quinta-feira, 26 de junho de 2014

STF: Anulada ação pena que resultou em dupla condenação pelo mesmo crime


Anulada ação penal que resultou em dupla condenação pelo mesmo crime
A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) anulou condenações impostas pelo mesmo crime (roubo) por juízos criminais diferentes da capital paulista a Jacsonnilton Macedo da Silva. A decisão foi tomada no julgamento do Recurso Ordinário em Habeas Corpus (RHC) 117754. O RHC foi interposto contra acórdão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou HC contra decisões do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) que mantiveram as condenações de primeiro grau.
O relator do HC, ministro Gilmar Mendes, historiou que Jacsonnilton cometeu o mesmo crime nos dias 29/5 e 1º, 8 e 11/8/2003, todos contra uma drogaria na capital paulista. Pelo fato praticado em 29/5, ele foi condenado à pena de 5 anos e 6 meses, em regime inicial fechado, reduzida pelo TJ-SP para 5 anos 4 anos, sem regime semiaberto. A condenação transitou em julgado em 5/10/2009.
Pelo fato ocorrido em 8/8, a 20ª Vara Criminal da Capital o condenou a 4 anos de reclusão, em regime inicial fechado. Em apelação interposta pelo MP paulista, o TJ-SP majorou a pena para 5 anos e 4 anos. A sentença transitou em julgado em 1º/9/2006.
Além dessas denúncias, ocorreu uma terceira, em 29/9/03, incluindo os fatos já objeto de condenações anteriores e pelos fatos ocorridos em 1º e 11/8. Esta denúncia mais abrangente foi recebida pela 19ª Vara da Capital, que condenou Jacsonnilton a 9 anos e 2 meses de reclusão, em regime inicial fechado. Apelação contra essa decisão foi negada, e a sentença condenatória transitou em julgado em 16/3/2007.
Voto condutor
O ministro Gilmar Mendes, relator do RHC na Suprema Corte, entendeu que o pleito deveria ser atendido, em observância da proteção jurisdicional efetiva. Ele assinalou que, conforme argumento da defesa, bastaria olhar as datas e horários dos crimes em relação aos quais pairam condenações idênticas, para perceber a violação do princípio ne bis in idem (segundo o qual não pode haver duas condenações pelo mesmo crime).
A Segunda Turma seguiu entendimento do ministro Gilmar Mendes no sentido de tomar como parâmetro para solução da controvérsia o trânsito em julgado. Assim, decidiu-se pela anulação total da ação penal referente ao fato ocorrido em 29/5, uma vez que ele já fora condenado pelo mesmo crime no terceiro processo, com trânsito em julgado anterior. A condenação pelo fato ocorrido em 8/8 foi anulada parcialmente: caberá ao juízo da execução proceder a nova dosimetria da pena em função da decisão de hoje, observando a condição mais favorável ao réu. Condenado em nove ações penais, Jacsonnilson cumpre pena total de 49 anos, 7 meses e 12 dias na Penitenciária de Presidente Venceslau.

STF: José Dirceu tem direito ao benefício do trabalho externo

José Dirceu tem direito a trabalho externo, decide STF
Por maioria, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu provimento a recurso apresentado por José Dirceu relativo à realização de trabalho externo. O Plenário acompanhou o voto do atual relator da Ação Penal (AP) 470 e das execuções penais a ela relacionadas, ministro Luís Roberto Barroso, em agravo regimental no qual foi questionada decisão proferida pelo relator original da ação, ministro Joaquim Barbosa.
O voto do ministro Luís Roberto Barroso é referente a agravo regimental interposto por José Dirceu contra decisão proferida pelo ministro Joaquim Barbosa na Execução Penal (EP) 2. O ministro Roberto Barroso abordou em primeiro lugar o entendimento de Joaquim Barbosa referente ao artigo 37 da Lei de Execução Penal (LEP), segundo o qual o trabalho externo depende do cumprimento de um sexto da pena. Condenado na Ação Penal 470 a 7 anos e 11 meses de prisão, em regime inicial semiaberto, pela prática do crime de corrupção ativa, José Dirceu cumpre pena desde novembro de 2013.
Segundo o voto do ministro Roberto Barroso, o entendimento predominante nos tribunais locais e no Superior Tribunal de Justiça (STJ) é de que a restrição de cumprimento de um sexto da pena não se aplica aos presos em sistema semiaberto. Isso porque na maior parte dos estados não é possível o exercício de trabalho interno, uma vez que não possuem colônias agrícolas, industriais ou assemelhadas para trabalho dos condenados. “A negação do trabalho externo para reintroduzir a exigência do cumprimento de um sexto da pena é drástica alteração de jurisprudência e vai de encontro ao estado do sistema carcerário”, afirmou.
Escritório de advocacia
Outros argumentos abordados pelo voto do ministro Luís Roberto Barroso se referem à proposta de trabalho recebida pelo condenado José Dirceu, que pede para trabalhar no escritório do advogado José Gerardo Grossi. Em sua decisão, o ministro Joaquim Barbosa havia considerado a proposta inadequada, porque se trataria de empresa privada, e de um escritório de advocacia, o que dificultaria a fiscalização da efetiva realização de trabalho pela Justiça, e porque o caso se caracterizaria como uma espécie de favor do advogado, configurando uma “ação entre amigos”.
Além de não ver impedimento na realização do trabalho em escritório de advocacia, o ministro Barroso também afirma não haver elementos para afirmar que existe relação pessoal entre o sócio do escritório e José Dirceu. “Mas não é incomum que os apenados pleiteiem trabalho entre conhecidos. Não há qualquer razão universalizável que impeça o agravante de fazer o mesmo. Eventual impropriedade, uma vez constatada, implica revogação do benefício”, afirmou.
Voto vencido
O ministro Celso de Mello votou pelo desprovimento do agravo regimental, ressaltando que a regra básica é a da execução do trabalho interno, enquanto que o trabalho externo em regime semiaberto deve ser excepcional e, para sua concessão, o sentenciado deve atender ao requisito de cumprimento de um sexto da pena. Quanto aos demais fundamentos, o ministro Celso de Mello afirmou acompanhar o relator, não vendo o impedimento ao trabalho do condenado no escritório de advocacia mencionado.
Demais casos
Estavam em pauta também pedidos semelhantes relativos aos réus da AP 470 Delúbio Soares, Rogério Tolentino e Romeu Queiroz. Com relação a esses apenados, após a decisão do Plenário relativa ao agravo na Execução Penal 2, foi delegado ao relator decidir monocraticamente os demais casos.

