Em Goiânia, um adolescente de 16 anos foi apreendido portando um celular no qual encontrou-se a gravação do homicídio de Marcos Vinícius Monteiro Caixeta (18 anos), lavador de carros. O motivo da execução, conforme fica claro na filmagem, foi decorrente do fato da vítima ter informado a autoridade policial das atividades de um outro traficante relacionado com os executores.
Logo após o crime, o adolescente postou a filmagem da execução no facebook como forma de ostentação de sua brutalidade e frieza. Segue abaixo o referido vídeo, definitivamente não recomendado para pessoas que podem sentirem-se incomodadas com o elevado nível de crueldade revelado pelas imagens.
A notícia de mais um ato de brutalidade cometido por um menor de 18 (dezoito) anos reacende o debate sobre a diminuição da menoridade penal, proposta, inclusive, defendida com veemência por um dos candidatos à Presidência da República no último pleito eleitoral. Ainda que o evento em pauta cause asco e profunda indignação, o debate do tema não pode ser orientado pelos ânimos exaltados e no calor da revolta.
Dito isso, segue abaixo minha opinião sobre a redução da menoridade penal.
À
título de esclarecimento, procede-se, agora, a uma breve síntese sobre o
tratamento jurídico do menor de 18 anos que incorre na prática de um
fato definido como crime. Como dito anteriormente, os textos
constitucional e penal determinam que o menor de 18 anos (crianças e
adolescentes) não podem ser responsabilizados penalmente por suas ações
(inimputáveis), ficando, porém, sujeitos às normas estabelecidas na
legislação especial, no caso, a L. n. 8.609/98 (ECA).
Nos
termos desta legislação especial, o menor de dezoito anos que pratica
uma conduta descrita como crime ou contravenção penal terá realizado uma conduta designada como ato infracional (art. 103, ECA).
Tratando-se de ato infracional praticado por crianças (menores de 12
anos), fica o menor sujeito às medidas protetivas (art. 105, ECA),
previstas no art. 101, ECA. São elas:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 98, a autoridade competente
poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
I - encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade;
II - orientação, apoio e acompanhamento temporários;
III - matrícula e freqüência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino
fundamental;
IV - inclusão em programa comunitário ou oficial de auxílio à família, à criança e
ao adolescente;
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento
a alcoólatras e toxicômanos;
VII - acolhimento institucional;
VIII - inclusão em programa de acolhimento
familiar;
IX - colocação em família substituta.
Assim,
considerando o ato infracional praticado por menor de 12 anos, é
importante perceber a impossibilidade de submetê-lo à medidas
socioeducativas, entre elas, a internação.
Por
outro lado, no caso do maior de 12 anos e menor de 18, a autoridade
competente poderá aplicar sobre o adolescente infrator medidas
protetivas e/ou socioeducativas, nos termos do art. 112, ECA:
Art. 112. Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I - advertência;
II - obrigação de reparar o dano;
III - prestação de serviços à comunidade;
IV - liberdade assistida;
V - inserção em regime de semi-liberdade;
VI - internação em estabelecimento educacional;
VII - qualquer uma das previstas no art. 101, I a VI.
§ 1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as
circunstâncias e a gravidade da infração.
§ 2º Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho
forçado.
§ 3º Os adolescentes portadores de doença ou deficiência mental receberão tratamento
individual e especializado, em local adequado às suas condições.
Sendo
assim, no caso de adolescentes, quando pertinente e necessário, o
magistrado poderá determinar a internação em estabelecimento
educacional. Tal medida privativa de liberdade não possui prazo
determinado (art. 121, § 2º, ECA), porém, em nenhuma hipótese, excederá o
período máximo de 3 (três) anos (art. 121, § 3º, ECA), ou será
permitida a internação para além dos 21 (vinte anos) de idade (art. 121,
§ 5º, ECA).
Conhecendo, então, os parâmetros normativos para o tratamento jurídico do menor infrator o que pode-se dizer de sua adequação?
Sinceramente
- esta é a minha opinião informada - o Estatuto da Criança e do
Adolescente constitui-se numa legislação muito boa - ainda que alguns
críticos sustentem que ela seria "boa" demais para um país como o Brasil
- pois determina direitos, obrigações e medidas bastante razoáveis para
resolver a maior parte dos problemas que acometem as crianças e
adolescentes brasileiros. Evidentemente não estamos aqui, a afirmar -
longe disso - que o texto normativo seja perfeito, irretocável ou mesmo
sem problemas.
Ao
contrário do que se pensa, o Estatuto da Criança e Adolescente não é
uma legislação que prega a impunidade do menor infrator. Note-se que o
adolescente infrator poderá ser internado, conforme o caso, por um
período de até 3 (três) anos. Isso, apesar de alguns dizerem o
contrário, não é pouco.
