sexta-feira, 31 de janeiro de 2014

Lei Anticorrupção [Lei n. 12.846/2013]

Entrou em vigor no dia 29 de janeiro de 2014, após 180 dias de vacância, a Lei n. 12.846, de 1º de agosto de 2013, também designada como Lei Anticorrupção, que estabelece a responsabilidade objetiva nos âmbitos civil e administrativo por atos lesivos à Administração Pública nacional ou estrangeira.

Segue-se abaixo os textos, sendo destacados em negritos aqueles dispositivos mais relevantes:


Dispõe sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira, e dá outras providências.
 
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
CAPÍTULO I

DISPOSIÇÕES GERAIS

Art. 1o  Esta Lei dispõe sobre a responsabilização objetiva administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.

Parágrafo único.  Aplica-se o disposto nesta Lei às sociedades empresárias e às sociedades simples, personificadas ou não, independentemente da forma de organização ou modelo societário adotado, bem como a quaisquer fundações, associações de entidades ou pessoas, ou sociedades estrangeiras, que tenham sede, filial ou representação no território brasileiro, constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente.

Art. 2o  As pessoas jurídicas serão responsabilizadas objetivamente, nos âmbitos administrativo e civil, pelos atos lesivos previstos nesta Lei praticados em seu interesse ou benefício, exclusivo ou não.

Art. 3o  A responsabilização da pessoa jurídica não exclui a responsabilidade individual de seus dirigentes ou administradores ou de qualquer pessoa natural, autora, coautora ou partícipe do ato ilícito.
§ 1o  A pessoa jurídica será responsabilizada independentemente da responsabilização individual das pessoas naturais referidas no caput.
§ 2o  Os dirigentes ou administradores somente serão responsabilizados por atos ilícitos na medida da sua culpabilidade.
Art. 4o  Subsiste a responsabilidade da pessoa jurídica na hipótese de alteração contratual, transformação, incorporação, fusão ou cisão societária.
§ 1o  Nas hipóteses de fusão e incorporação, a responsabilidade da sucessora será restrita à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado, até o limite do patrimônio transferido, não lhe sendo aplicáveis as demais sanções previstas nesta Lei decorrentes de atos e fatos ocorridos antes da data da fusão ou incorporação, exceto no caso de simulação ou evidente intuito de fraude, devidamente comprovados.
§ 2o  As sociedades controladoras, controladas, coligadas ou, no âmbito do respectivo contrato, as consorciadas serão solidariamente responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei, restringindo-se tal responsabilidade à obrigação de pagamento de multa e reparação integral do dano causado.

CAPÍTULO II

DOS ATOS LESIVOS À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NACIONAL OU ESTRANGEIRA

Art. 5o  Constituem atos lesivos à administração pública, nacional ou estrangeira, para os fins desta Lei, todos aqueles praticados pelas pessoas jurídicas mencionadas no parágrafo único do art. 1o, que atentem contra o patrimônio público nacional ou estrangeiro, contra princípios da administração pública ou contra os compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, assim definidos:

I - prometer, oferecer ou dar, direta ou indiretamente, vantagem indevida a agente público, ou a terceira pessoa a ele relacionada;

II - comprovadamente, financiar, custear, patrocinar ou de qualquer modo subvencionar a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei;

III - comprovadamente, utilizar-se de interposta pessoa física ou jurídica para ocultar ou dissimular seus reais interesses ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados;

IV - no tocante a licitações e contratos:
a) frustrar ou fraudar, mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente, o caráter competitivo de procedimento licitatório público;
b) impedir, perturbar ou fraudar a realização de qualquer ato de procedimento licitatório público;
c) afastar ou procurar afastar licitante, por meio de fraude ou oferecimento de vantagem de qualquer tipo;
d) fraudar licitação pública ou contrato dela decorrente;
e) criar, de modo fraudulento ou irregular, pessoa jurídica para participar de licitação pública ou celebrar contrato administrativo;
f) obter vantagem ou benefício indevido, de modo fraudulento, de modificações ou prorrogações de contratos celebrados com a administração pública, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação pública ou nos respectivos instrumentos contratuais; ou
g) manipular ou fraudar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos celebrados com a administração pública;
V - dificultar atividade de investigação ou fiscalização de órgãos, entidades ou agentes públicos, ou intervir em sua atuação, inclusive no âmbito das agências reguladoras e dos órgãos de fiscalização do sistema financeiro nacional.
§ 1o  Considera-se administração pública estrangeira os órgãos e entidades estatais ou representações diplomáticas de país estrangeiro, de qualquer nível ou esfera de governo, bem como as pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro.
§ 2o  Para os efeitos desta Lei, equiparam-se à administração pública estrangeira as organizações públicas internacionais.
§ 3o  Considera-se agente público estrangeiro, para os fins desta Lei, quem, ainda que transitoriamente ou sem remuneração, exerça cargo, emprego ou função pública em órgãos, entidades estatais ou em representações diplomáticas de país estrangeiro, assim como em pessoas jurídicas controladas, direta ou indiretamente, pelo poder público de país estrangeiro ou em organizações públicas internacionais.