Comentários do Rabujo:
No caso em pauta, a razão está com o Decano Min. Celso de Mello. A legislação de execução penal deixa patente que o trabalho externo constitui-se em privilégio excepcional no cumprimento do regime semiaberto, devendo ser garantido ao preso somente quando verificado o cumprimento de suas condições expressamente previstas em lei. Em decorrência desta decisão, o STF revalida a jurisprudência do STJ e torna a necessidade de 1/6 da pena para a concessão do benefício do trabalho externo uma letra morta e para efeitos práticos, torna virtualmente indistintos o regime semi-aberto e o regime aberto.

quarta-feira, 18 de junho de 2014

STJ: Três novas súmulas em matéria penal

Terceira Seção aprova três novas súmulas

A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), especializada no julgamento de processos criminais, aprovou no dia 11 de junho de 2014 três novas súmulas. A súmula é o resumo de um entendimento consolidado no órgão julgador, que é adotado em todos os julgamentos que tratam da mesma matéria, servindo de orientação para todos os órgãos do Poder Judiciário no país, de primeira e segunda instância.

As três súmulas aprovadas tiveram as teses fixadas anteriormente em julgamento de recurso especial sob o rito dos representativos de controvérsia, estabelecido no artigo 543-C do Código de Processo Civil.

Furto qualificado

A primeira súmula aprovada interpreta o benefício previsto no parágrafo segundo do artigo 155 do Código Penal (CP), que trata de furto qualificado. O dispositivo estabelece: “Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.”

O enunciado permite a aplicação do benefício em caso de furto qualificado, com seguinte texto:

Súmula 511 - É possível o reconhecimento do privilégio previsto no § 2º do art. 155 do CP nos casos de crime de furto qualificado, se estiverem presentes a primariedade do agente, o pequeno valor da coisa e a qualificadora for de ordem objetiva.

Recurso Repetitivo: REsp 1193194

Tráfico de drogas

Também está sumulada a tese adotada pela Terceira Seção e pelas duas Turmas a ela vinculadas, Quinta e Sexta, de que a aplicação da causa de diminuição de pena prevista no artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

Para os ministros, a redução de um sexto a dois terços da pena para réus primários, de bons antecedentes e que não integrem organização criminosa não decorre do reconhecimento de uma menor gravidade da conduta praticada, nem da existência de uma figura privilegiada do crime. Trata-se de um favor legislativo ao pequeno traficante, ainda não envolvido em maior profundidade com o mundo do crime, como forma a propiciar-lhe uma oportunidade mais rápida de ressocialização.

O verbete mantém, portanto, o caráter hediondo do crime de tráfico, mesmo em caso de redução da pena:

Súmula 512: A aplicação da causa de diminuição de pena prevista no art. 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006 não afasta a hediondez do crime de tráfico de drogas.

Recurso Repetitivo: REsp 1329088

Posse de arma

A terceira súmula refere-se à abolição do crime da posse de arma de uso permitido com identificação raspada. É a chamada abolitio criminis, que ocorre quando nova lei penal descriminaliza fato que a lei anterior considerava como crime, ou vice-versa.

É o caso da Lei 10.826/2003, conhecida como o Estatuto de Desarmamento, que fixou prazo de 180 dias, a partir da publicação da lei, para registro dessas armas. Os prazos foram prorrogados diversas vezes por leis posteriores. Coube à Terceira Seção estabelecer qual o prazo final da abolição criminal temporária para o crime de posse de armas sem identificação e sem registro.

Em julgamento de recurso repetitivo, a Seção decidiu que é crime a posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticada após 23 de outubro de 2005. Segundo a decisão, foi nesta data que a abolitio criminis temporária cessou, pois foi o termo final da prorrogação dos prazos previstos na redação original dos artigos 30 e 32 da Lei 10.826/2003.

O entendimento recebeu o seguinte enunciado:

Súmula 513: A abolitio criminis temporária prevista na Lei n. 10.826/2003 aplica-se ao crime de posse de arma de fogo de uso permitido com numeração, marca ou qualquer outro sinal de identificação raspado, suprimido ou adulterado, praticado somente até 23/10/2005.

Recurso Repetitivo: REsp 1311408

terça-feira, 10 de junho de 2014

STJ: Prova gravada pela mãe de menor no telefone de sua casa fundamenta condenação por crime sexual

Sexta Turma admite prova gravada pela mãe de menor no telefone da própria casa

A Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) considerou válida a prova consistente em gravação telefônica produzida por detetive particular, a pedido da mãe da vítima menor, em telefone de sua residência, utilizada para fundamentar a condenação do réu. O caso tratava de crime sexual e ocorreu no Espírito Santo.


O Tribunal de Justiça capixaba entendeu que a conduta atribuída ao réu feriu direitos fundamentais da vítima. E, existindo outras provas, como depoimentos de testemunhas, é possível a ponderação entre princípios jurídicos em colisão – no caso, o princípio da inviolabilidade do sigilo telefônico e o princípio da dignidade da pessoa humana. Afastou-se o primeiro porque o outro, de peso superior, foi violado.

No STJ, a defesa do condenado pedia a absolvição do réu. Pleiteava que a gravação fosse considerada prova ilícita e afirmava que o depoimento da vítima seria uma prova derivada da “escuta clandestina”, não podendo ser aceito em juízo, pois atingido pela ilicitude.

Proporcionalidade

Ao analisar a questão, o ministro Rogerio Schietti Cruz, relator do habeas corpus, afirmou que a Constituição proíbe as provas obtidas por meios ilícitos, como as que resultam da violação de domicílio, das comunicações e da intimidade, além daquelas conseguidas mediante tortura.

De acordo com o ministro, apesar de prevalecer a doutrina da exclusão das provas ilícitas, a jurisprudência tem construído entendimento que favorece a adoção do princípio da proporcionalidade. O Supremo Tribunal Federal, disse Schietti, já aplicou esse princípio para admitir a interceptação de correspondência do condenado por razões de segurança pública.

No caso julgado pela Sexta Turma, o relator destacou que a gravação da conversa telefônica foi obtida por particular, tendo em vista a suspeita de séria violação à liberdade sexual de adolescente de 13 anos de idade, crime de natureza hedionda. “A genitora da vítima solicitou a gravação de conversas realizadas através de terminal telefônico de sua residência, na qualidade de representante civil do menor impúbere”, narrou.

Incapaz

Segundo o Código Civil, os menores de 16 anos são absolutamente incapazes, sendo representados por seus pais. Por isso, Schietti considerou válido o consentimento da mãe para gravar as conversas do filho menor.

