terça-feira, 11 de março de 2014

Peça prático-profissional de Direito Penal [2ª Fase do XII Exame do Ordem Unificado - 09/02/2014]


Atendendo à solicitações de alunos, procede-se à análises das questões de Direito Penal da 2ª Fase do XII Exame de Ordem Unificado que aconteceu no dia 09 de fevereiro de 2014.

Neste post será analisada a peça prático-profissional.


ENUNCIADO

Rita, senhora de 60 anos, foi presa em flagrante no dia 10/11/2011 (quinta-feira), ao sair da filial de uma grande rede de farmácias, após ter furtado cinco tintas de cabelo. Para subtrair os itens, Rita arrebentou a fechadura do armário onde estavam os referidos produtos,  conforme imagens gravadas pelas câmeras de segurança do estabelecimento. O valor total dos itens furtados perfazia a quantia de R$49,95 (quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos).

Instaurado inquérito policial, as investigações seguiram normalmente. O Ministério Público, então, por entender haver indícios suficientes de autoria, provas da materialidade e justa causa, resolveu denunciar Rita pela prática da conduta descrita no Art. 155, § 4º, inciso I, do CP (furto qualificado pelo rompimento de obstáculo). A denúncia foi regularmente recebida pelo juízo da 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado ‘X’ e a ré foi citada para responder à acusação, o que foi devidamente feito. O processo teve seu curso regular e, durante todo o tempo, a ré ficou em liberdade.

Na audiência de instrução e julgamento, realizada no dia 18/10/2012 (quinta-feira), o Ministério Público apresentou certidão cartorária apta a atestar que no dia 15/05/2012 (terça-feira) ocorrera o trânsito em julgado definitivo de sentença que condenava Rita pela prática do delito de estelionato. A ré, em seu interrogatório, exerceu o direito ao silêncio. As alegações finais foram orais; acusação e defesa manifestaram-se. Finda a instrução criminal, o magistrado proferiu sentença em audiência. Na dosimetria da pena, o magistrado entendeu por bem elevar a pena-base em patamar acima do mínimo, ao argumento de que o trânsito em julgado de outra sentença condenatória configurava maus antecedentes; na segunda fase da dosimetria da pena o magistrado também entendeu ser cabível a incidência da agravante da reincidência, levando em conta a data do trânsito em julgado definitivo da sentença de estelionato, bem como a data do cometimento do furto (ora objeto de julgamento); não verificando a incidência de nenhuma causa de aumento ou de diminuição, o magistrado fixou a pena definitiva em 4 (quatro) anos de reclusão no regime inicial semiaberto e 80 (oitenta) dias-multa. O valor do dia-multa foi fixado no patamar mínimo legal. Por entender que a ré não atendia aos requisitos legais, o magistrado não substituiu a pena privativa de liberdade por pena restritiva de direitos. Ao final, assegurou-se à ré o direito de recorrer em liberdade.

O advogado da ré deseja recorrer da decisão. 

Atento ao caso narrado e levando em conta tão somente as informações contidas no texto, elabore o recurso cabível.

RESPOSTA:

O recurso cabível no problema proposto é a APELAÇÃO CRIMINAL com fulcro no art. 593, I, do CPP. Importante a lembrança que:

O órgão competente para julgar recursos pode ser: o que proferiu a primeira decisão, denominado também de juízo "a quo", como nos casos de embargos de declaração e o protesto por novo júri. Ou outro órgão de instância superior , tendo a denominação de juízo "ad quem" julgando portanto, a apelação, os recursos em sentido estrito, os embargos infrigentes, o recurso especial, o recurso extraordinário e o recurso ordinário. Em regra, o recurso e reexaminado por órgão hierarquicamente superior, pois estão de um modo geral intrinsecamente ligados ao princípio do duplo grau de jurisdição. (COSTA JÚNIOR, D. J. da. 2014).

Digno de nota é que

Interposto o recurso no juízo a quo, o que somente não ocorre com o agravo de instrumento, o controle da admissibilidade é feito pelo próprio autor do pronunciamento recorrido. Também têm competência para esse exame o relator (CPC, artigos 531, 542, § 1° e 557) e o órgão ad quem (BEDAQUE, J. R. dos S.)

No caso da Apelação criminal, a petição de interposição deve ser endereçada ao Juiz da 41ª Vara Criminal da Comarca da Capital do Estado "X" (juízo a quo), sendo que as respectivas razões devem ser endereçadas ao Tribunal de Justiça do Estado "X" (juízo ad quem). Indica-se o modelo presente neste sítio.

É importante ao examinado a capacidade de selecionar no texto do enunciado os fatos juridicamente relevantes e, nestes termos, superada as questões processuais resta importante reconhecer as razões que fundamentam o recurso de apelação.

O primeiro fato que chama atenção é o valor da res furtiva. Segundo o enunciado do problema, Rita teria subtraído 5 (cinco) tinturas de cabelo avaliadas no montante de R$ 49,95 (quarenta e nove reais e noventa e cinco centavos). Desde tal valor é possível sustentar a atipicidade material da conduta da idosa com base no princípio da bagatela (da insignificância).

