quarta-feira, 29 de junho de 2016

STF: Plenário aprova súmula vinculante sobre regime prisional



O Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) aprovou, na sessão desta quarta-feira (29), Súmula Vinculante (SV) que trata da ausência de vagas no sistema prisional. O texto final aprovado seguiu alteração sugerida pelo ministro Luís Roberto Barroso à proposta original apresentada pelo defensor público-geral federal e terá a seguinte redação: “A falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso, devendo-se observar, nesta hipótese, os parâmetros fixados no Recurso Extraordinário (RE) 641320”. O texto aprovado dará origem à SV 56, resultante da aprovação da Proposta de Súmula Vinculante (PSV) 57.
Em 11 de maio deste ano, ao dar parcial provimento ao RE 641320, com repercussão geral, o Plenário seguiu o voto do relator, ministro Gilmar Mendes, e fixou a tese nos seguintes termos: a) a falta de estabelecimento penal adequado não autoriza a manutenção do condenado em regime prisional mais gravoso; b) os juízes da execução penal poderão avaliar os estabelecimentos destinados aos regimes semiaberto e aberto, para qualificação como adequados a tais regimes. São aceitáveis estabelecimentos que não se qualifiquem como “colônia agrícola, industrial” (regime semiaberto) ou “casa de albergado ou estabelecimento adequado” (regime aberto) (art. 33, parágrafo 1º, alíneas “b” e “c”); c) havendo déficit de vagas, deverá determinar-se: (i) a saída antecipada de sentenciado no regime com falta de vagas; (ii) a liberdade eletronicamente monitorada ao sentenciado que sai antecipadamente ou é posto em prisão domiciliar por falta de vagas; (iii) o cumprimento de penas restritivas de direito e/ou estudo ao sentenciado que progride ao regime aberto. Até que sejam estruturadas as medidas alternativas propostas, poderá ser deferida a prisão domiciliar ao sentenciado.
Voto-vista
O julgamento da PSV 57 teve início em março de 2015. Na ocasião, após sustentação oral do proponente, o ministro Roberto Barroso pediu vista para aguardar o julgamento do RE 641320. Na sessão de hoje, o ministro apresentou voto-vista e sugeriu a mudança do texto original para incluir nele a tese fixada pelo Plenário no julgamento do recurso extraordinário em maio deste ano.
Considerando que a tese fixada pelo Tribunal é bastante analítica, o ministro propôs um texto mais sucinto, fazendo remissão ao RE, em vez de transcrever toda a tese. O ministro foi acompanhado pela maioria, vencido o ministro Marco Aurélio.
Divergência
O ministro Marco Aurélio divergiu da proposta do ministro Luís Roberto Barroso e votou pela manutenção do texto original da PSV 57: “O princípio constitucional da individualização da pena impõe seja esta cumprida pelo condenado, em regime mais benéfico, aberto ou domiciliar, inexistindo vaga em estabelecimento adequado, no local da execução”.
Para o ministro, o texto da súmula vinculante não deve reportar-se a uma lei ou a uma decisão específica, mas deve estabelecer uma jurisprudência do tribunal, sem incluir dados que possam burocratizar a jurisdição. “Verbete vinculante deve, ante a própria finalidade, permitir uma compreensão imediata, sem ter-se que buscar precedente que teria sido formalizado pelo Supremo, sob pena de confundirmos ainda mais a observância do nosso direito positivo”, disse.
Novo CPC
Ao final do julgamento, o presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, informou que as teses aprovadas pelo Plenário no julgamento de REs com repercussão geral serão publicadas em breve para consulta no site do Supremo. Segundo o ministro, a medida também está de acordo com determinação prevista do artigo 979 do novo Código de Processo Civil, o qual prevê que os tribunais deverão manter banco eletrônico de teses jurídicas.

terça-feira, 28 de junho de 2016

Olimpíadas: Qual seria o delito de apagar a tocha olímpica?