“A gravação da conversa, nesta situação, não configura prova ilícita, visto que não ocorreu, a rigor, uma interceptação da comunicação por terceiro, mas mera gravação, com auxílio técnico de terceiro, pela proprietária do terminal telefônico, objetivando a proteção da liberdade sexual de absolutamente incapaz, seu filho, na perspectiva do poder familiar – vale dizer, do poder-dever de que são investidos os pais em relação aos filhos menores, de proteção e vigilância”, resumiu o relator.

Daí porque a Sexta Turma não reconheceu a ilicitude da prova, a qual, para o ministro relator, significaria prestigiar a intimidade e a privacidade do acusado em detrimento da própria liberdade sexual da vítima absolutamente incapaz – prestígio este conflitante com toda uma política estatal de proteção à criança e ao adolescente.

Regime penal

A Sexta Turma admitiu o uso da gravação como prova, mas – considerando a pena fixada e outras circunstâncias do caso – reconheceu a possibilidade de fixação de regime prisional mais brando do que o fechado para o cumprimento da pena.

“A escolha do regime inicial de cumprimento de pena deve levar em consideração a quantidade da pena imposta, a eventual existência de circunstâncias judiciais desfavoráveis, bem como as demais peculiaridades do caso, para que, então, seja escolhido o regime carcerário que se mostre o mais adequado para a prevenção e repressão do delito perpetrado”, concluiu Schietti.

segunda-feira, 9 de junho de 2014

STF: Processos penais em curso podem fundamentar maus antecedentes?


STF analisa se processos penais em curso podem ser considerados maus antecedentes
 
O Supremo Tribunal Federal (STF), em sessão plenária desta quinta-feira (5), iniciou o exame do Recurso Extraordinário (RE) 591054, com repercussão geral, no qual se discute a possibilidade de considerar como maus antecedentes, para fins de dosimetria da pena, a existência de procedimentos criminais em andamento contra o sentenciado.

O relator do RE, ministro Marco Aurélio, em voto pelo desprovimento do recurso, lembrou que o artigo 5º, inciso LVII, da Constituição Federal traz a garantia de que ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado de sentença condenatória. No entendimento do ministro, para efeito de aumento da pena somente podem ser valoradas como maus antecedentes decisões condenatórias irrecorríveis, sendo impossível considerar para tanto investigações preliminares ou processos criminais em andamento, mesmo que estejam em fase recursal.

O ministro ressaltou que diversos tribunais e organismos internacionais, entre os quais a Corte Interamericana de Direitos Humanos, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem e o Comitê de Direitos Humanos a Organização das Nações Unidas defendem a presunção da inocência e condenam a possibilidade de que seja declarada a culpa de uma pessoa antes que o Poder Judiciário a estabeleça em definitivo. Lembrou ainda que a súmula 444 do Superior Tribunal de Justiça (STJ) veda a utilização de inquéritos policiais e ações penais em curso para agravar a pena-base.
O relator observou que, caso os inquéritos ou processos criminais considerados como antecedentes tenham desfecho favorável ao acusado, ainda assim ele sofrerá prejuízo, pois os procedimentos terão sido utilizados para aumentar sua pena em processo no qual foi efetivamente condenado. “O lançamento no mundo jurídico de enfoque ainda não definitivo e portanto sujeito à condição resolutiva potencializa a não mais poder a atuação da polícia judiciária e a precariedade de certos pronunciamentos judiciais”, argumentou.

De acordo com o ministro, as normas não podem ser interpretadas de forma a gerar perplexidade e a abordagem deve ser científica para evitar distorções. Considera também que elementos passíveis de perderem a sustentação fática não podem ser utilizados como reveladores de antecedentes. “Os dados que podem ser valorados na aferição da culpabilidade devem derivar de envolvimentos judiciais que levaram a condenações definitivas do agente por infrações penais, sejam crimes comuns, militares, eleitorais ou contravenções”, sustentou.

O entendimento do relator foi seguido pelos ministros Luís Roberto Barroso, Teori Zavascki e Gilmar Mendes.

Divergência

A divergência foi aberta pelo ministro Ricardo Lewandowski. Segundo ele, o artigo 59 do Código Penal compreende diversos aspectos que devem ser considerados pelos juízes para dosar a pena, entre os quais a culpabilidade, os antecedentes, a conduta pessoal e a personalidade do sentenciado. “Esse artigo entrega ao prudente arbítrio do juiz a possibilidade de dosar a pena de maneira a fazê-la suficiente para a reprovação e prevenção do crime”, argumentou.

No entendimento do ministro, os antecedentes mencionados no artigo 59 do Código Penal, que trata da fixação da pena, não podem ser confundidos com o artigo 61, que fala das circunstâncias agravantes. Em seu voto, destacou que não é incomum que os juízes criminais se deparem com extensa ficha criminal de um determinado réu, muitas vezes por fatos semelhantes ao que são objeto do julgamento, e que essas circunstâncias devem ser levadas em consideração na dosimetria da pena.

Nesse mesmo sentido votaram as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e o ministro Luiz Fux.

PGR

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sustentou que o fato de o réu responder a processos penais e a investigações criminais sem a ocorrência de condenação definitiva deve merecer a atenção do julgador na fixação da pena, pois revela a conduta social do apenado e a sua própria personalidade. Ele ressaltou que o artigo 59 do Código Penal, que estabelece os critérios para o cálculo da pena, é multifacetário, não se restringindo aos antecedentes criminais, mas levando em consideração também conduta social reprovável e culpabilidade. No entendimento do procurador, esse procedimento não significa violação do princípio constitucional da presunção da inocência, mas desconsiderar essas circunstâncias ofenderia ao princípio da isonomia, pois o comportamento social e a personalidade de réu que não responda a nenhum outro processo seria semelhante ao de quem responde a outros processos e inquéritos.

Defensoria

Em nome da Defensoria Pública da União, que foi admitida como parte interessada no processo, o defensor João Alberto Simões Pires Franco argumentou que o aumento da pena pela mera existência de processo representa ofensa ao princípio constitucional da presunção de inocência, pois o acusado, mesmo sem ter sido condenado no processo em curso já sofre, em razão dele, majoração em sua pena. Argumentou ainda que, caso o cidadão seja absolvido nos processos que serviram para exasperar a pena, não haveria como voltar ao status quo anterior. Para o defensor público, a quebra da isonomia se daria exatamente ao aumentar a pena-base de alguém que responde a inquérito ou a processo penal sem que essa pessoa tenha, efetivamente, um antecedente. “O antecedente tem que ser concreto e perene, ou então não antecede nada”, destacou.

