeitamente possível, ou seja, países com baixíssimo IDH podem, muito bem, estarem acompanhados de um igualmente baixo coeficiente de desigualdade (Etiópia, p.e.).
Vejamos a próxima tabela, na qual encontramos dados do IDH, o Gini e o número de homicídios, lado à lado.
Tabela 2
País
|
IDH
(2012)
|
WEALTH GINI
|
HOMICÍDIOS
|
JAPÃO
|
0,912
|
0,547
|
0,4
|
SUÍÇA
|
0,913
|
0,803
|
0,7
|
ALEMANHA
|
0,920
|
0,667
|
0,8
|
DINAMARCA
|
0,901
|
0,808
|
0,9
|
REINO
UNIDO
|
0,875
|
0,697
|
1,2
|
BANGLADESH
|
0,515
|
0,660
|
2,7
|
CHILE
|
0,819
|
0,777
|
3,2
|
ÍNDIA
|
0,554
|
0,669
|
3,4
|
ESTADOS
UNIDOS
|
0,937
|
0,801
|
4,2
|
RÚSSIA
|
0,788
|
0,699
|
10,2
|
BRASIL
|
0,730
|
0,784
|
21,0
|
ETIÓPIA
|
0,396
|
0,652
|
25,5
|
COLÔMBIA
|
0,719
|
0,764
|
33,4
|
VENEZUELA
|
0,748
|
0,712
|
45,1
|
WEALTH GINI (Coeficiente de desigualdade de distribuição de renda). Fonte: UNITED NATIONS UNIVERSITY. 2000.
HOMICÍDIOS. Homicídios por grupo de 100 mil habitantes por ano. Fonte: UNODC - 2012.
HOMICÍDIOS. Homicídios por grupo de 100 mil habitantes por ano. Fonte: UNODC - 2012.
Considerando tão somente o exemplo japonês observa-se um elevadíssimo IDH, um baixíssimo Gini e uma pequeníssima taxa de homicídios. Desde tal caso, a tese de GOMES ajusta-se perfeitamente. Quanto maior o IDH, menor a desigualdade e, por consequência, menor a violência.
O problema, parafraseando Sartre, são os outros.
Suíça e Dinamarca, apresentados por GOMES como exemplos de um "capitalismo avançado e redistributivo" possuem elevados IDH, entretanto, seus coeficientes de desigualdade são superiores ao Estados Unidos, exemplo de "capitalismo retrógrado e desumanamente desigual". A desigualdade suíça e dinamarquesa é, inclusive, maior do que a brasileira.
Desde tais exemplos supracitados, é possível constatar que o elevado IDH não implica, necessariamente, em igualdade econômica, mas também resta evidente que países com elevados coeficientes de desigualdade podem, muito bem, experimentar baixíssimos índices de violência quando considerados os números relativos de homicídio.
Nota-se, também, que países com baixos coeficientes de desigualdade não necessariamente, possuem elevados índices de IDH. Índia e Bangladesh negam a relação inversamente proporcional entre o índice de desenvolvimento humano e o coeficiente de desigualdade. Aliás, apesar do baixo IDH, possuem baixas taxas de homicídio.
Será que as taxas de homicídio são mais influenciadas pelo coeficiente de desigualdade (Gini) do que pelo IDH?
A análise dos números expostos na tabela não permite tal afirmação. Chile e Índia são países com taxas de homicídios similares, porém, os chilenos possuem um coeficiente de desigualdade muito superior aos indianos. Ainda que desiguais, os chilenos levam vantagem quando observa-se o IDH. Destaca-se então que, mesmo tão diferentes desde tais índices, tanto Chile quanto Índia possuem similares taxas de violência no que se refere ao número de homicídios.
Pela análise dos dados da tabela 2, pode-se bem afirmar que os Estados Unidos são muito mais desiguais do que a Rússia, porém, a taxa de homicídios dos russos é mais do que o dobro da norte-americana.
Passemos à análise dos números brasileiros. Considerando o Brasil, ele é mais desigual do que a Venezuela, porém a taxa de homicídios venezuelana é muito maior do que a brasileira. Por outro lado, o Brasil é pouco menos desigual do que os Estados Unidos, porém, a taxa de homicídios dos norte-americanos não chega a 1/4 da brasileira.
É de se pontuar, portanto, que o IDH não guarda razão necessária com o coeficiente de desigualdade, sendo plenamente possível apontar vários exemplos de países com elevados índices de desenvolvimento humano e igualmente elevados coeficientes de desigualdade. Da mesma forma que a inversa é perfeitamente possível, ou seja, países com baixíssimo IDH podem, muito bem, estarem acompanhados de um igualmente baixo coeficiente de desigualdade (Etiópia, p.e.).
Ainda, pela análise da tabela 2, não é possível afirmar que exista uma relação necessária entre o coeficiente de desigualdade e a violência. Países profundamente desiguais podem, muito bem, experimentar diminutas taxas de homicídio (Suíça e Estados Unidos, p.e.), enquanto outros muito mais igualitários, podem conviver com taxas epidêmicas de violência (Venezuela e Rússia).
Isso decorre do fato de que o crime é um fato social dotado de extrema complexidade, especialmente, considerando sua etiologia, ou seja, suas causas. A interrelação de fatores individuais (constituição genética, p.e.), psicológicos (transtornos mentais, p.e.) e sociais (desigualdade econômica, arquitetura urbana, diferenças culturais, solidez das instituições, p.e.) não permite reconhecer uma causa preponderante para a criminalidade em geral, ainda que muitos já tenham tentado.
Pode-se, portanto, concluir que a hipótese aventada por GOMES - o índice de desenvolvimento humano elevado implica em redução da desigualdade e a redução da desigualdade implica em redução da violência - não é alicerçada nos fatos. Em suma, não é possível concluir que a violência está necessariamente relacionada com a desigualdade socioeconômica, ainda que nalguns casos, possa ser compreendida com uma das causas.
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