No dia 26 de junho de 2016, na cidade de Maracaju (MS) um homem, conhecido como “Marcelinho”, foi preso ao jogar um balde d’água em direção à tocha olímpica com o propósito de extinguir a chama. Veja o vídeo abaixo. Foi preso em flagrante logo depois de perseguição pelas forças policiais que escoltavam o símbolo olímpico. Uma vez capturado, informou que a tentativa de apagar a tocha não passava de uma brincadeira. Conduzido para a delegacia, foi liberado mediante o pagamento de fiança.



Resta, entretanto, uma dúvida pertinente: Qual teria sido o crime praticado nesta situação? Segundo as autoridades policiais, Marcelinho foi autuado pelo crimede tentativa de dano ao patrimônio cultural (art. 62, I da L. n. 9.605/98) que assim dispõe: 

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: 
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
[...]
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Em defesa de Marcelinho três teses poderiam ser arguidas:

(a) a conduta não preenche os elementos exigidos para a tipificação do delito previsto no art. 62, I da L. n. 9.605/98. A razão é simples. Apesar dos símbolos olímpicos serem tutelados nos termos do art. 3º da L. n. 13.284/2016 - que nos remete ao art. 125 da L. n. 9.279/1996 (Lei da propriedade industrial) - eles são protegidos enquanto marca e não como patrimônio cultural. Não basta que sejam bens especialmente protegidos por lei. Devem sê-los enquanto patrimônio cultural. Sendo assim, não fazem jus à proteção jurídica da Lei de Crimes Ambientais. Ademais, simplesmente apagar o mais caro "isqueiro" do mundo dificilmente pode ser considerado como danificar, porquanto pode ser reacendido facilmente.

(b) trata-se de hipótese de ausência de lesividade ao bem jurídico [atipicidade material da conduta], uma vez que a caravana olímpica está preparada para tais contingências e traz consigo outras quatro lamparinas devidamente protegidas que podem ser utilizadas para reacender a tocha. Dito isso, mesmo que Marcelinho fosse capaz de apagar a chama da tocha, seria possível reacendê-la com a mesma chama que foi produzida em Atenas. Apesar do constrangimento público e da quebra do cerimonial, não seria o caso de qualquer lesão ao bem jurídico tutelado.

(c) trata-se de crime impossível [Art. 17 do Código Penal], uma vez que a tocha olímpica foi projetada para resistir ao vento e chuvas moderadas [FONTE], seria improbabilíssimo que jogando um balde d’água, daquela distância e com tanta dispersão do líquido, que Marcelinho lograsse êxito em extinguir a chama [meio absolutamente ineficaz]; 

Ainda sobre a atipicidade material da conduta cumpre destacar que, apesar do objeto material ser um bem corpóreo (a tocha olímpica), o bem jurídico tutelado é o patrimônio imaterial. Na situação em pauta, trata-se do valor cultural da chama que acesa na Grécia é, por tradição, a mesma que coloca fogo na pira olímpica. Considerando que tal tradição não seria colocada em perigo pelas precauções tomadas pela organização, não se pode dizer de lesão ao bem jurídico tutelado. Esta mesma linha de argumentação reforça também a tese de crime impossível. Uma vez que mesmo que o meio escolhido fosse hábil para extinguir a chama da tocha, não seria idôneo para impedir que a fogo criado na Grécia seja utilizado na ignição da pira olímpica no Rio de Janeiro. 

Tampouco se trata de crime de dano qualificado contra o patrimônio público (art. 163, parágrafo único, III do Código Penal), uma vez que a conduta praticada não se amolda a nenhum dos verbos ("destruir", "inutilizar" ou "deteriorar") que descrevem o crime de dano. Lembrando que o objeto da conduta, neste caso, é a tocha olímpica; mesmo que o sujeito ativo lograsse êxito em extinguir a chama, daí não resulta, por óbvio a destruição ou deterioração apreciável da tocha. Ademais, não há de se falar em inutilização, na medida que mesmo apagando a chama, não é possível reconhecer tal verbo enquanto possível reacendê-la. No mais, os argumentos opostos ao dano contra o patrimônio cultural são também aplicáveis nesta situação, exceto, é claro, sobre a natureza bem especialmente protegido enquanto patrimônio imaterial.

