quinta-feira, 28 de julho de 2016

CASOS NOTÓRIOS: Ex-companheiro de Luiza Brunet é denunciado por violência doméstica


Lírio Parisotto foi denunciado pelo Ministério Público do Estado de São Paulo no dia 25 de julho de 2016. Parisotto é acusado pelos crimes de lesões corporais praticados contra Luiza Brunet, sua então companheira, ocorridos, segundo a denúncia, em dezembro de 2015, no Brasil, e em maio de 2016, em Nova York. Não é demais ressaltar que a lei penal brasileira pode ser aplicada a caso de crimes praticados no estrangeiro quando enquadrados em hipóteses de extraterritorialidade, mais especificamente, na presente situação, com referência ao disposto no art. 7º. II, "b" do Código Penal.

Na última das agressões, Luiza Brunet afirma ter levado um soco no rosto e diversos chutes pelo corpo, resultado em quatro costelas quebradas. Em razão da gravidade dos ferimentos e do contexto da agressão, fundamenta-se a denúncia de lesões corporais simples qualificada por violência doméstica (art. 129, §9º do Código Penal).

Art. 129. [...]
§ 9º  Se a lesão for praticada contra ascendente, descendente, irmão, cônjuge ou companheiro, ou com quem conviva ou tenha convivido, ou, ainda, prevalecendo-se o agente das relações domésticas, de coabitação ou de hospitalidade:
Pena - detenção, de 3 (três) meses a 3 (três) anos.

Cumpre lembrar que, apesar da agressão ser tão intensa ao ponto de quebrar quatro costelas da vítima, a classificação como lesão corporal leve dá-se com base em um rol taxativo de resultados estabelecidos nos §§1º, 2º e 3º do art. 129 do Código Penal. Não enquadrando-se em nenhuma situação estabelecida pelo legislador como lesão corporal grave ou gravíssima, a ofensa à integridade física deve ser considerada como lesão simples.

Note-se ainda que tal agressão ocorre no contexto de violência doméstica contra mulher o que demanda a aplicação dos dispostos na Lei Maria da Penha (L. n. 11.340/2006).

Lírio Parisotto, por outro lado, nega ter praticado tais atos de violência e sustenta que, na verdade, foi ele o agredido por Luiza Brunet [FONTE].

quarta-feira, 27 de julho de 2016

CASOS NOTÓRIOS: Acusados pelo incêndio na Boate Kiss serão julgados pelo Tribunal do Júri




JÚRI POPULAR
Os réus Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, acusados de serem os responsáveis pelo incêndio na Boate Kiss, em Santa Maria, serão julgados pelo Tribunal do Júri. Caberá ao Conselho de Sentença, formado por sete jurados, decidir se os quatro são culpados ou inocentes das acusações de homicídio duplamente qualificado (242 vezes consumado e 636 vezes tentado), apontadas pelo Ministério Público Estadual.

Em decisão de 195 páginas proferida nesta manhã, o Juiz de Direito Ulysses Fonseca Louzada, titular da 1ª Vara Criminal da Comarca de Santa Maria, entendeu que há presença de materialidade e indícios suficientes de que os acusados teriam praticado o fato nos termos da denúncia do Ministério Público.

"As versões defensivas, embora possam existir, não restaram demonstradas de forma cabal, uníssona, numa única direção para que possam subtrair o julgamento pelo Conselho de Sentença", considerou o magistrado.

CASO
Na madrugada de 27/1/13, a Boate Kiss, localizada na área central de Santa Maria, sediava uma festa universitária, com show da banda Gurizada Fandangueira. Durante a apresentação, o grupo utilizou um tipo de fogo de artifício (conhecido como "chuva de prata") que atingiu o teto da danceteria, e teria dado início ao incêndio que matou 242 pessoas e deixou outras 636 feridas.

De acordo com a denúncia do MP, as centelhas entraram em contato com a espuma altamente inflamável que revestia parcialmente paredes e teto do estabelecimento, principalmente junto ao palco, desencadeando o fogo e a emissão de gases tóxicos.

DENÚNCIA
Os empresários Elissandro Spohr e Mauro Hoffmann e os músicos Marcelo Santos e Luciano Leão tiveram a prisão decretada em 28/1/13. A liberdade foi concedida, por meio de recurso, pela 1ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça, em 29/5/13.