Caso

No caso concreto, o RE foi interposto pelo Ministério Público de Santa Catarina contra acórdão do Tribunal de Justiça do estado, que, por unanimidade, deu provimento parcial a apelação interposta pela defesa, para reduzir as penas atribuídas ao réu pelo cometimento dos delitos tipificados nos artigos 306 (embriaguez) e 311 (dirigir acima da velocidade permitida) da Lei 9.503/1997 (Código de Trânsito Brasileiro), sob o fundamento de que na dosimetria da pena foi considerada como maus antecedentes a existência de processos criminais em andamento.

O julgamento foi suspenso na sessão de hoje e deve ser retomado oportunamente para que sejam proferidos os demais votos.

quarta-feira, 4 de junho de 2014

STJ: Circunstâncias especiais autorizam abertura de inquérito com base em denúncia anônima

Circunstâncias especiais autorizam abertura de inquérito com base em denúncia anônima

O STJ, através de sua Quinta Turma, negou pedido de trancamento de inquérito policial instaurado com base em denúncia anônima. O relator do processo, ministro Jorge Mussi, ficou vencido pela divergência inaugurada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze.

O caso envolveu uma denúncia anônima recebida pelo Grupo Especial de Delitos Econômicos do Ministério Público de São Paulo. Após o recebimento das informações, foi instaurado inquérito pela Divisão de Investigação sobre Crimes contra a Fazenda da Polícia Civil do Estado de São Paulo para apurar suposta prática do delito de lavagem de dinheiro.

O acusado pediu o trancamento do inquérito. Alegou não haver justa causa para as investigações, já que não existiriam indícios do cometimento de crime. Além disso, afirmou que o inquérito foi instaurado apenas com base em denúncia anônima, sem nenhuma apuração preliminar para verificar a veracidade das informações.

O relator, ministro Jorge Mussi, não conheceu do habeas corpus por ser substitutivo de recurso, mas concedeu a ordem de ofício para determinar o trancamento do inquérito policial. Já o ministro Marco Aurélio Bellizze apresentou à Turma entendimento divergente.

Voto vencedor

Bellizze reconheceu que a jurisprudência do STJ considera que a denúncia anônima apenas pode acarretar a instauração de inquérito policial quando corroborada por elementos colhidos em investigações preliminares. No entanto, destacou que, “em determinadas hipóteses, a regra geral pode outorgar espaço à realidade específica do caso sem que isso represente necessariamente ilegalidade”.

“Considerando que o inquérito deflagrado a partir da delação apócrifa se limitou a ordenar a realização de diligências, que, friso, poderiam ser – e possivelmente seriam – livremente determinadas sem a formalização da investigação; que o inquérito não culminou em nenhuma medida cautelar em desfavor do paciente; e que nem sequer houve indiciamento, afigura-me excesso de formalismo proclamar, no caso, a ilegalidade da deflagração do inquérito policial”, explicou Bellizze.

O voto divergente, acompanhado pela maioria, foi pelo não conhecimento do habeas corpus.

Esta notícia se refere ao processo: HC 199086

STF: Trazer droga consigo em transporte público não implica em causa de aumento de pena

Carregar droga em transporte coletivo não implica aumento de pena

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu habeas corpus para reduzir a pena aplicada a um cidadão paraguaio condenado por tráfico de drogas. No julgamento do Habeas Corpus (HC) 120624, impetrado pela Defensoria Pública da União (DPU), a Turma entendeu que o fato de o condenado utilizar meio de transporte público para movimentar a droga não implica causa de aumento da pena.
No caso em questão, policiais encontraram 35 quilos de maconha em tabletes escondidos na bagagem do cidadão paraguaio V.R., durante revista realizada no terminal rodoviário de Amambai (MS). A Justiça Federal do Mato Grosso do Sul condenou-o à pena de 3 anos, 10 meses e 20 dias de prisão, resultado mantido pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF-3). O Superior Tribunal de Justiça (STJ), entretanto, ao prover recurso especial interposto pelo Ministério Público Federal, determinou a aplicação da majorante prevista no artigo 40, inciso III da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) em razão de a infração ter sido cometida em transporte público.

Decisão

Em voto-vista proferido na Segunda Turma, o ministro Ricardo Lewandowski manifestou entendimento de que a causa de aumento mencionada se aplica apenas caso a comercialização ocorra dentro do transporte público. A finalidade da norma seria conferir maior punição ao traficante que se coloca em posição de atingir um número maior de pessoas, o que auxilia a disseminação do vício.

“Esse aumento de pena tem como objetivo punir com maior rigor a comercialização de drogas em locais nos quais há uma maior aglomeração de pessoas, de modo que torne mais fácil a circulação da mercadoria, como escolas, hospitais, teatros, unidades de tratamento de dependentes, transportes públicos, entre outros”, afirma o ministro em seu voto.

Para o ministro Celso de Mello, sem o fim de disseminar a droga entre os passageiros, o caso não se enquadra na intenção da Lei de Drogas. “Tenho para mim que a causa de aumento desempenha uma função inibitória, pois impõe a causa de majoração naqueles casos em que a conduta pode tornar mais fácil a disseminação da droga”, afirmou.

A posição do ministro Ricardo Lewandowski também foi acompanhada pelos ministros Gilmar Mendes e Teori Zavascki – que reajustou voto proferido na sessão em que se iniciou a análise do caso. Ficou vencida a ministra Cármen Lúcia.

STF: Anulada internação de menor feita em desacordo com o ECA

2ª Turma anula internação de menor feita em desacordo com o ECA

A Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concedeu, de ofício, habeas corpus requerido pela Defensoria Pública do Estado de São Paulo em favor de um menor de idade flagrado portando pequena quantidade de droga. No caso, o juízo de primeiro grau julgou procedente representação contra o adolescente, aplicando-lhe medida socioeducativa de internação, por tempo indeterminado, com base na gravidade em abstrato do delito.

Mas de acordo com o relator do HC no Supremo, ministro Ricardo Lewandowski, a decisão está em desacordo com o que dispõe o artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que estabelece a internação em último caso, como medida extrema e excepcional. Por unanimidade de votos, foi anulada a imposição da internação como medida socioeducativa e o juiz terá de aplicar a medida que entender adequada ao caso, observando os parâmetros fixados pelo ECA.

O artigo 122 do ECA prevê que a medida de internação só poderá ser aplicada quando se tratar de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa (o que não ocorreu no caso, tendo em vista que o flagrante foi de porte), por reiteração no cometimento de outras infrações graves (no caso em questão, o menor foi internado uma vez anteriormente, o que afasta a caracterização exigida, segundo o relator); por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta (o que não ocorreu).