O enquadramento jurídico mais correto para a solução deste busílis é socorrer-se no art. 40 da Lei de Contravenções Penais ("Art. 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público, se o fato não constitue infração penal mais grave;"). Ainda assim, considerando o caráter fragmentário e o princípio da intervenção mínima, seria ainda mais adequado reconhecer que tal conduta situa-se no limiar da liberdade de manifestação do pensamento e da crítica política..


CONCLUSÃO: A conduta analisada, não preenche os elementos típicos da norma incriminadora do art. 61, I da L. n. 9.605/98, tampouco do art. 163 do Código Penal, e mesmo que fosse o caso, não é dotada de relevância para o Direito Penal pois trata-se de caso de atipicidade material (ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado) ou hipótese de crime impossível (art. 17 do Código Penal]. Quando muito, não se tratando de conduta incriminada pelo art. 61, I da Lei de Crimes Ambientais nem daquela tipificada pelo art. 163 do Código Penal, pode ser o caso do disposto no art. 40 da Lei de Contravenções Penais. A resposta mais adequada, entretanto, seria pela irrelevância penal da conduta.

PS1: Uma última observação faz-se pertinente no que se refere ao Direito Penal e as Olimpíadas. Salienta-se que a Lei Geral das Olimpíadas [L. n. 13.284/2016] estabelece ainda novos tipos penais, a saber: (a) arts. 17 e 18 – utilização indevida de símbolos oficiais; (b) art. 19 – marketing de emboscada por associação; e (c) art. 20, marketing de emboscada por intromissão.  Tais delitos são previstos em normas penais temporárias e, portanto, com termo final de vigência (31 de dezembro de 2016) preestabelecido em lei.

PS2: Outras fontes indicam que o crime pelo qual Marcelinho foi autuado seria o crime tentado de dano ao patrimônio público (art. 163, parágrafo único, III do Código Penal). Ainda assim, restaria a conduta atípica, pois o simples apagar da tocha olímpica não poderia ser considerado como destruir, inutilizar, tampouco, deteriorar.

ATUALIZAÇÃO: Destacando notícia do dia 6 de julho de 2016, o juiz competente da comarca de Cascavel decidiu pela atipicidade da conduta.

 

segunda-feira, 27 de junho de 2016

STF: Crime de tráfico privilegiado não tem natureza hedionda



Na sessão desta quinta-feira (23), o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que o chamado tráfico privilegiado, no qual as penas podem ser reduzidas, conforme o artigo 33, parágrafo 4º, da Lei 11.343/2006 (Lei de Drogas), não deve ser considerado crime de natureza hedionda. A discussão ocorreu no julgamento do Habeas Corpus (HC) 118533, que foi deferido por maioria dos votos.

No tráfico privilegiado, as penas poderão ser reduzidas de um sexto a dois terços, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas nem integre organização criminosa. No caso concreto, Ricardo Evangelista Vieira de Souza e Robinson Roberto Ortega foram condenados a 7 anos e 1 mês de reclusão pelo juízo da Comarca de Nova Andradina (MS). Por meio de recurso, o Ministério Público conseguiu ver reconhecida, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a natureza hedionda dos delitos. Contra essa decisão, a Defensoria Pública da União (DPU) impetrou em favor dos condenados o HC em julgamento pelo Supremo.