A denúncia contra os quatro é assinada pelos Promotores de Justiça Maurício Trevisan e Joel Oliveira Dutra e foi acolhida pela Justiça em 3/4/13. No documento, os membros do MP argumentaram que Elissandro e Mauro concorreram para o crime, implantando em paredes e no teto da boate espuma altamente inflamável e sem indicação técnica de uso; contratando um show que sabiam incluir exibições com fogos de artifício; mantendo a casa noturna superlotada, sem condições de evacuação e segurança contra fatos dessa natureza.

O mesmo teriam feito Marcelo e Luciano, que, conhecendo bem o local do fato, onde já haviam se apresentado, adquiriram e acionaram fogos de artifício, que sabiam se destinar a uso em ambientes externos, e direcionaram para o teto da boate, dando início à queima do revestimento inflamável.

Conforme a acusação, os crimes foram cometidos mediante meio cruel, haja vista o emprego de fogo e a produção de asfixia nas vítimas.

Ao analisar o caso, o Juiz Ulysses Louzada considerou que as qualificadoras merecem admissão. "A respeito da qualificadora do motivo torpe havendo indícios nos autos de que os denunciados Mauro e Elissandro teriam economizado com a utilização de espuma inadequada como revestimento acústico e não investiram em segurança contra incêndios, também lucrando com a superlotação do estabelecimento; e havendo indícios de que os acusados Marcelo e Luciano adquiriram fogos de artifício para uso externo, por ser mais barato que o indicado para ambientes internos, a qualificadora deverá ser levada à apreciação pelo Tribunal Popular", afirmou o Juiz.

"Da mesma forma, quanto à qualificadora do meio cruel, haja vista a existência de indícios do emprego de fogo e a produção de asfixia nas vítimas, esta também deverá ser levada para apreciação dos jurados", acrescentou o magistrado. 

FASE DE INSTRUÇÃO
O processo criminal que apura o caso é constituído por 21 mil páginas, separadas em 99 volumes. Ao longo da instrução processual, foram ouvidas 204 pessoas, sendo 114 vítimas, 16 testemunhas de acusação, 50 testemunhas de defesa, 2 testemunhas referidas, 18 peritos e os 4 réus.

Foram realizadas audiências em Santa Maria, Porto Alegre, Rosário do Sul, Uruguaiana, Passo Fundo, Horizontina, Frederico Westphalen, Bagé, Alegrete, Tupanciretã, Colombo (PR), Teresina (PI), Tubarão (SC), Chapecó (SC), Campo Grande (MS) e Rio de Janeiro (RJ).

CISÃO PROCESSUAL 
Além do processo principal, a apuração do caso está desdobrada em outros três processos criminais e dois cíveis:
Processo n° 2140011071-5 (falsidade ideológica, fraude processual e falso testemunho)
Processo n° 2130006197-6 (fraude processual)
Processo n° 2130006199-2 (falso testemunho)
Processo n° 1130004136-6 (Ação coletiva)
Processo n° 1130010831-2 (Ação Civil Pública)

Outras centenas de ações individuais de indenização tramitam na Justiça de Santa Maria. 

CONDENAÇÃO 
O primeiro julgamento de um dos processos conexos ao caso, o 2130006197-6, ocorreu em 1°/9/15, quando o ex-chefe do Estado Maior do 4º Comando Regional dos Bombeiros de Santa Maria, major Gerson da Rosa Pereira, foi condenado a seis meses de detenção pelo delito de fraude em documentos relacionados ao inquérito policial que apurou as causas do incêndio na Boate Kiss. A pena foi convertida em prestação de serviços à comunidade. Ele recorreu da decisão. O recurso se encontra para análise na 4ª Câmara Criminal do TJ.

Proc. n 2130000696-7 (Comarca de Santa Maria)

terça-feira, 26 de julho de 2016

DOWNLOAD: Coletânea de jurisprudência em matéria penal e processual penal do STF


Altamente recomendado para estudantes e profissionais do Direito, um ótimo livro está disponibilizado GRATUITAMENTE no sítio eletrônico do STF. Trata-se da 2ª edição da coletânea temática de jurisprudência em matéria penal e processual penal. O livro condensa centenas de julgados da Excelsa Corte agrupando-os, didaticamente, ao redor de tópicos do Direito Penal e do Direito Processual Penal. Faça já seu download.