CAPÍTULO III

DA RESPONSABILIZAÇÃO ADMINISTRATIVA

Art. 6o  Na esfera administrativa, serão aplicadas às pessoas jurídicas consideradas responsáveis pelos atos lesivos previstos nesta Lei as seguintes sanções:

I - multa, no valor de 0,1% (um décimo por cento) a 20% (vinte por cento) do faturamento bruto do último exercício anterior ao da instauração do processo administrativo, excluídos os tributos, a qual nunca será inferior à vantagem auferida, quando for possível sua estimação; e

II - publicação extraordinária da decisão condenatória.

§ 1o  As sanções serão aplicadas fundamentadamente, isolada ou cumulativamente, de acordo com as peculiaridades do caso concreto e com a gravidade e natureza das infrações.
§ 2o  A aplicação das sanções previstas neste artigo será precedida da manifestação jurídica elaborada pela Advocacia Pública ou pelo órgão de assistência jurídica, ou equivalente, do ente público.
§ 3o  A aplicação das sanções previstas neste artigo não exclui, em qualquer hipótese, a obrigação da reparação integral do dano causado.
§ 4o  Na hipótese do inciso I do caput, caso não seja possível utilizar o critério do valor do faturamento bruto da pessoa jurídica, a multa será de R$ 6.000,00 (seis mil reais) a R$ 60.000.000,00 (sessenta milhões de reais).
§ 5o  A publicação extraordinária da decisão condenatória ocorrerá na forma de extrato de sentença, a expensas da pessoa jurídica, em meios de comunicação de grande circulação na área da prática da infração e de atuação da pessoa jurídica ou, na sua falta, em publicação de circulação nacional, bem como por meio de afixação de edital, pelo prazo mínimo de 30 (trinta) dias, no próprio estabelecimento ou no local de exercício da atividade, de modo visível ao público, e no sítio eletrônico na rede mundial de computadores.
§ 6o  (VETADO).
Art. 7o  Serão levados em consideração na aplicação das sanções:
I - a gravidade da infração;
II - a vantagem auferida ou pretendida pelo infrator;
III - a consumação ou não da infração;
IV - o grau de lesão ou perigo de lesão;
V - o efeito negativo produzido pela infração;
VI - a situação econômica do infrator;
VII - a cooperação da pessoa jurídica para a apuração das infrações;
VIII - a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica;
IX - o valor dos contratos mantidos pela pessoa jurídica com o órgão ou entidade pública lesados; e
X - (VETADO).
Parágrafo único.  Os parâmetros de avaliação de mecanismos e procedimentos previstos no inciso VIII do caput serão estabelecidos em regulamento do Poder Executivo federal.

CAPÍTULO IV

DO PROCESSO ADMINISTRATIVO DE RESPONSABILIZAÇÃO

Art. 8o  A instauração e o julgamento de processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica cabem à autoridade máxima de cada órgão ou entidade dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, que agirá de ofício ou mediante provocação, observados o contraditório e a ampla defesa.

§ 1o  A competência para a instauração e o julgamento do processo administrativo de apuração de responsabilidade da pessoa jurídica poderá ser delegada, vedada a subdelegação.

§ 2o  No âmbito do Poder Executivo federal, a Controladoria-Geral da União - CGU terá competência concorrente para instaurar processos administrativos de responsabilização de pessoas jurídicas ou para avocar os processos instaurados com fundamento nesta Lei, para exame de sua regularidade ou para corrigir-lhes o andamento.

Art. 9o  Competem à Controladoria-Geral da União - CGU a apuração, o processo e o julgamento dos atos ilícitos previstos nesta Lei, praticados contra a administração pública estrangeira, observado o disposto no Artigo 4 da Convenção sobre o Combate da Corrupção de Funcionários Públicos Estrangeiros em Transações Comerciais Internacionais, promulgada pelo Decreto no 3.678, de 30 de novembro de 2000.
Art. 10.  O processo administrativo para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica será conduzido por comissão designada pela autoridade instauradora e composta por 2 (dois) ou mais servidores estáveis.
§ 1o  O ente público, por meio do seu órgão de representação judicial, ou equivalente, a pedido da comissão a que se refere o caput, poderá requerer as medidas judiciais necessárias para a investigação e o processamento das infrações, inclusive de busca e apreensão.
§ 2o  A comissão poderá, cautelarmente, propor à autoridade instauradora que suspenda os efeitos do ato ou processo objeto da investigação.
§ 3o  A comissão deverá concluir o processo no prazo de 180 (cento e oitenta) dias contados da data da publicação do ato que a instituir e, ao final, apresentar relatórios sobre os fatos apurados e eventual responsabilidade da pessoa jurídica, sugerindo de forma motivada as sanções a serem aplicadas.
§ 4o  O prazo previsto no § 3o poderá ser prorrogado, mediante ato fundamentado da autoridade instauradora.
Art. 11.  No processo administrativo para apuração de responsabilidade, será concedido à pessoa jurídica prazo de 30 (trinta) dias para defesa, contados a partir da intimação.
Art. 12.  O processo administrativo, com o relatório da comissão, será remetido à autoridade instauradora, na forma do art. 10, para julgamento.
Art. 13.  A instauração de processo administrativo específico de reparação integral do dano não prejudica a aplicação imediata das sanções estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único.  Concluído o processo e não havendo pagamento, o crédito apurado será inscrito em dívida ativa da fazenda pública.
Art. 14.  A personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos previstos nesta Lei ou para provocar confusão patrimonial, sendo estendidos todos os efeitos das sanções aplicadas à pessoa jurídica aos seus administradores e sócios com poderes de administração, observados o contraditório e a ampla defesa.
Art. 15.  A comissão designada para apuração da responsabilidade de pessoa jurídica, após a conclusão do procedimento administrativo, dará conhecimento ao Ministério Público de sua existência, para apuração de eventuais delitos.