Para efeitos de comparação, o tempo máximo de internação, três anos:
a) corresponde a 3 vezes a pena máxima de lesão corporal simples [art. 129, caput, CP];
b) corresponde a um período de tempo 50% superior à pena mínima de lesão corporal gravíssima [art. 129, § 2º, CP];
c) corresponde a pena máxima do crime de homicídio culposo [art. 121, § 3º, CP];
d) corresponde a 3 vezes a pena mínima do furto simples [art 155, caput, CP];
e) corresponde à 60% da pena mínima de tráfico de drogas [art. 33, L. n. 11.343/2006].
Pode-se,
mesmo, afirmar que o período máximo da medida sócio-educativa (3 anos),
permite que o menor seja privado de sua liberdade por um período de
tempo muito superior ao da maioria dos delitos, ainda mais considerando
as possibilidades de benefícios incidentais, como progressão de regime e
livramento condicional.
Para aqueles não convencidos, pode-se dar os seguintes exemplos:
a) Uma pessoa maior de 18 anos condenado à pena mínima de 6 (seis) anos por homicídio simples consumado (art. 121, caput,
CP), bem possivelmente estará em liberdade antes de um menor de 18
anos, internado pelo mesmo motivo. No caso do maior de idade imputável,
ele faz jus à progressão de regime (1/6 da pena) e ao livramento
condicional (1/3 da pena). O imputável, poderá estar em livramento
condicional quando cumpridos 2 (dois) anos. O menor de idade inimputável
não teria, na hipótese, tal benefício.
b)
No caso de réu primário condenado por tráfico de drogas, ele fará jus
ao livramento condicional quando cumpridos 2/3 (dois terços) da pena.
Sendo ele merecedor de pena mínima, estaria em liberdade condicional
quando cumpridos 2 anos e 8 meses de pena. O menor infrator poderia, em
razão de tráfico, ficar internado por um período de tempo, perceba,
maior do que um adulto condenado penalmente pelo mesmo fato.
c)
Os condenados no escândalo do Mensalão - citado como um dos maiores escândalos
de corrupção dos últimos tempos - estão em regime aberto ou tiveram suas penas extintas. Merecedores da progressão de regime (1/6 da pena),
rumaram para o aberto pouco mais de um ano depois do início do cumprimento
de pena, conforme cada caso particular. Teriam direito à liberdade condicional
em pouco mais de 2 (dois) anos, na maioria dos casos. Intrigante, não? Note que
submeter os mensaleiros à medida socioeducativa de internação permitiria
mantê-lo-ias excluídos do convívio social por um período superior do que será
possível no caso da execução de suas penas.
Com
isso, espera-se demonstrado que, na maior parte dos casos e
considerando a maior parte dos crimes previstos em nosso ordenamento
jurídico, os 3 (três) anos de internação são suficientes para uma justa e
adequada resposta jurídica ao ato infracional.
Se
para a maior parte dos casos, o limite temporal máximo da internação é
suficiente, isso não pode ser dito de alguns crimes especialmente
graves, especialmente aqueles reunidos sob a classificação de crimes
hediondos (art. 1º, L. n. 8.072/90)
e assemelhados (tráfico de drogas, tortura e terrorismo).
Seria
então o caso de alterar a Constituição e a legislação para antecipar a
maioridade penal para os 16 (dezesseis) anos, como querem a maioria dos
defensores de uma resposta penal aos atos de delinquência juvenil?
A PEC 33/2012
de autoria do senador Aloysio Nunes (SP) era neste sentido. O texto permitiria a responsabilização penal de maiores de 16
(dezesseis) e menores de 18 (dezoito) anos no caso de prática de crimes
hediondos ou assemelhados, além da múltipla reincidência em crime de
lesão corporal grave e roubo. Tal projeto foi rejeitado pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado no dia 19 de fevereiro. Prevaleceu a tese
de que a inimputabilidade dos menores de 18 (dezoito) anos, nos termos
dos arts. 60, § 4º, IV e 228 da Constituição Federal, trata-se de uma
cláusula pétrea.
De
fato, considerando que o art. 5º, § 2º da Constituição Federal, é
categórica a proposição de que o rol de direitos e garantias
fundamentais não se resumem ao elenco disposto no próprio art. 5º e
incisos, CF/88, estando presentes não só em várias outras partes da
Constituição Federal, mas também podem ser reconhecidos aqueles
implícitos, decorrentes do regime e dos princípios adotados pelo texto
constitucional, e mesmo encontrados em textos de tratados
internacionais. O art. 228, CF/88 que determina a inimputabilidade dos
menores de 18 (dezoito) anos, de fato, preenche todos os elementos para
que seja considerada uma garantia fundamental assecuratória da liberdade da pessoa em desenvolvimento (como é considerado o menor, criança e adolescente, nos termos constitucionais).