O mesmo artigo do ECA afirma ainda que o prazo de internação, na hipótese de descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta, não poderá ser superior a três meses e, em nenhuma hipótese, será aplicada a internação, havendo outra medida adequada. A internação do menor foi feita por prazo indeterminado.

“Observem que o Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 121, diz que a internação é medida privativa da liberdade, mas excepcional, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de cada pessoa em desenvolvimento. Então, cada caso deveria ser identificado, de per se, quanto à necessidade da internação. No caso em questão, o juiz não considerou outra medida alternativa”, afirmou o relator.

O ministro Lewandowski leu trechos da decisão que determinou a internação para demonstrar que o próprio juiz admite que fundamentou sua decisão na gravidade em abstrato do ato infracional, afastando as medidas em meio aberto por considerá-las “muito brandas”.

“Ao contrário do que se propala, a gravidade do ato infracional é sim parâmetro para aplicação da medida extrema de internação, constituindo-se no paradigma da excepcionalidade exigida pela lei para aplicação dessa medida. Pensar-se o contrário seria banalizar a violência em momento que a sociedade tanto clama por uma maior atuação na repressão dos delitos”, afirmou o juiz de primeiro grau ao determinar a internação do menor por tempo indeterminado, acrescentado que a família “não aparenta estar cuidando do menor como deveria”.

O ministro Lewandowski, seguido por unanimidade de votos, afirmou que está sedimentado no STF o entendimento de que a gravidade abstrata do delito não é argumento apto a justificar a fixação de regime mais gravoso para o inicio de cumprimento da pena, não só para maiores e, com muito mais razão, para adolescentes em conflito com a lei.

Como o habeas corpus questionava decisão de relator de habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça (STJ) que indeferiu liminar, o ministro não conheceu da impetração, por força da Súmula 691 do STF, porém concedeu a ordem de ofício.

STJ: Doméstica inválida acusada de furtar óculos usados não responderá a processo

Doméstica inválida acusada de furtar óculos usados não responderá a processo

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) impediu que uma empregada doméstica inválida, acusada de furtar um par de óculos usado, esquecido no balcão de uma lotérica, siga respondendo por furto. Primária e sem antecedentes, ela devolveu os óculos e confessou tê-los guardado em sua bolsa ao encontrá-los esquecidos.

Um “laudo informal” avaliou o bem em R$ 200. Para o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (TJRS), o caso não se enquadraria no princípio da insignificância porque o valor do bem seria superior a 30% do salário mínimo então vigente, quando só poderia ser considerado bagatela o furto que alcançasse bem de no máximo 10% desse valor.

Perigo social

Além disso, para o TJRS, o furto teve significado para o proprietário, que chegou a registrar a ocorrência na esperança de reaver os óculos. Ainda segundo o TJRS, como o furto ocorrera durante a tarde, em uma casa lotérica, o ato indicaria “considerável periculosidade social e comportamento com elevada reprovabilidade”. A decisão do TJRS foi unânime.

No STJ, o Ministério Público Federal também se manifestou contrário ao trancamento da ação. Para o MPF, aplicar o princípio da insignificância no caso resultaria no estímulo à prática do crime e à impunidade, violando o direito constitucional à propriedade e dando proteção deficiente à vítima.

Bagatela

O ministro Marco Aurélio Bellizze, em decisão individual, atendeu à defesa e extinguiu a ação. Para o relator, a conduta é minimamente ofensiva, além de se tratar de acusada primária e de bons antecedentes.

Inconformado, o MPF recorreu da decisão individual. Mas a Quinta Turma, por unanimidade, rejeitou o agravo regimental no recurso em habeas corpus e confirmou o entendimento do relator.

“Sem razão o Ministério Público Federal”, anotou o ministro. “A lei penal não deve ser invocada para atuar em hipóteses desprovidas de significação social, razão pela qual os princípios da insignificância e da intervenção mínima surgem para evitar situações dessa natureza, atuando como instrumentos de interpretação restrita do tipo penal”, acrescentou.

Coisa achada

“É bem verdade que, aceita a ideia de forma irrestrita, o estado estaria dando margem a situações de perigo, na medida em que qualquer cidadão poderia se valer de tal princípio para justificar a prática de pequenos furtos, incentivando-se, por certo, condutas que atentariam contra a ordem social”, ponderou o relator.

“No presente caso, a meu ver, verifica-se a presença dos referidos vetores, já que, além de o recorrente ser primário e de possuir bons antecedentes, o par de óculos subtraído foi avaliado em R$ 200. Portanto, não há como deixar de reconhecer a mínima ofensividade da conduta praticada pelo recorrente”, concluiu.

Durante o julgamento, o ministro observou que a prática narrada nem mesmo configuraria furto (artigo 155 do Código Penal), mas apropriação de coisa achada (artigo 169, inciso II), cuja pena é significativamente inferior e ainda sujeita à forma privilegiada.

Esta notícia se refere ao processo: RHC44461

LEGISLAÇÃO: Crime de discriminação dos portadores de HIV e doentes de AIDS

 
Define o crime de discriminação dos portadores do vírus da imunodeficiência humana (HIV) e doentes de aids.
 
A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 

Art. 1º Constitui crime punível com reclusão, de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa, as seguintes condutas discriminatórias contra o portador do HIV e o doente de aids, em razão da sua condição de portador ou de doente:  
I - recusar, procrastinar, cancelar ou segregar a inscrição ou impedir que permaneça como aluno em creche ou estabelecimento de ensino de qualquer curso ou grau, público ou privado; 
II - negar emprego ou trabalho;
III - exonerar ou demitir de seu cargo ou emprego;
IV - segregar no ambiente de trabalho ou escolar; 
V - divulgar a condição do portador do HIV ou de doente de aids, com intuito de ofender-lhe a dignidade;
VI - recusar ou retardar atendimento de saúde.  

Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

Brasília,  2  de  junho  de 2014; 193º da Independência e 126º da República.  

DILMA ROUSSEFF 
José Eduardo Cardozo
Arthur Chioro
Ideli Salvatti 
Este texto não substitui o publicado no DOU de 3.6.2014



terça-feira, 3 de junho de 2014

Questões de Direito Penal [2ª Fase do XIII Exame da Ordem Unificado - 1º/06/2014]


Continuando os comentários sobre a Prova Prático-Profissional de Direito Penal do XIII Exame Unificado da OAB (1º de junho de 12014), analisaremos, agora, as quatro questões das provas. Os comentários sobre a peça prática podem ser encontradas em postagem anterior.