CAPÍTULO V

DO ACORDO DE LENIÊNCIA

Art. 16.  A autoridade máxima de cada órgão ou entidade pública poderá celebrar acordo de leniência com as pessoas jurídicas responsáveis pela prática dos atos previstos nesta Lei que colaborem efetivamente com as investigações e o processo administrativo, sendo que dessa colaboração resulte:

I - a identificação dos demais envolvidos na infração, quando couber; e

II - a obtenção célere de informações e documentos que comprovem o ilícito sob apuração.

§ 1o  O acordo de que trata o caput somente poderá ser celebrado se preenchidos, cumulativamente, os seguintes requisitos:
I - a pessoa jurídica seja a primeira a se manifestar sobre seu interesse em cooperar para a apuração do ato ilícito;
II - a pessoa jurídica cesse completamente seu envolvimento na infração investigada a partir da data de propositura do acordo;
III - a pessoa jurídica admita sua participação no ilícito e coopere plena e permanentemente com as investigações e o processo administrativo, comparecendo, sob suas expensas, sempre que solicitada, a todos os atos processuais, até seu encerramento.
§ 2o  A celebração do acordo de leniência isentará a pessoa jurídica das sanções previstas no inciso II do art. 6o e no inciso IV do art. 19 e reduzirá em até 2/3 (dois terços) o valor da multa aplicável.
§ 3o  O acordo de leniência não exime a pessoa jurídica da obrigação de reparar integralmente o dano causado.
§ 4o  O acordo de leniência estipulará as condições necessárias para assegurar a efetividade da colaboração e o resultado útil do processo.
§ 5o  Os efeitos do acordo de leniência serão estendidos às pessoas jurídicas que integram o mesmo grupo econômico, de fato e de direito, desde que firmem o acordo em conjunto, respeitadas as condições nele estabelecidas.
§ 6o A proposta de acordo de leniência somente se tornará pública após a efetivação do respectivo acordo, salvo no interesse das investigações e do processo administrativo.
§ 7o  Não importará em reconhecimento da prática do ato ilícito investigado a proposta de acordo de leniência rejeitada.
§ 8o  Em caso de descumprimento do acordo de leniência, a pessoa jurídica ficará impedida de celebrar novo acordo pelo prazo de 3 (três) anos contados do conhecimento pela administração pública do referido descumprimento.
§ 9o  A celebração do acordo de leniência interrompe o prazo prescricional dos atos ilícitos previstos nesta Lei.
§ 10.  A Controladoria-Geral da União - CGU é o órgão competente para celebrar os acordos de leniência no âmbito do Poder Executivo federal, bem como no caso de atos lesivos praticados contra a administração pública estrangeira.
Art. 17.  A administração pública poderá também celebrar acordo de leniência com a pessoa jurídica responsável pela prática de ilícitos previstos na Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, com vistas à isenção ou atenuação das sanções administrativas estabelecidas em seus arts. 86 a 88.

CAPÍTULO VI

DA RESPONSABILIZAÇÃO JUDICIAL

Art. 18.  Na esfera administrativa, a responsabilidade da pessoa jurídica não afasta a possibilidade de sua responsabilização na esfera judicial.

Art. 19.  Em razão da prática de atos previstos no art. 5o desta Lei, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, por meio das respectivas Advocacias Públicas ou órgãos de representação judicial, ou equivalentes, e o Ministério Público, poderão ajuizar ação com vistas à aplicação das seguintes sanções às pessoas jurídicas infratoras:

I - perdimento dos bens, direitos ou valores que representem vantagem ou proveito direta ou indiretamente obtidos da infração, ressalvado o direito do lesado ou de terceiro de boa-fé;

II - suspensão ou interdição parcial de suas atividades;
III - dissolução compulsória da pessoa jurídica;
IV - proibição de receber incentivos, subsídios, subvenções, doações ou empréstimos de órgãos ou entidades públicas e de instituições financeiras públicas ou controladas pelo poder público, pelo prazo mínimo de 1 (um) e máximo de 5 (cinco) anos.
§ 1o  A dissolução compulsória da pessoa jurídica será determinada quando comprovado:
I - ter sido a personalidade jurídica utilizada de forma habitual para facilitar ou promover a prática de atos ilícitos; ou
II - ter sido constituída para ocultar ou dissimular interesses ilícitos ou a identidade dos beneficiários dos atos praticados.
§ 2o  (VETADO).
§ 3o  As sanções poderão ser aplicadas de forma isolada ou cumulativa.
§ 4o  O Ministério Público ou a Advocacia Pública ou órgão de representação judicial, ou equivalente, do ente público poderá requerer a indisponibilidade de bens, direitos ou valores necessários à garantia do pagamento da multa ou da reparação integral do dano causado, conforme previsto no art. 7o, ressalvado o direito do terceiro de boa-fé.
Art. 20.  Nas ações ajuizadas pelo Ministério Público, poderão ser aplicadas as sanções previstas no art. 6o, sem prejuízo daquelas previstas neste Capítulo, desde que constatada a omissão das autoridades competentes para promover a responsabilização administrativa.
Art. 21.  Nas ações de responsabilização judicial, será adotado o rito previsto na Lei no 7.347, de 24 de julho de 1985.
Parágrafo único.  A condenação torna certa a obrigação de reparar, integralmente, o dano causado pelo ilícito, cujo valor será apurado em posterior liquidação, se não constar expressamente da sentença.