Links para download:



ESTUDO DE CASO: Desobediência de Eduardo Suplicy em reintegração de posse




O CASO

Na segunda-feira (25 de julho de 2016) o ex-senador Eduardo Suplicy foi detido por policiais militares e conduzido 75º Distrito Policial, sendo autuado por desobediência. Lavrado o termo circunstanciado de ocorrência, foi liberado três horas depois [FONTE]. Veja o vídeo abaixo.



Conforme relato das autoridades policiais, Suplicy estava no local por ocasião de ordem de reintegração de posse de um terreno municipal. Segundo a Prefeitura Municipal, o terreno não poderia ser usado para a construção de moradias populares pois, em razão de instabilidade do solo, oferecia riscos tais que colocavam em perigo os ocupantes. Segundo o prefeito Haddad: "Liguei para o subprefeito, disse a ele para ponderar sobre a oportunidade da reintegração, mas depois eu recebi um telefonema do secretário de Negócios Jurídicos dizendo que consultados, os engenheiros que avaliam risco entenderam que não havia como manter naquela barranqueira as famílias ali, que se não fosse cumprida a ordem judicial qualquer advento: solapamento, desmoronamento, ia ser imputada a responsabilidade para a Prefeitura, que as famílias não poderiam continuar lá por ser uma área de risco bastante importante".

Eduardo Suplicy relata que se colocou entre os policiais e os ocupantes para evitar a erupção de atos de violência entre eles. Com este intuito, deitou-se na frente do grupo de oficiais de justiça e policiais, de modo que impediu a passagem do maquinário que lá estava para derrubar as moradias irregulares. Neste contexto, os policiais demandaram que Suplicy desobstruísse o caminho, no que foram desobedecidos pelo ex-senador. Diante da recusa, os policiais o pegaram pelos braços e pernas e, assim, o levaram para o Distrito Policial sob a acusação de desobediência (art. 330 do Código Penal).


ANÁLISE DA CONDUTA DE EDUARDO SUPLICY
Preliminarmente, para evitar confusão terminológica, cumpre destacar que não existe um delito designado por alguns como “obstrução da justiça”. No caso de particular que se opõe à realização de uma ordem legal exarada por funcionário público, poder-se-ia dizer, em regra, dos crimes de resistência (art. 329 do Código Penal) ou do crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).

O crime de resistência pressupõe que o sujeito ativo se oponha, ativamente, à realização de um ato legal.  Tal delito demanda que a oposição seja implementada utilizando de violência ou grave ameaça contra funcionários públicos. Como pode-se aduzir dos vídeos e dos depoimentos sobre o ocorrido, Eduardo Suplicy, tão somente, deitou-se na frente os oficiais de justiça e dos policiais impedindo que a ordem de reintegração de posse fosse executada. Assim, é evidente, que não se pode falar do delito de resistência, uma vez que da ausência de violência ou grave ameaça decorre o afastamento de tal modalidade típica.

A resistência pacífica ou ghândica, como é conceituada por Nelson HUNGRIA, ainda que não sustente a tipicidade do crime de resistência (art. 329 do Código Penal), poderá, conforme o caso, alicerçar a figura criminosa de desobediência (art. 330 do Código Penal) quando alguém se recusa ao cumprimento de ordem legal emanada de funcionário público.

Na situação em apreço, Eduardo Suplicy, ao deitar-se perante os funcionários públicos que deveriam levar a cabo o cumprimento de ordem judicial, impede a realização de um ato legal. Ao receber ordem de levantar-se e desobstruir o caminho para as máquinas de demolição, permanece passivamente deitado, no que é retirado pelas autoridades policiais. Os elementos típicos do crime de desobediência, salvo a superveniência de novas informações, estão presentes na conduta do ex-senador.

Não há o que se discutir sobre a legalidade da ordem de reintegração de posse, uma vez que foi exarada por autoridade judicial competente e, salvo novos dados, também foi observado o devido processo legal. Também não é o caso de discutir se a ordem legal é justa ou não com os ocupantes do terreno municipal. Sendo o ato ou ordem conforme o direito, a simples discordância pessoal sobre a moralidade ou justiça do comando legal não afasta a tipicidade do delito. Tal se dá em razão do crime de desobediência demandar, tão somente, o dolo genérico de não cumprimento de uma ordem legal. Neste sentido:

“No crime de desobediência a questão do subjetivismo da ordem recebida não tem relevância. Ou a ordem é legal, como se presume na maioria dos casos, ou não é. Em sendo, não cabe discutir seu acerto” (TACRIM-SP-AC- Rel. Prestes Barra – Juricrim-Franceschini 1/626).