Preliminarmente cumpre destacar que todas as questões do exame demandam fundamentação, sendo inaceitável respostas monossilábicas "sim" ou "não". Nenhuma pontuação será auferida, também, no caso de mera repetição do texto legal sem as devidas explanações técnico-jurídicas.

QUESTÃO N. 1 - ENUNCIADO.

Gustavo, retornando para casa após ir a uma festa com sua esposa, é parado em uma blitz de rotina. Ele fica bastante nervoso, pois sabe que seu carro está com a documentação totalmente irregular (IPVA atrasado, multas vencidas e vistoria não realizada) e, muito provavelmente, o veículo será rebocado para o depósito. Após determinar a parada do veículo, o policial solicita que Gustavo saia do carro e exiba os documentos. Como havia diversos outros carros parados na fiscalização, forma-se uma fila de motoristas. Gustavo, então, em pé, na fila, aguardando sua vez para exibir a documentação, fala baixinho à sua esposa: "Vou ver se tem jogo. Vou oferece cem reais para ele liberar a gente. O que você acha? Será que dá?".  que Gustavo não sabia, entretanto, é que exatamente atrás dele estava um policial que tudo escutava e, tão logo acaba de proferir as palavras à sua esposa, Gustavo é preso em flagrante. Atordoado, ele pergunta: "O que eu fiz/", momento em que o policial que efetuava o flagrante responde: "Tentativa de corrupção ativa"!".

Atento(a) ao caso narrado e tendo como base apenas as informações descritas no enunciado, responda justificadamente, aos itens a seguir.

A) É correto afirmar que Gustavo deve responder por tentativa de corrupção ativa? (Valor: 0,70)

B) Caso o policial responsável por fiscalizar os documentos, observando a situação irregular de Gustavo solicitasse quantia em dinheiro para liberá-lo e, Gustavo, por medo, pagasse tal quantia, ele (Gustavo) responderia por corrupção ativa? (Valor 0,55).

QUESTÃO N. 1 - RESPOSTA.

A resposta do item (A) demanda o conhecimento sobre o iter criminis, ou seja, sobre as sucessivas etapas que devem ser trilhadas para a prática de um delito, em particular, o crime de corrupção ativa nos termos do art. 333 do Código Penal (corrupção ativa).

No caso da conduta de Diogo que, meramente, consultou a esposa sobre a viabilidade do crime, é de se reconhecer que ele não deu início aos atos executórios do delito previsto no art. 333 do Código Penal. O verbo "oferecer" demanda que o agente corruptor, efetivamente, comunique-se com o funcionário que pretende corromper. A falta de comunicação entre Gustavo e Policial, forçosamente, implica que o verbo não foi iniciado ou, tampouco, consumado. Gustavo estava no limiar entre a cogitação (cogitatio) e a preparação do crime (conatus remotus), ficando patente, pelo enunciado que estava vacilante em relação a viabilidade de seu plano, tanto que consultou a esposa, o que denota que ainda não estava resolvido a praticar o delito. Sendo pacífico na doutrina e na jurisprudência que ninguém poderá ser punido por meros atos preparatórios - salvo se, por si só, constituem-se em crimes autônomos, o que não é o caso - não é possível afirmar da prática de crime. Concluindo: Não há tentativa, pois Gustavo não deu início aos atos executórios do crime de corrupção ativa, uma vez que não ocorreu a efetiva oferta de indevida vantagem ao funcionário público.

Outra linha de argumentação, igualmente suficiente para a resposta do item (A), seria sustentar da impossibilidade de tentativa do crime de corrupção ativa quanto a oferta de indevida é realizada verbalmente (Cezar Roberto BITENCOURT, Código Penal comentado, 2012). Isso decorre de duas particularidades: (i) o delito do art. 333 do Código Penal é um crime formal, bastando, para a sua consumação que o corruptor ofereça ou prometa a indevida vantagem ao funcionário público, não sendo necessário, pois, que o funcionário aceite a oferta ou atue com infração de dever funcional, o que implica na impossibilidade da hipótese da tentativa perfeita; e (ii) quando os verbos "oferecer" ou "prometer vantagem" são realizados verbalmente, o crime de corrupção ativa é considerado como unissubsistente, ou seja, seus os atos executórios formam um conjunto unitário que não pode ser fracionado. Nestes termos, um crime unissubsistente é peculiar no sentido que seus atos executórios, por únicos e infracionáveis, uma vez iniciados restam praticados completamente, não sendo possível a tentativa imperfeita. Ora, se o crime de corrupção ativa, por formal, não admite a tentativa perfeita e, por na hipótese de prática verbal, por consubstanciar-se em um crime unissubsistente restar afastada a possibilidade de tentativa imperfeita, é uma implicação necessária que, juridicamente, a tentativa do crime de corrupção ativa praticada através da oferta verbal de vantagem indevida é um crime que não admite qualquer hipótese de tentativa. Em suma: No caso de Gustavo, não é admissível a tentativa de corrupção ativa, pois, não é, juridicamente, admissível a hipótese de tentativa em crimes formais unissubsistentes.

No caso da pergunta que consta no item (B) é apresentado um curso alternativo de eventos. Nesta hipótese, Gustavo teria sido abordado pelo policial que solicita do condutor uma indevida vantagem. Nesta linha de eventos, Gustavo, por medo das consequências de recusar a proposta do policial corrupto, paga a quantia. Neste caso seria possível sustentar a responsabilidade criminal de Gustavo pelo crime de corrupção ativa? 

A resposta do gabarito comentado da OAB para a referida questão é correta, no sentido que a conduta de Gustavo ("pagar") é atípica do crime de corrupção ativa (art. 333 do Código Penal) uma vez que: (i) Não considerada como "oferecimento", vez que Gustavo não ofereceu a vantagem, meramente concordou - por medo - com a solicitação do policial; (ii) não pode ser dada como "promessa de vantagem", vez que o pagamento se efetuou em ato contínuo à solicitação. Assim, o mero pagamento de vantagem indevidamente solicitada por funcionário público não pode ser considerada como conduta típica do crime de corrupção ativa, uma vez que não constitui-se em verbo descrito na norma incriminadora.

Porém, aqui é de se notar que, mesmo concordando com o acerto do gabarito oficial, é possível recorrer no caso de resposta diversa. No caso do examinado ter respondido, ao contrário, que Gustavo pode ser responsabilizado por corrupção ativa (art. 333 do Código Penal), é possível a fundamentação recursal pode ser alicerçada nos termos dos seguintes entendimentos jurisprudenciais:

"A corrupção ativa consiste em oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público para determiná-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício. A lei não distingue se a oferta ou promessa se faz por sugestão ou solicitação do funcionário" (TJSP - AC - Rel. Weiss de Andrade  RT 641/316). No mesmo sentido: TJSP - HC - Rel. Dante Busana - RT 684/316.