CAPÍTULO VII

DISPOSIÇÕES FINAIS

Art. 22.  Fica criado no âmbito do Poder Executivo federal o Cadastro Nacional de Empresas Punidas - CNEP, que reunirá e dará publicidade às sanções aplicadas pelos órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo com base nesta Lei.

§ 1o  Os órgãos e entidades referidos no caput deverão informar e manter atualizados, no Cnep, os dados relativos às sanções por eles aplicadas.

§ 2o  O Cnep conterá, entre outras, as seguintes informações acerca das sanções aplicadas:

I - razão social e número de inscrição da pessoa jurídica ou entidade no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ;
II - tipo de sanção; e
III - data de aplicação e data final da vigência do efeito limitador ou impeditivo da sanção, quando for o caso.
§ 3o  As autoridades competentes, para celebrarem acordos de leniência previstos nesta Lei, também deverão prestar e manter atualizadas no Cnep, após a efetivação do respectivo acordo, as informações acerca do acordo de leniência celebrado, salvo se esse procedimento vier a causar prejuízo às investigações e ao processo administrativo.
§ 4o  Caso a pessoa jurídica não cumpra os termos do acordo de leniência, além das informações previstas no § 3o, deverá ser incluída no Cnep referência ao respectivo descumprimento.
§ 5o  Os registros das sanções e acordos de leniência serão excluídos depois de decorrido o prazo previamente estabelecido no ato sancionador ou do cumprimento integral do acordo de leniência e da reparação do eventual dano causado, mediante solicitação do órgão ou entidade sancionadora.
Art. 23.  Os órgãos ou entidades dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário de todas as esferas de governo deverão informar e manter atualizados, para fins de publicidade, no Cadastro Nacional de Empresas Inidôneas e Suspensas - CEIS, de caráter público, instituído no âmbito do Poder Executivo federal, os dados relativos às sanções por eles aplicadas, nos termos do disposto nos arts. 87 e 88 da Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993.
Art. 24.  A multa e o perdimento de bens, direitos ou valores aplicados com fundamento nesta Lei serão destinados preferencialmente aos órgãos ou entidades públicas lesadas.
Art. 25.  Prescrevem em 5 (cinco) anos as infrações previstas nesta Lei, contados da data da ciência da infração ou, no caso de infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
Parágrafo único.  Na esfera administrativa ou judicial, a prescrição será interrompida com a instauração de processo que tenha por objeto a apuração da infração.
Art. 26.  A pessoa jurídica será representada no processo administrativo na forma do seu estatuto ou contrato social.
§ 1o  As sociedades sem personalidade jurídica serão representadas pela pessoa a quem couber a administração de seus bens.
§ 2o  A pessoa jurídica estrangeira será representada pelo gerente, representante ou administrador de sua filial, agência ou sucursal aberta ou instalada no Brasil.
Art. 27.  A autoridade competente que, tendo conhecimento das infrações previstas nesta Lei, não adotar providências para a apuração dos fatos será responsabilizada penal, civil e administrativamente nos termos da legislação específica aplicável.
Art. 28.  Esta Lei aplica-se aos atos lesivos praticados por pessoa jurídica brasileira contra a administração pública estrangeira, ainda que cometidos no exterior.
Art. 29.  O disposto nesta Lei não exclui as competências do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, do Ministério da Justiça e do Ministério da Fazenda para processar e julgar fato que constitua infração à ordem econômica.
Art. 30.  A aplicação das sanções previstas nesta Lei não afeta os processos de responsabilização e aplicação de penalidades decorrentes de:
I - ato de improbidade administrativa nos termos da Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992; e
II - atos ilícitos alcançados pela Lei no 8.666, de 21 de junho de 1993, ou outras normas de licitações e contratos da administração pública, inclusive no tocante ao Regime Diferenciado de Contratações Públicas - RDC instituído pela Lei no 12.462, de 4 de agosto de 2011.
Art. 31.  Esta Lei entra em vigor 180 (cento e oitenta) dias após a data de sua publicação.
Brasília, 1o de agosto de 2013; 192o da Independência e 125o da República.

DILMA ROUSSEFF

José Eduardo Cardozo

Luís Inácio Lucena Adams

Jorge Hage Sobrinho

quinta-feira, 30 de janeiro de 2014

TJ-DFT, por unanimidade, reforma decisão de juiz e condena traficante de maconha

Reprodução de texto publicado no site do TJDFT:

A 3ª Turma Criminal do TJDFT, à unanimidade, reformou a decisão do juiz da 4ª Vara de Entorpecentes do DF e condenou o homem que tentou ingressar na Papuda com 52 porções de maconha no corpo. De acordo com a turma, a conduta do réu se enquadra no tipo criminal descrito no art. 33, caput, c/c art. 40, III, ambos da Lei 11.343/06 (tráfico de droga). Ele foi condenado a 2 anos e 11 meses de detenção, em regime semi-aberto, e 291 dias multa à razão de 1/30 do salário mínimo. A pena restritiva de liberdade não poderá ser convertida em restritiva de direito, conforme determina a Lei Antidrogas. 