Considerando evidente que a ordem de reintegração de posse é um ato legal e que o comando da autoridade policial para que Suplicy desobstruísse o caminho também o é, quando da recusa de cumprimento pelo ex-senador estão presentes os requisitos de tipicidade objetiva da conduta.

Pouco importa, também, a justificativa de Suplicy de que assim procedeu para evitar uma escalada de violência entre as autoridades públicas e os ocupantes do terreno. Não há notícia de que as forças policiais tenham utilizado força excessiva no cumprimento da reintegração de posse. Aliás, apesar das boas intenções de Suplicy, a conduta dele foi bastante imprópria naquele contexto, e – na minha opinião – contribuiu para exaltar os ânimos dos ocupantes e estimular a resistência ao cumprimento da ordem de reintegração de posse. Nesse sentido, a conduta do ex-senador foi um desserviço.

Também não é o caso de dizer de excesso de força na condução do ex-senador. Nas palavras de Eduardo Suplicy: "Não acredito que houve abuso [policial] porque eu próprio disse a eles: 'Se quiserem, me levem'." Destacou ainda que "Disse: 'Assim vocês vão quebrar meu braço'. E eles diminuíram a força" [FONTE].

CONCLUSÃO.
Eduardo Suplicy, deitando-se na frente do maquinário com o intuito de obstar o cumprimento de ordem de reintegração de posse, cometeu o crime de desobediência no que, recebendo o comando legal de abrir caminho, recusou-se e permaneceu, passivamente, no caminho do maquinário de demolição. 

PS: Também são meramente retóricos os protestos daqueles que, inconformados com a prisão do Suplicy, justificam seu posicionamento dizendo que outro Eduardo, o Cunha, ainda não foi preso ou que deveria ser preso no lugar do Suplicy. Para além da militância, cumpre destacar que a responsabilidade é subjetiva e personalíssima, de modo que cada um deve responder pelo seus atos e, tão somente, por seus atos. Se a impunidade de um justifica a impunidade de outro, então justifica-se a impunidade de todos.

quinta-feira, 21 de julho de 2016

ESTUDO DE CASO: Quais os crimes praticados pelos acusados de planejar um atentado terrorista nas Olimpíadas?




No dia 21 de julho de 2016, A Operação Hashtag, realizada pela Polícia Federal, acabou com a prisão de 10 (dez) pessoas que são acusadas de planejar um atentado terrorista durantes as Olimpíadas [FONTE]. Eles são acusados com base nos dispositivos da Lei n. 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo), fato que possibilitou suas prisões temporárias com base no disposto do art. 1º, III, "p" da L. n. 7960/1989, podendo ficar detidos por 30 (trinta) dias prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias [FONTE]. 

Os presos são acusados de integrar organização criminosa (art. 3º da Lei n. 13.260/2016) e da realização de atos preparatórios de atentado terrorista (art. 5º, caput, da Lei n. 13.260/2016). Com base somente nos fragmentos de informação divulgados pelas autoridades policiais, nos propomos a analisar a adequação típica das condutas dos presos na Operação Hashtag.

Acusação com base no art. 3º da Lei n. 13.260/2016.

Os acusados faziam parte de um grupo de 100 (cem) pessoas monitoradas pelos serviços de inteligência. Eram acompanhados uma vez que acessavam portais e peças de propaganda do Estado Islâmico na Rede Mundial de Computadores que são considerados como ponto de partida para o recrutamento de radicais islâmicos. Os acusados, além de travarem contato com a propaganda terrorista, também faziam comentários elogiosos sobre a atuação do Estado Islâmico e compartilhavam conteúdos relacionados com atentados realizados pela organização.

Com base somente nestes fatos, seria possível dizer do crime de apologia ao crime (art. 287 do Código Penal), uma vez que segundo as informações disponibilizadas, os acusados divulgavam comentários elogiosos e conteúdos acompanhados de loas às abominações atuações do Estado Islâmico. Cumpre levantar uma questão interessante: Na hipótese dos comentários e conteúdos serem inseridos num propósito maior de recrutamento de novos integrantes para o grupo radical, dar-se-ia a tipificação doutro delito. Se a apologia tem o propósito de promover a atuação do grupo terrorista, propagandeando seus feitos com o intuito de recrutar ou ampliar a base de simpatizantes da organização terrorista, observar-se-á a hipótese de enquadramento no art. 3º da Lei Antiterrorismo. Note-se que neste caso de enquadramento, não é necessário que o promotor seja membro ou afiliado ao grupo terrorista.