Sendo
considerada como garantia fundamental, estaria revestida de qualidade
suficiente para ser classificada como cláusula pétrea, nos termos do
art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal, estando pois, para além de
qualquer possibilidade de emenda tendente a abolir direitos e garantias
fundamentais. Sendo assim, juridicamente falando, é impossível alterar a
cláusula constitucional de imputabilidade dos menores 18 (dezoito)
anos, salvo em decorrência de uma nova Constituição.
Dito
isso, devo exarar minha opinião pela absoluta discordância contra a
tese de redução a maioridade penal de 18 (dezoito) para 16 (dezesseis)
anos. Explico meus motivos.
I.
Como exposto, existe uma objeção de ordem jurídica. A cláusula de
inimputabilidade é uma garantia fundamental e, portanto, pétrea, nos
termos do art. 60, § 4º, IV da Constituição Federal:
II.
Não parece que a maioridade penal dos 18 (dezoito) para 16 (dezesseis)
anos, seja suficiente para satisfazer a sanha incriminadora de alguns.
Ocorrendo tal hipotética redução, outros bradarão por outra diminuição
quando alguém com 15 anos e 364 dias praticar outro crime bárbaro;
III.
Os efeitos preventivos de tal medida são duvidosos. Considere que dos
quase 50.000 homicídios praticados no Brasil, somente em 4.000 foram descobertos os autores.
Uma fantástica e vergonhosa taxa de solução de crimes de 8%. De cada
100 homicídios, somente 8 terão a autoria solucionada. Não conseguimos
punir 10% dos homicídios praticados por adultos e queremos punir os
homicídios praticados por menores. Diminuir a maioridade penal para 16
(dezesseis) anos, muito provavelmente, tratará o adolescente como se
trata o adulto, ou seja, em regra, com impunidade.
IV.
Considerando que as crianças e adolescentes são extremamente permeáveis
aos maus exemplos , não deveria, primeiro, o Estado brasileiro, lograr
êxito em punir, exemplarmente, os adultos - o que não consegue - antes
de pretender punir os adolescentes?
V.
Não existem vagas no sistema penitenciário brasileiro. Qualquer
justificativa em aumentar a população de pessoas responsáveis
penalmente, demanda, por implicação, que o Estado esteja preparado para
executar a pena, nos termos da Lei de Execução Penal. Não é o caso.
VI.
Várias políticas públicas e diversas instâncias de controle social
poderiam ser instrumentalizadas, com eficácia, para a mitigação do
problema da delinquência juvenil. Pode-se mesmo dizer, que quando um
menor é submetido à medida socioeducativa de internação é bem provável
que, retrospectivamente, tenha sido abandonado ou ignorado pela família,
pela sociedade e pelo Estado. Para uma população que gosta de afirmar
que as crianças são o futuro do Brasil, somente nos preocupamos com o
futuro delas quando consideramos a possibilidade de mandá-las para
cadeia.
VII.
Por fim, acredito que a instrumentação da escola, especialmente aquela
em tempo integral, pode ser, em vários níveis, mais eficaz para a
mitigação da delinquência juvenil, do que a redução da maioridade penal.
Isso não significa que legislação pertinente (ECA) não mereça reparos.
Na
minha opinião, parece ser juridicamente possível que estabeleça-se um
novo limite temporal para a medida socioeducativa de internação. Casos
de atos infracionais que constituam-se em condutas definidas como crimes
hediondos e assemelhados praticados com violência ou grave ameaça, me
parecem, merecedores de uma resposta jurídica mais enérgica do que
outros atos infracionais.
Minha
proposta seria que, nos casos de ato infracional no qual conduta seja
definida como crime hediondo ou assemelhado e praticado mediante
violência ou grave ameaça, a internação se estendesse por um período
máximo de 6 (seis) anos - o dobro do tempo previsto na atual legislação -
uma vez que razoável sustentar um período de ressocialização
temporalmente mais extenso no caso de crimes especialmente reprováveis.
Ademais, a idade de desinternação compulsória seria também, nos mesmos
casos, ampliada para a arca de 24 (vinte e quatro) anos.
Mas
uma coisa é certa. Mesmo que tudo continue na mesma; Mesmo que reduzam a
maioridade penal para 16 (dezesseis) anos; mesmo que admitam a proposta
de alterar o período máximo de internação para 6 (seis) anos; em
qualquer dos casos, atos brutais praticados por menores continuarão a
acontecer e a chocar a população.
Em
suma, enquanto gastamos muita energia discutindo a diminuição da
maioridade penal (constitucionalmente impossível) como se ela fosse uma
panaceia para diminuição da violência, restamos inertes perante a
absoluta incompetência estatal que não consegue resolver 9 em cada 10
homicídios praticados por adultos, bem como, falha miseravelmente em
cumprir o seu dever de oferecer uma escola integral gratuita e de
qualidade para todas as crianças brasileiras.