O processo começou a ser julgado pelo Plenário em 24 de junho do ano passado, quando a relatora, ministra Cármen Lúcia, votou no sentido de conceder o HC e afastar o caráter de hediondez dos delitos em questão. Para ela, o tráfico privilegiado não se harmoniza com a qualificação de hediondez do delito definido no caput e no parágrafo 1º do artigo 33 da Lei de Drogas. O julgamento foi suspenso em duas ocasiões por pedidos de vista formulados pelos ministros Gilmar Mendes – que seguiu a relatora – e Edson Fachin.


Na sessão de hoje, o ministro Edson Fachin apresentou voto-vista no sentido de acompanhar a relatora, reajustando posição por ele apresentada no início da apreciação do processo. Segundo ele, o legislador não desejou incluir o tráfico minorado no regime dos crimes equiparados a hediondos nem nas hipóteses mais severas de concessão de livramento condicional, caso contrário o teria feito de forma expressa e precisa.


“Nesse reexame que eu fiz, considero que a equiparação a crime hediondo não alcança o delito de tráfico na hipótese de incidência da causa de diminuição em exame”, disse o ministro Fachin, acrescentando que o tratamento equiparado à hediondo configuraria flagrante desproporcionalidade. Os ministros Teori Zavascki e Rosa Weber também reajustaram seus votos para seguir a relatora.


Ao votar no mesmo sentido, o ministro Celso de Mello ressaltou que o tráfico privilegiado tem alcançado as mulheres de modo grave, e que a população carcerária feminina no Brasil está crescendo de modo alarmante. Segundo o ministro, grande parte dessas mulheres estão presas por delitos de drogas praticados principalmente nas regiões de fronteiras do país.


Dados estatísticos


O presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, também votou no sentido de afastar os efeitos da hediondez na hipótese de tráfico privilegiado. Ele também observou que a grande maioria das mulheres está presa por delitos relacionados ao tráfico drogas, e quase todas sofreram sanções desproporcionais às ações praticadas, sobretudo considerada a participação de menor relevância delas nessa atividade ilícita. “Muitas participam como simples ‘correios’ ou ‘mulas’, ou seja, apenas transportam a droga para terceiros, ocupando-se, o mais das vezes, em mantê-la, num ambiente doméstico, em troca de alguma vantagem econômica”, ressaltou.


O voto do ministro Lewandowski apresenta dados do Sistema Integrado de Informações Penitenciárias (Infopen) do Ministério da Justiça que demonstram que, das 622.202 pessoas em situação de privação de liberdade (homens e mulheres), 28% (174.216 presos) estão presas por força de condenações decorrentes da aplicação da Lei de Drogas. “Esse porcentual, se analisado sob a perspectiva do recorte de gênero, revela uma realidade ainda mais brutal: 68% das mulheres em situação de privação de liberdade estão envolvidas com os tipos penais de tráfico de entorpecentes ou associação para o tráfico”, afirmou o ministro, ressaltando que hoje o Brasil tem a quinta maior população carcerária do mundo, levando em conta o número de mulheres presas.

De acordo com ele, estima-se que, entre a população de condenados por crimes de tráfico ou associação ao tráfico, aproximadamente 45% – algo em torno de 80 mil pessoas, em sua grande maioria mulheres – tenham recebido sentença com o reconhecimento explícito do privilégio. “São pessoas que não apresentam um perfil delinquencial típico, nem tampouco desempenham nas organizações criminosas um papel relevante”, afirmou.


Resultado do julgamento


O voto da relatora foi acompanhado pelos ministros Luís Roberto Barroso, Edson Fachin, Teori Zavascki, Rosa Weber, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Ricardo Lewandowski. Ficaram vencidos os ministros Dias Toffoli, Luiz Fux e Marco Aurélio, que reconheceram como hediondo o crime de tráfico privilegiado.


Crimes hediondos


Os crimes hediondos, previstos na Lei 8.072/1990, e os equiparados (tortura, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e terrorismo) são inafiançáveis e insuscetíveis de anistia, graça ou indulto, e a progressão de regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for reincidente.