Ainda conforme o noticiado, os acusados teriam jurado fidelidade ao Estado Islâmico. Por outro lado, é importante salientar que que as autoridades policiais reconhecem que não existem evidências de contatos diretos com membros da referida organização terrorista. Os votos de fidelidade teriam ocorrido por meio de sítio na Rede Mundial de Computadores, no qual os acusados teriam repetido os termos de uma gravação. Ora, a mera repetição de uma sentença, juramento ou oração, não é suficiente para tornar alguém membro de um grupo terrorista, mesmo que ele acredite nisso. A ausência de contato direto com membros do Estado Islâmico e a simples repetição de um juramento disponível na internet não parece ser suficiente para considerar os acusados como membros de uma organização terrorista. Não basta o desejo – absolutamente reprovável – de fazer parte de um grupo de facínoras, tampouco repetir palavras ou proclamar juramentos não torna uma pessoa, automaticamente, um combatente do terror. É necessário que seja inserido na organização, mesmo que nos patamares mais inferiores, de modo que seja posicionado dentro de uma estrutura hierarquizada. O simples desejo de pertencimento ao Estado Islâmico, por mais abjeto que seja, não pode ser elevado à categoria de crime. Isso porque trata-se de um crime plurissubjetivo, de forma que demanda concurso necessário, ou seja, é necessário que alguém deseje se integrar e que alguém do grupo permita a entrada do novo membro. Assim, para que alguém possa ser considerado como integrante de qualquer organização terrorista, é necessário um contato com membros deste grupo, o que, as autoridades policiais informam que não resta evidenciado.

Ademais é necessário demonstrar que, fazendo o juramento, cada um dos acusados verdadeiramente pretendia devotar esforços para promover ações do Estado Islâmico. A mera bravata ou proclamação do juramento sem qualquer pretensão séria de participar das atuações terroristas da referida organização não possui relevância jurídica. Como bem lembrou o magistrado Marcos Jesegrei da Silva: "Nem tudo que uma pessoa preconiza no meio virtual, ela vai realizar no real" [FONTE]. 

É evidente que os serviços de inteligência podem ter mais informações além daquelas noticiadas. Por isso, como já é praxe, lembramos que a análise realizada se dá com fulcro, tão somente, nas informações parciais e trata-se, antes de qualquer outra coisa, de um estudo hipotético com base em dados incompletos.

Como não foram disponibilizados os conteúdos das mensagens postadas e compartilhadas pelos acusados, é difícil dizer se as condutas poderiam ser enquadradas como apologia ao crime (art. 287 do Código Penal) ou promoção do terrorismo (art. 3º da Lei Antiterrorismo), ainda que tais hipóteses não possam ser descartadas. Com base nos dados noticiados, não parecem existir fundamentos a acusação de integrar organização criminosa.

Acusação com base no art. 5º da Lei n. 13.260/2016.

O art. 5º da Lei Antiterrorismo criminaliza a prática de atos preparatórios quando inequívoco o intuito de realizar um atentado terrorista. Não se trata de mero desejo de realizar um ato de terror. Afinal de contas, pelo princípio da exterioridade da ação, o Direito Penal não admite a punição de meros pensamentos e desejos que são incapazes de produzir sensível modificação da realidade social.

Note-se que o presente delito estabelece uma exceção em relação à impunidade dos atos preparatórios dissociados do início dos atos executórios. Neste caso do art. 5º, caput, da Lei Antiterrorismo, verificada a prática de atos preparatórios - obtenção de material, alocação de pessoal, disposição de equipamentos, entre outros – estarão presentes os elementos necessários para a tipificação do delito, mesmo que os atos executórios do atentado terrorista, em si, não tenham sido iniciados. É importantíssimo lembrar que, para justificar tal exceção, devem estar demonstrados para além de qualquer dúvida razoável que os atos preparatórios estavam inequivocamente relacionados com a execução futura de um particular atentado terrorista que, somente não ocorreu, por circunstância alheia à vontade dos planejadores. Inclusive, o art. 10 da L. n. 13.260/2016 destaca a possibilidade de desistência voluntária na hipótese do crime de atos preparatórios para o terrorismo.