Segundo os autos, o homem foi preso em flagrante ao ser abordado pela polícia quando visitava o irmão, detento no CDP II.  Durante a abordagem, ele confessou estar transportando drogas no estômago para entregar a um amigo. Foi, então, levado a uma sala para provocar vômito e expelir o conteúdo ilícito: 52 trouxas de maconha, com peso total de 46,15 gr. 


Ao julgar o caso em 1ª Instância, o juiz da Vara de Entorpecentes absolveu o réu ao fundamento de que a Portaria 344/98, que inclui o tetrahidrocanabinol - THC na lista de substâncias ilícitas, é inconstitucional e ilegal por ausência de motivação. 


O MPDFT recorreu da sentença, que foi reformada em 2ª Instância pela Turma Criminal. Segundo o relator do recurso, “as substâncias constantes da lista da Anvisa independem de motivação expressa, em razão de terem sido avaliadas e selecionadas por órgão técnico-científico, com capacidade para analisar quais causam dependência ou são prejudiciais à saúde humana. Levando-se em conta a necessidade de conhecimento específico para essa análise, não há como sustentar a ilegalidade da Portaria 344/1998, sabendo-se que a relação nela constante foi elaborada por peritos com a capacidade técnica exigida para tal mister”. 


O desembargador esclareceu ainda que “a norma penal em branco heterogênea, como é o caso da Lei 11.343/06, não é destituída de preceito, isto é, contém a descrição do núcleo essencial da conduta proibida, tornando-se exequível, a partir de sua complementação. Por sua vez, a Portaria 344/1998 da Secretaria de Vigilância do Ministério da Saúde traz a relação de substâncias entorpecentes, na qual consta o THC, cuja traficância se subsume ao tipo penal descrito no art. 33 da referida lei”. 


Além da condenação penal, por se tratar de decisão de órgão colegiado, o desembargador determinou a inclusão do nome do réu no sistema do Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade Administrativa e por Ato que implique Inelegibilidade – CNCIAI, conforme determina a Lei Complementar 64/90 e a Resolução 172 do CNJ. 


A decisão colegiada foi unânime e não cabe recurso modificativo no âmbito do TJDFT.

Fonte:http://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/noticias/2014/janeiro/turma-criminal-reforma-decisao-e-condena-reu-que-transportava-maconha-no-corpo

Para saber mais do assunto, acesse os posts anteriores:

A suposta inconstitucionalidade do tráfico de maconha: No que está baseado o magistrado?



Continuando a análise da decisão do magistrado Frederico Ernesto Cardoso Maciel da Quarta Vara de Entorpecentes do Distrito Federal que fundamentou a absolvição de um traficante de maconha baseado na inconstitucionalidade e ilegalidade da Portaria n. 344/1998-MS.

Conforme análise em post anterior, os fundamentos sustentados pelo magistrado, não somente seriam suficientes para a legalização do comércio de maconha, como teriam o condão de legalizar, por consequência, o tráfico de todas substâncias entorpecentes.  Agora, em continuidade, vamos analisar a correção dos fundamentos da sentença.

A decisão do magistrado é baseada em dois argumentos fundamentais: (1) a portaria n.  344/98 é produto de um ato administrativo que é ilegal em razão da ausência de motivação; e (2) a mesma portaria seria, ainda, inconstitucional por ofensa aos princípios da igualdade, da liberdade e da dignidade humana. Vejamos cada um deles.

1. Da suposta ilegalidade da portaria n. 344/98.

Segundo o magistrado:

"No caso, o Ministério da Saúde, por meio da portaria 344/1998, com o objetivo de complementar a norma do art. 33, caput, da lei 11343/06, estabeleceu um vastíssimo rol de substâncias sujeitas à controle e, sem qualquer justificativa constante na referida portaria, na lista F, proibiu, entre outras, o THC".

"O ato administrativo, em especial o discricionário restritivo de direitos, diante dos direitos e garantias fundamentais e também dos princípios constitucionais contidos no art. 37 da Constituição da República devem ser devidamente motivados, sob pena de permitir ao Administrador atuar de forma arbitrária e de acordo com a sua própria vontade ao invés da vontade da lei".

O juiz, ao fundamentar sua conclusão pela ilegalidade da portaria n. 344/98-MS, parte do princípio que toda a decisão estatal, que eventualmente limite a liberdade pessoal de seus cidadãos, deve ser devidamente motivada, inclusive e especialmente, o ato administrativo restritivo de direitos.

De fato, em um Estado Democrático de Direito, é impensável que a liberdade individual possa ser leviana ou caprichosamente limitada. Daí que toda restrição ao âmbito pessoal de autodeterminação deve ser devidamente justificada e fundamentada. Porém, partindo de acertada premissa, o magistrado chega à uma conclusão profundamente equivocada. 