Ainda:

"Quando particular é impulsionado a retribuir funcionário público não pelo medo de evitar um dano injusto, mas pelo temos de que aquele exercite e seu prejuízo atos de ofício legítimos, necessariamente se concretiza o delito de corrupção ativa, previsto no art. 333 do CP, porque o particular, longe de ser vítima dominada pelo meus publicae potestatis, torna-se sujeito ativo e age em dano da Administração Pública, para conseguir vantagem indevida (TJSP - 5ª C. - HC 341.761-3/0 - Rel. Dante Busana - j. 08.03.2001 - RT 790/606).

QUESTÃO N. 2 - ENUNCIADO.

Antônio, auxiliar de serviços gerais de uma multinacional, nos dias de limpeza, passa a observar uma escultura colocada na mesa de seu chefe. Cm o tempo, o desejo de ter aquele objeto fica incontrolável, razão pela qual decide subtraí-lo.

Como Antônio não tem acesso livre à sala onde a escultura fica exposta, utiliza-se de uma chave adaptável a qualquer fechadura, adquirida por meio de um amigo chaveiro, que nada sabia de suas intenções. Com ela, Antônio ingressa na sala do chefe, após o expediente, e subtrai a escultura pretendida, colocando-a em sua bolsa.

Após subtrair o objeto e sair do edifício onde fica localizada a empresa, Antônio caminha tranquilamente cerca de 400 metros. Apensas neste momento é que os seguranças da portaria suspeitam do ocorrido. Eles acham estranha a saída de Antônio do local após o expediente (já que não era comum a realização de horas extras), razão pela qual acionam policiais militares que estavam próximos do local, apontando Antônio como suspeito. Os policiais conseguem alcança-lo e decidem revistá-lo, encontrando a escultura da sala do chefe na sua bolsa. Preso em flagrante, Antônio é conduzido até a Delegacia de Polícia.

Antônio, então é denunciado e regularmente processado. Ocorre que, durante a instrução processual, verifica-se que a escultura subtraída, apesar de bela, foi construída com material barato, avaliada em R$ 250,00 (duzentos e cinquenta reais), sendo, portanto, de pequeno valor. A G+FAC (Folha de Antecedentes Criminais) aponta que Antônio é réu primário.

Ao final da instrução, em que foram respeitadas todas as exigências legais, o juiz, em decisão fundamentada, condena Antônio a 2 (dois) anos de reclusão pela prática de crime de furto qualificado pela utilização de chave falsa, com base no art. 155, §4º, III, do CP.

Nesse sentido, levando em conta apenas os dados contidos no enunciado, responda aos itens a seguir.

A) É correto afirmar que o crime de furto praticado por Antônio atingiu a consumação? Justifique. (Valor: 0,40).

B) Considerando que Antônio não preenche os requisitos elencados pelo STF e pelo STJ para a aplicação do princípio da insignificância, qual seria a principal tese defensiva a ser utilizada em sede de apelação? Justifique (Valor: 0,85).

QUESTÃO N. 2 - RESPOSTA.

Quanto a resposta do item (A), é necessário uma digressão preliminar sobre as teorias que pretendem determinar o momento consumativo do delito de furto. Três delas merecem destaque: (i) a teoria da contrectatio, desde a qual o crime de furto resta consumado no momento que o sujeito ativo entra em contato com a coisa alheia móvel; (ii) a teoria da apreehensio ou amotio, na qual o crime pode ser dado como consumado quando o agente toma para si a res furtiva, invertendo a posse em seu benefício; e (iii) a teoria da ablatio, desde a qual, o delito estará consumado quando o agente retira a coisa alheia móvel da esfera de disponibilidade da vítima desfrutando, ainda que momentaneamente, a posse mansa e pacífica do objeto furtado.

Das três teorias apresentadas, apesar de certa divergência doutrinária e jurisprudencial, aponta como a admitida pelo Supremo Tribunal Federal a da amotio. Vejamos o precedente:

 "A jurisprudência do STF dispensa, para a consumação do furto ou do roubo, o critério da saída da coisa da chamada 'esfera de disponibilidade da vítima' e se contenta com a verificação de que, cessada a clandestinidade ou a violência, o agente tenha tido a posse da 'res furtiva', ainda que retomada, em seguida, pela perseguição imediata". (HC 89958-SP, rel. Min. Sepúlveda Pertence, 03.04.2007, v.u., DJ 27.04.2007, p. 68).

Como se desprende o precedente da Excelsa Corte, o crime de furto está consumado com a inversão da posse, ou seja, quando o agente desfruta o controle fático da coisa subtraída, ainda que por pouco tempo e, independentemente, da posse mansa e pacífica. Desde tal entendimento, portanto, o crime de furto praticado por Antônio está inapelavelmente consumado. Aliás, mesmo considerando as outras duas teorias (contrectacio e amotio) o resultado não seria diferente. Sendo assim, pode-se afirmar que, o crime de furto praticado por Antônio está consumado.

No que se refere à questão exposta no item (B), apesar de certa polêmica doutrinária, o entendimento dominante no Superior Tribunal de Justiça vai no sentido de que é possível o reconhecimento do privilégio descrito no art. 155, § 2º do Código Penal (redução da pena ou substituição da pena privativa de liberdade por pena pecuniária) aos casos de furtos qualificados (art. 155, § 4º e incisos do Código Penal). Neste sentido e em conformidade com os apontamentos de Guilherme de Souza NUCCI:

"Nesse prisma: STJ: "O crime de furto (CP, art. 155) é disciplinado organicamente. O tipo fundamental de crime coordenado com os tipos derivados. Harmonizam-se. Não há contradição. As normas intercomunicam-se. Não impedem, em consequência, o furto qualificado (art. 155, § 4º) compor-se com a causa especial de substituição ou redução da pena (art. 155, § 2º). O tratamento normativo traduz a característica jurídica do fato - infração penal. Em evidenciando complexidade (qualificação e substituição ou redução da pena), evidente, têm que ser considerados. Caso contrário, a pena deixará de projetar a expressão dada pelo Direito. Correto, portanto, o furto qualificado ser também de pequeno valor" (REsp 187.141-SP, 6º T. Rel. Cernicchiaro, 25.05.1999, v.u., DJ 01.07.1999, p. 214). E também da mesma Corte: "É admissível, no furto qualificado (art. 155, § 4º), a incidência do privilégio legal que autoriza a substituição da pena restritiva de liberdade por pena pecuniária, desde que presentes os pressupostos inscritos no art. 155, § 2º, do Estatuto Punitivo. A circunstância de situar-se o preceito benigno em parágrafo anterior ao que define o furto qualificado não afasta o favor legal dessa espécie delituosa" (REsp 66.885-SP, 6ª T. Rel. Vicente Leal, 09.11.1999, v.u., DJ 29.11.1999. p. 210; REsp 72.818-ES, 6ª T. Rel. Vicente Leal, 19.10.1999, v.u., DJ 29.11.1999, p. 210). 