Para a tipificação desse delito é necessário que os agentes estejam amealhando condições materiais e pessoais para a realização de um atentado relativamente especificado em certos detalhes como tempo, local, vítimas e modo de execução. Dentre os atos executórios podem ser considerados a captação de recursos materiais para realização do ato de terror (armamento, dinheiro, meios de transporte e comunicação, entre outros), a reunião de elementos de Inteligência (informações sobre a rotina dos alvos, dados sobre a localização do alvo, entre outros dados sensíveis) e até o recrutamento do pessoal necessário para a realização do plano. Não basta, portanto, o desejo de uma pessoa ou de um grupo de indivíduos, para a tipificação do delito.

Também não basta que se reúnam tais elementos sem ter em vista a realização de uma específica atuação terrorista. O armazenamento de munição ou a estocagem de armas para eventuais atentados hipotéticos num futuro longínquo não bastam para a tipificação do delito. Exemplificando: Não basta que um pretendente de terrorista compre um caminhão sem que seja demonstrado que pretende usá-lo para praticar um homicídio em massa. A descrição típica do delito do art. 5º da Lei Antiterrorismo demanda que o propósito inequívoco de consumar tal delito, o que denota que os atos preparatórios devem estar irremediavelmente relacionados com um ato de terrorismo que, apesar de futuro, é relativamente determinado em sua forma, local, tempo e vítimas. A mera possibilidade de ato terrorismo futuro, completamente indeterminado, não é suficiente para satisfazer as exigências típicas do referido texto normativo.

Analisando o pouco informado sobre as condutas dos presos na Operação Hashtag, somente dois deles praticaram ações dignas de comentários.

Um dos presos teria convocado outros para um treinamento de artes marciais e para o uso armas de fogo. Não existe informação se a reunião de fato ocorreu, se existia um programa de treinamento e, mais importante, se este treinamento estava orientado para a realização de um atentado em particular. Para a tipificação do delito, o treinamento deve ser parte de um planejamento direcionado a um específico atentando. O mero ato de realizar ou participar treinamento para a formação genérica de um combatente terrorista somente seria considerado delito, se e somente se, o agente que realiza ou participa do treinamento o faz em país diverso daquele de sua nacionalidade ou residência, nos termos do art. 5º, §1º, II da L. n. 13.260/2016.

Informou-se ainda que um dos presos tentou comprar um fuzil de assalto, sem que lograsse êxito. Sobre esta questão, três pontos devem ser levantados: (a) é indispensável demonstrar que o fuzil seria adquirido com o propósito de usar em um atentado terrorista determinado, caso contrário, melhor enquadramento seria nos termos do art. 16 do Estatuto do Desarmamento (L. n. 10.826/2003) desde que a arma fosse adquirida ou que, pelo menos, existisse tentativa idônea de adquiri-la; (b) considerando que o agente teria entrado em contato com um empresa com o escopo de comprar um fuzil de assalto, deve-se levar em conta a possibilidade de crime impossível (art. 17 do Código Penal), pois tentou comprar legalmente um armamento de uso restrito, o que seria inviabilizaria a compra; (c) a tentativa de compra, sem mais informações, não oferece muitos elementos para extrapolar uma resposta adequada conforme o Direito, mas cumpre dizer que a tentativa de atos preparatórios para uma futura tentativa de atentado terrorista parece ser uma despropositada aplicação de uma norma que deve ser objeto de cuidadosa análise.

CONCLUSÃO: Ao que parece, com base unicamente nas parcas informações disponibilizadas nos jornais, não é adequada a tipificação dos delitos presentes na Lei Antiterrorismo. No primeiro caso, o simples ato de proferir um juramento sem contato direto com algum membro da organização terrorista não é suficiente para tornar-se integrante do referido grupo. No caso de atos preparatórios, não foi apresentada qualquer evidência de que existiria um atentado terrorista sendo planejado, o que afasta a tipificação deste delito. Conforme destacamos, a análise oferecida é uma mera extrapolação de informações incompletas que foram coletadas nos meios de imprensa, sendo de se levar em conta a possibilidade dos serviços de inteligência conhecerem dados sensíveis que não foram divulgados para o público.