A portaria n. 344/98-MS, ao estabelecer a proibição do comércio de substâncias baseadas em THC, está completamente motivada na Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas, da qual o Brasil é signatário (Vide Decreto n. 154 de 26 de junho de 1991). Nos termos da Convenção:

Artigo 3

Delitos e Sanções

1 - Cada uma das Partes adotará as medidas necessárias para caracterizar como delitos penais em seu direito interno, quando cometidos internacionalmente:

a) i) a produção, a fabricação, a extração, a preparação, a oferta para venda, a distribuição, a venda, a entrega em quaisquer condições, a corretagem, o envio, o envio em trânsito, o transporte, a importação ou a exportação de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada, ou na Convenção de 1971;

ii) o cultivo de sementes de ópio, do arbusto da coca ou da planta de cannabis [negrito nosso], com o objetivo de produzir entorpecentes, contra o disposto na Convenção de 1961 em sua forma emendada;

iii) a posse ou aquisição de qualquer entorpecente ou substância psicotrópica com o objetivo de realizar qualquer uma das atividades enumeradas no item i) acima;

iv) a fabricação, o transporte ou a distribuição de equipamento, material ou das substâncias enumeradas no Quadro I e no Quadro II, sabendo que serão utilizados para o cultivo, a produção ou a fabricação ilícita de entorpecentes ou substâncias psicotrópicas;

v) a organização, a gestão ou o financiamento de um dos delitos enumerados nos itens i), ii), iii) ou iv);

Como se pode facilmente observar pela leitura do trecho do texto convencional do qual o Brasil é signatário, a repressão ao tráfico de substâncias derivadas da cannabis (leia-se maconha) é um compromisso assumido pela República Federativa do Brasil em tratado internacional. Logo, tal diploma convencional é, justamente, o fundamento legal para a inserção do THC no rol daqueles entorpecentes cuja comercialização, nos termos da Lei de Drogas, preenche os elementos típicos do crime de tráfico de drogas.

Sendo assim, absolutamente equivocado resta o magistrado ao afirmar que a Portaria n. 344/98-MS carece de motivação. Pelo contrário, pode-se dizer que o Brasil, por meio do referido tratado, assumiu o compromisso jurídico de tal criminalização que se motiva nos termos da Convenção Contra o Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas.
 
2. Da suposta inconstitucionalidade da Portaria n. 344/98-MS

Nas palavras do magistrado, retiradas na sentença em análise:

"Também não se desconhece a opinião pública de escol, em especial de ex-presidente da República, a qual demonstra a falência da política repressiva do tráfico e ainda a total discrepância na proibição de substâncias entorpecentes notoriamente reconhecida como recreativas e de baixo poder nocivo".

"Portanto, no meu entender, a portaria 344/98, ao restringir a proibição do THC não só é ilegal, por carecer de motivação expressa, como também é inconstituicional, por violar o princípio da igualdade, da liberdade e da dignidade humana". 

Parece-me, absolutamente inadequado, a sustentação da inconstitucionalidade da criminalização do tráfico de substâncias baseadas em THC com fulcro em uma suposta inconstitucionalidade face o princípio da igualdade.

De forma absolutamente sintética, o princípio da igualdade pode ser considerado desde dois aspectos, um formal e outra material. Formalmente, o princípio da igualdade implica em um imperativo de impessoalidade decorrente do mandamento constitucional de que todos são fundamentalmente iguais nos termos da lei. Sob o aspecto material, o princípio da igualdade pode ser resumido em dever de justiça social que se resume à uma obrigação de prestação de iguais oportunidades essenciais à realização do indivíduo em sociedade, como acesso à educação e saúde de qualidade.

Como a criminalização do comércio de substâncias baseadas em THC ofende o princípio da igualdade segundo a sentença em análise? Segundo o magistrado:

"Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias".

Basicamente, o magistrado sustenta que se o ordenamento jurídico faculta à uma pessoa o consumo de um específico entorpecente para fins recreativos, então, pelo princípio da  igualdade, o mesmo direito deveria ser garantido a todos os outros entorpecentes. Sendo assim, existindo liberdade para que alguém se entorpeça, todos poderiam se entorpecer como bem entendem. Onde está a erro de tal fundamentação?

O erro está em esquecer o princípio da legalidade nesta equação. 
 
Se a igualdade formal se dá nos termos da lei, é de se reconhecer que o direito de usar entorpecentes, face o art. 5º, II, está condicionado aos limites da leis criadas democraticamente.

Sendo que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei, pode-se dizer que o âmbito de liberdade de escolhas garantido à um cidadão há de ser igualmente garantido à todos os cidadãos, sem discriminação de qualquer natureza, salvo aquelas expressamente previstas em lei. Por exemplo, todos os brasileiros, se assim desejarem podem comprar cigarros, entretanto, por expressa vedação legal, os menores não podem fazer isso de tal faculdade.

Trata-se de uma interseção necessária em qualquer Estado Democrático de Direito na qual encontram-se a liberdade e a igualdade, de modo que uma não existe sem a outra, e ambas só existem dentro dos limites da lei produto da soberana vontade popular.

Considerando, então, o âmbito de liberdade civil como aquele circunscrito pelo princípio da legalidade (liberdade para fazer ou deixar de fazer o que não é, respectivamente, proibido ou obrigatório nos termos da lei), pode-se afirmar que a faculdade de consumir álcool ou tabaco é uma excepcionalidade à proibição de consumir entorpecentes.

O magistrado, portanto, equivocadamente, quer transformar a existência de exceções à proibição da comércio de entorpecentes para justificar a destruição da regra.