Uma vez presentes os requisitos objetivos que garantem o benefício do privilégio gravado no art. 155, § 2º do Código Penal (primariedade e pequeno valor da coisa furtada) é perfeitamente sustentável, em sede de apelação, a tese defensiva do furto qualificado-privilegiado, merecendo Antônio que a pena de reclusão seja substituída por detenção, que ela seja diminuída de 1/3 a 2/3 ou que lhe seja aplicada somente a pena de multa.

 QUESTÃO N. 3 - ENUNCIADO

Jeremias foi preso em flagrante, no Aeroporto Internacional de Arroizinhos, quando tentava viajar para Madri, Espanha, transportando três tabletes de cocaína. Quando já embarcado na aeronave, foi "convidado" por Agentes da Polícia Federal a se retirar do avião e acompanhá-los até o local onde se encontravam as bagagens. Lá chegando, foi solicitado a Jeremias que reconhecesse e abrisse sua bagagem, na qual foram encontrado, dentro da capa que acondicionava suas pranchas de surf, três tabletes de cocaína. Por essa razão, Jeremias foi processado e, ao final, condenado pela Justiça Federal de Arroizinhos por tráfico internacional de entorpecentes.

Após o trânsito em julgado da sentença condenatória, foi expedido mandado de prisão e Jeremias foi recolhido ao estabelecimento prisional sujeito à administração estadual, já que em Arroizinhos não há estabelecimento prisional federal. Transcorrido o prazo legal e, tendo em vista que Jeremias preenchia dos demais requisitos previstos na legislação, seu advogado deseja requerer a mudança para regime prisional menos severo.

Responda de forma fundamentada, de acordo com a jurisprudência sumulada nos Tribunais Superiores: Qual a Justiça é competente para processar e julgar o pedido de Jeremias? (Valor: 1,25).

QUESTÃO N. 3 - RESPOSTA.

Para aquele que leu atentamente o enunciado da questão, essa resposta pode ser considerada um presente, vez que o redator da pergunta já indica que a resposta para o problema deve ser encontrado nas súmulas dos Tribunais Superiores (STJ ou STF).

Neste caso, chama-se a atenção para o disposto na Súmula n. 192, STJ: "Compete ao juízo das execuções penais do estado a execução das penas impostas a sentenciados pela Justiça Federal, militar ou eleitoral, quando recolhidos a estabelecimentos sujeitos a administração estadual".

Salientando que a mera indicação da súmula não é suficiente para angariar os pontos relativos à questão, basta ao examinado reconhecer a situação (condenado cumprindo pena em estabelecimento penitenciário sujeito à Administração Estadual) e apontar que a competência para processar e julgar o pedido de Jeremias é da respectiva vara de execução penal da Justiça Estadual.

QUESTÃO N. 4 - ENUNCIADO.

Pedro foi preso em flagrante por crime de tráfico de drogas. Após a instrução probatória, o juiz ficou convencido de que o réu, por preencher os requisitos do artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006, merecia a redução máxima da pena. Na sentença penal condenatória, fixou o regime inicialmente fechado ao argumento de que o artigo 2º, § 1º, da Lei n. 8.072/90 assim determina, vedando a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos, com base no próprio artigo 33, § 4º, da Lei n. 11.343/2006. O advogado de Pedro é intimado da sentença.

Á luz da jurisprudência do STF, responda as itens a seguir:

A) Cabe ao advogado de defesa a impugnação da fixação do regime inicial fechado, fixado exclusivamente com base no artigo 2º, § 1º, da Lei 8.072/90? (Valor: 0,60).

B)  Com base na relação tráfico-privilegiado, previsto na Lei n. 11.343/06, artigo 33, § 4º,  é possível a conversão da pena privativa de liberdade em pena restritiva de direitos? (Valor: 0,65).

QUESTÃO N. 4 - RESPOSTA.

Questão que demanda uma certa atualização no que se refere aos julgados das Cortes Superioras. A resposta do item (A) relaciona-se, particularmente, com o julgado do STF (HC-ES 111840) desde o qual declarou-se, incidentalmente, a inconstitucionalidade do art. 2º, § 1º da L. n. 8.072/90. 

Desde a decisão da Excelsa Corte, firmou-se o entendimento que a obrigatoriedade do regime inicialmente fechado - tratamento gravoso que não está previsto no art. 5º, XLIII da Carta Maior - contraria o princípio da individualização da pena (art. 5º, XLVI, CF/88).

Portanto, uma vez que o enunciado deixa patente que o regime inicial fechado foi determinado unicamente com base no art. 2º, § 1º da Lei de crimes hediondos - considerado inconstitucional -, é possível a impugnação da decisão dado o fato que Pedro, por outro lado, preenche os requisitos legais do art. 33, § 2º, "b" do Código Penal, que reconhece que o condenado poderá, desde o princípio, cumprir a pena em regime semi-aberto.

Igualmente baseada em recentes precedentes do STF, a resposta é afirmativa para a questão exposta no item (B). Em decisão de setembro de 2010, a Excelsa Corte já havia reconhecido a inconstitucionalidade do art. 33, § 4º  da Lei n. 11.343/2006 que expressamente vedava a conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos. Este posicionamento foi reiterado  quando o STF reconheceu repercussão geral da matéria em um Recurso Extraordinário com Agravo (ARE 663261). Da reiteração deste posicionamento decorreu a Resolução do Senado Federal n. 5 de 2012, que suspendeu a óbice à conversão da pena privativa de liberdade em restritiva de direitos que estava gravado no art. 33, § 4º da Lei n. 11.343/2006.

Sendo assim, considerando os precedentes do STF e a resolução do Senado Federal, é perfeitamente possível, no caso de condenação por tráfico internacional de drogas, a substituição da pena privativa de liberdade por outra(s) restritiva(s) de direitos, desde que cumpridos os requisitos expressos no art. 44 do Código Penal.