O problema é que não existe uma régua precisa para determinação da insignificância no crime de furto. Aliás, segundo sugere o Min. Celso de Mello, para determinação da insignificância da conduta e da consequente atipicidade material da fato, deverá lançar-se mão da análise de quatro aspectos:

"O princípio da insignificância – que considera necessária, na aferição do relevo material da tipicidade penal, a presença de certos vetores, tais como (a) a mínima ofensividade da conduta do agente, (b) a nenhuma periculosidade social da ação, (c) o reduzidíssimo grau de reprovabilidade do comportamento e (d) a inexpressividade da lesão jurídica provocada - apoiou-se, em seu processo de formulação teórica, no reconhecimento de que o caráter subsidiário do sistema penal reclama e impõe, em função dos próprios objetivos por ele visados, a intervenção mínima do Poder Público em matéria penal" (HC 92.463-8 RS - Rel. Min. Celso de Mello).

Pois bem, a análise complexa de tais variáveis pode não ser favorável à cliente. Neste caso, informado pelo princípio da ampla defesa, cabe ao advogado o levantamento de teses subsidiárias.

Caso seja o entendimento do Tribunal de Justiça pela mantença da tipicidade material da conduta e, por implicação, da condenação pelo crime de furto, é ainda possível sustentar, subsidiariamente, que Rita é merecedora da privilégio constante no art. 155, § 2º do Código Penal.

Art. 155. [...].
§ 2º - Se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la de um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa.

Os requisitos objetivos para que o privilégio do art. 155, § 2º possa ser considerado como um direito público subjetivo da condenada em questão resumem-se à dois: a) primariedade; e b) pequeno valor da coisa furtada.

Por certo, se o Tribunal de Justiça afastar a aplicação do princípio da insignificância ao caso de Rita, não é possível deixar de compreender que os R$ 49,95 se constituem então em um montante de pequeno valor.

No que tange a questão sobre a primariedade de Rita é necessário bastante atenção. Devemos lembrar que a pessoa será considerada primária, para efeitos penais, nas situações em que é impossível reconhecer a reincidência. Dito doutra maneira: Primário não é aquele que nunca cometeu crime anterior; primário é aquele que, juridicamente, não é reincidente.

Observando os arts. 63 e 64 do Código Penal:

Art. 63 - Verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior.

Art. 64 - Para efeito de reincidência:

I - não prevalece a condenação anterior, se entre a data do cumprimento ou extinção da pena e a infração posterior tiver decorrido período de tempo superior a 5 (cinco) anos, computado o período de prova da suspensão ou do livramento condicional, se não ocorrer revogação;

 II - não se consideram os crimes militares próprios e políticos.

Aplicando o disposto no art. 63 do Código Penal ao problema apresentado no enunciado, resta absolutamente claro que Rita não é reincidente, uma vez que quando praticou a subtração dos frascos de tintura (10 de novembro de 2011), ainda não era condenada por sentença transitada em julgado por crime anterior. Em suma: o fato da condenação pelo crime de estelionato ter transitado em julgado (15 de maio de 2012), antes, portanto, da sentença do crime de furto (18 de outubro de 2012), é absolutamente irrelevante para efeitos de reincidência. Somente seria o caso de reconhecer a reincidência se o trânsito em julgado da condenação pelo estelionato tivesse ocorrido em data anterior à prática da subtração.

Neste caso, sendo ela primária e de pequeno valor a coisa subtraída, todos os elementos necessários para que  o reconhecimento do privilégio estão presentes.

Ainda, não configurada a reincidência, como ficou demonstrado anteriormente, é possível contestar o cálculo da pena. Mesmo que seja possível o reconhecimento de maus antecedentes na 1ª fase da dosimetria (determinação da pena-base), o magistrado pecou pelo reconhecimento da agravante de reincidência (2ª fase da dosimetria), inaplicável ao caso em pauta. Aliás, é digno de nota que, ainda que hipoteticamente fosse reconhecível a reincidência de Rita - o que não é o caso, conforme explicado - não é possível que a mesma sentença condenatória por estelionato fundamente, simultaneamente, maus antecedentes e reincidência. Proceder desta maneira é, juridicamente, impossível face a proibição de bis in idem.

Não logrando êxito a tese da atipicidade material face o princípio da insignificância, é de se notar que o afastamento da reincidência também permitiria a reforma da decisão quanto ao regime inicial de cumprimento de pena. Sendo Rita primária e a pena fixada em 4 (quatro anos), nos termos do art. 33, § 2º do Código Penal, seria indicado o regime inicial aberto, ao invés do regime semi-aberto ao qual ela foi condenada.

Outro efeito do afastamento da reincidência é habilitar Rita ao benefício da substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos, nos termos do art. 44 do Código Penal.

Sendo assim, expostas as razões, deve-se SEMPRE lembrar de elaborar os pedidos. Em suma, são eles:

a) Absolvição com base na atipicidade material da conduta;
b) Subsidiariamente, aplicação do privilégio nos termos do art. 155, § 2º do Código Penal;
c) Diminuição da pena com base no afastamento da agravante de reincidência:
d) Fixação do regime aberto para o início do cumprimento de pena; e
e) Substituição da pena privativa de liberdade por outra restritiva de direitos nos termos do art. 44 do Código Penal.

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