Não há ofensa ao princípio da igualdade, pois todos os brasileiros possuem, perante a lei, o mesmo direito de consumir substâncias que não são proibidas pela legislação e todos estão igualmente proibidos de consumir aquelas consideradas como ilícitas. A norma proibitiva é, portanto, igualmente aplicada à todos, e assim como a exceção permissiva.  Também não há ofensa ao princípio da liberdade, pois a liberdade civil, nos termos da lei, é limitada pela soberana expressão da vontade do povo.

O magistrado ainda sustenta uma eventual inconstitucionalidade da Portaria n. 344/98 em decorrência duma suposta ofensa ao princípio da dignidade humana. Interessante destacar que o magistrado diz da inconstitucionalidade e não a fundamenta de forma alguma.

Sintetizando e concluindo: O entendimento do magistrado de uma inconstitucionalidade da criminalização do tráfico de maconha com base em uma incompatibilidade deste e o princípio da liberdade e da igualdade, resta, portanto, absolutamente incompatível com o princípio da soberania popular e com o princípio da separação de poderes. Em verdade, o que o juiz parece sugerir em sua sustentação é que a vontade popular exarada através dos representantes do povo (legislador) seja colocada de lado em detrimento da ideia pessoal de justiça  e cultura do magistrado.

As consequências jurídicas da suposta inconstitucionalidade do tráfico de maconha


É muito provável que o representante do MPDFT, ao oferecer denúncia contra Marcus Vinícius Pereira Borges, não esperava uma sentença como a exarada pelo Juiz de Direito Substituto Frederico Ernesto Cardoso Maciel.

Para aqueles que não tiveram notícia do grande busílis a que se refere este post, segue uma síntese:

O réu foi denunciado como incurso nas iras do art. 33, caput, c.c. art. 40, III, todos da Lei n. 11.343/2006 em razão de conduta praticada no dia 30 de maio de 2013, quando tentou ingressar no complexo penitenciário PDF II, trazendo consigo 52 porções de maconha, totalizando 46,15 g, e, em razão desta conduta, restou preso em flagrante delito.

O sólido conjunto probatório reunido pela acusação não foi, entretanto, suficiente para garantir a condenação. O magistrado, mesmo reconhecendo a materialidade e a autoria do ação praticada pelo réu, decidiu pela absolvição sustentando que a Portaria 344/98-MS - que aprova o regulamento técnico sobre substâncias e medicamentos sujeitos a controle especial - seria ilegal e inconstitucional. 

Superando tais esclarecimentos preliminares, passa-se à análise dos fundamentos da referida sentença.

Conforme asseverado pelo magistrado: "o art. 33, caput, da lei 11343/06 é classificado pela doutrina do Direito Penal como norma penal em branco o que, em brevíssima síntese, é aquela que depende de um complemento normativo, a fim de permitir de forma mais rápida a regulamentação de determinadas condutas".

O art. 33, caput, do referido diploma legal, possui a seguinte redação:

Art. 33.  Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar:

Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Mas o que seria a "droga", para efeitos de tipificação das condutas típicas da Lei n. 11.343/2006? O termo "droga" - objeto material - constitui-se em um elemento normativo do tipo que há de ser interpretado restritivamente observando disposições legais e regulamentares descritivas. 

Segundo a portaria da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde n. 344, de 12 de maio de 1988, os termos "droga" e "entorpecente" devem ser assim interpretados:

Art. 1º. Para efeitos deste Regulamento Técnico e para a sua adequada aplicação, são adotadas a seguintes definições:
[...]
Droga - Substância ou matéria-prima que tenha finalidade medicamentosa ou sanitária.
Entorpecente - Substância que pode determinar dependência física ou psíquica relacionada, como tal, nas listas aprovadas pela Convenção Única sobre Entorpecentes, reproduzidas nos anexos deste Regulamento Técnico.
 
Uma interpretação mais apressada, então, poderia afirmar que uma determinada substância capaz de determinar dependência física e psíquica que, entretanto, não tem finalidade medicamentosa ou sanitária, mas sim, recreativa, bem poderia ser considerada como entorpecente, mas não como droga.

Tal proposição restaria correta não fosse o disposto no art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11.343/2006: "Para fins desta Lei, consideram-se como drogas as substâncias ou os produtos capazes de causar dependência, assim especificados em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União". 

Sendo assim, a Lei de Tóxicos, posterior à portaria do Ministério da Saúde, determina que para efeitos de tráfico de drogas, tais hão de ser consideradas como qualquer produto ou substância suficiente para causar dependência física e psíquica. Em suma, droga é, nos termos da Lei, uma substância entorpecente, sendo irrelevante a sua finalidade medicamentosa ou sanitária.

Aqui encontramos um ponto oportuno para iniciar a análise dos fundamentos da referida sentença proferida pelo magistrado Frederico Ernesto Cardoso Maciel.

Nos termos da sentença: "Soa incoerente o fato de outras substâncias entorpecentes, como o álcool e o tabaco, serem não só permitidas e vendidas, gerando milhões de lucro para os empresários dos ramos, mas consumidas e adoradas pela população, o que demonstra também que a proibição de outras substâncias entorpecentes recreativas, como o THC, são fruto de uma cultura atrasada e de política equivocada e violam o princípio da igualdade, restringindo o direito de uma grande parte da população de utilizar outras substâncias".

O fato da maconha e de outras drogas cujo o princípio ativo se identifica com o THC serem usadas com fins recreativos é completamente irrelevante para a tipificação do crime de tráfico de drogas nos termos do art. 33 da Lei de Drogas. Em razão da definição constante no retromencionado art. 1º da Lei n. 11.343/2006, é dispensada qualquer especial finalidade da substância para a tipificação do delito.

Por outro lado, mui corretamente, o magistrado qualifica o tabaco e o álcool como substâncias entorpecentes, afinal, tais substâncias, da mesma forma que o THC (Tetraidrocanabinol) - princípio ativo da maconha - são, à evidência, capazes de produzir dependência física e psíquica no termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei de Tóxicos.

Se o tabaco e o álcool são substâncias entorpecentes, nos termos do art. 1º, parágrafo único, da Lei n. 11. 343 de 2006, por que sua comercialização não é reprimida? Subtraindo-se de considerações sociológicas e criminológicas sobre o etiquetamento e adequação social, e concentrando-se, unicamente nos aspectos jurídicos da questão, pode-se afirmar que o comércio de substâncias etílicas e do tabaco estão inserido no âmbito das condutas lícitas em decorrência dos dispositivos da portaria n. 344/98.

Sendo assim, resta absolutamente incorreta a seguinte proposição do magistrado: "A portaria 344/98, indubitavelmente um ato administrativo que restringe direitos, carece de qualquer motivação por parte do Estado e não justifica os motivos pelos quais incluem a restrição de uso e comércio de várias substâncias, em especial algumas contidas na lista F, como o THC, o que, de plano, demonstra a ilegalidade do ato administrativo".

A portaria 344/98, conjugada com os dispositivos da Lei n; 11.343 de 2006 não restringe as possibilidades de comércio de substâncias entorpecentes. Pelo contrário, as amplia. Como assim? Ora, se consideramos, somente, o disposto na Lei de Drogas, as substâncias etílicas e o tabaco deveriam ser consideradas como entorpecentes e, prima facie, proibidas. Tais são assim consideradas ilícitas por não estarem no rol taxativo de substâncias entorpecentes proibidas constantes na referida portaria.

A remissão das normas incriminadoras à um rol taxativo de substâncias proibidas (norma penal em branco), neste caso,  heterogênea) serve para ampliar, por omissão, as possibilidades de substâncias que se subtraem ao escopo da Lei de Drogas. Todo entorpecente que não está expressamente proibido, resta permitido. A portaria, isto sim, diminui as possibilidades de incriminação de comércio de entorpecentes.

Porém, se como quer o magistrado, tal portaria, face os princípios contidos no art. 37 da Constituição Federal, mostra-se como ilegal e inconstitucional, quais seriam as consequências derivadas de tão entendimento? Duas possíveis respostas se apresentam: (a) Com a Lei de Drogas deixando de ser uma norma em branco, a tipificação do crime de tráfico de drogas estaria alicerçado somente no termo entorpecente, enquanto substância capaz de produzir dependência; e (b) A Lei de Drogas continua a ser uma norma penal em branco, porém, com a ilegalidade e inconstitucionalidade da portaria n. 344/1998, restariam todas as normas incriminadoras completa e formalmente ineficazes.

O princípio da legalidade - especificamente no que se refere à cláusula nullum crimen, nulla poena, sine lege stricta - afasta, de pronto, a possibilidade de tipificação dos crimes contidos na Lei de Drogas com referência unicamente ao termo "droga". Isso, uma vez que o art. 1º da Lei n. 11.343/2006 determina, explicitamente que somente pode ser objetivo de reprovação penal o tráfico de substâncias entorpecentes assim especificadas em lei ou relacionados em listas atualizadas periodicamente pelo Poder Executivo da União. Suprimir este complemento serviria, portanto, não para restringir o alcance dos tipos penais, mas para, inconstitucionalmente, ampliá-los. 

Segundo a fundamentação da decisão do magistrado, resta claro que sua opção é pela segunda hipótese. Da sentença pode-se inferir o entendimento de que a Lei de Drogas continuaria a ser uma norma penal incriminadora, entretanto, restaria o seu complemento necessário inexistente, em decorrência da suposta ilegalidade e inconstitucionalidade da portaria. Quais as consequências de tal posicionamento? A resposta é simples: A ineficácia formal de todos as normas penais incriminadoras da Lei n. 11.343/2006.

A ineficácia formal, neste caso, seria decorrente do fato de que o objeto material das normas incriminadoras da Lei de Drogas é juridicamente definido pela cumulação de duas qualidades essenciais. Droga ilícita, para efeitos legais é: (a) substância capaz de provocar dependência; e (b) especificadas ou relacionadas em lista do Poder Executivo da União.

Sendo a lista é ilegal e inconstitucional, como quer o magistrado, significa dizer que resta juridicamente impossível completar todos os elementos jurídicos exigidos para o reconhecimento do objeto material dos crimes relacionados ao tráfico de drogas. Consequência disso é a inviabilização da tipificação objetiva de qualquer conduta em relação à norma incriminadora de tráfico de drogas, da maconha ao haxixe, mas também do crack à cocaína, juridicamente não seria possível dizer de uma substância capaz de reunir os requisitos jurídicos para fundamentar a reprovação penal.

Em síntese e segundo o entendimento do magistrado: não somente a maconha, mas todas as substâncias entorpecentes, sem o socorro aos ditames da portaria n. 344/98, estariam agora completamente liberadas. 

Vide ainda: A suposta inconstitucionalidade do tráfico de maconha: No que está baseado o magistrado?