A 3ª Turma do Tribunal Regional Federal
da 1ª Região deu provimento ao recurso e recebeu denúncia feita pelo
Ministério Público Federal (MPF) contra dono de duas fazendas
localizadas no Município de Nova Canaã do Norte, no estado de Mato
Grosso. Na referida peça, o MPF relata que oito trabalhadores foram
encontrados sob tratamento análogo ao de escravos, estando sujeitos a
condições degradantes de trabalho, na forma do artigo 149 do Código
Penal.
Em razão da representação, foi realizada fiscalização nas duas
fazendas pela Equipe de Fiscalização Móvel do Ministério do Trabalho e
Emprego, oportunidade em que foram descobertos os trabalhadores rurais
reduzidos à condição análoga de escravos. Durante o procedimento de
fiscalização, foi observado que aos trabalhadores eram oferecidos, como
alojamento, barracos de pau-a-pique com lonas plásticas dentro da mata,
sem dependências destinadas à higiene pessoal ou à satisfação das
necessidades fisiológicas, que eram feitas na mata. Os banhos e a
limpeza dos utensílios e roupas eram feitos em córregos próximos aos
alojamentos.
As refeições eram preparadas em fogões
rústicos de barro e consumidas em bancos improvisados. A carne era
armazenada dentro de baldes, imbuída em gordura para conservação,
ficando exposta a animais domésticos e silvestres, além de insetos
vetores de enfermidades. Observou-se também que os trabalhadores não
utilizavam calçados, roupas, luvas, óculos, ou outros equipamentos de
proteção próprios para o trabalho que estavam executando.
Por meio do depoimento dos trabalhadores
e do denunciado ficou confirmado que o dono das fazendas tinha ciência
das condições de trabalho de seus empregados.
Desta forma, o MPF afirmou que “é
inconteste que os trabalhadores eram mantidos em condições análogas à de
escravo, uma vez que eram sujeitos a dormirem em barracos sob a
proteção de lonas plásticas, alimentação precária, sem disponibilidade
de água potável, dividindo o ambiente com animais peçonhentos, vivendo
sem quaisquer condições de higiene, além de ficarem distantes, por
vários quilômetros, dos locais de origem. Estavam submetidos, enfim, ao
mais degradante e hostil ambiente de vida.”
O juízo de primeiro grau rejeitou a
denúncia declarando que “em nenhum momento os depoentes falaram em
trabalhos forçados, sob vigilância ou com restrição do seu direito de ir
e vir” e que “para efeitos penais não se deve confundir ilícitos
trabalhistas com práticas criminosas”, afirmou o magistrado.
Inconformado, o MPF recorreu ao TRF1
alegando que “a conduta do acusado demonstra uma atuação totalmente
contrária à legislação trabalhista vigente e aos valores sociais do
trabalho, configurando a busca desenfreada pelo lucro e produtividade em
suas propriedades rurais, devendo sofrer as sanções penais pelo ilícito
praticado”. Afirmou ainda que foi comprovado, por meio dos depoimentos
dos trabalhadores, que eles estavam sujeitos a condições desumanas e
submetidos a trabalhos forçados, jornadas exaustivas e situações
degradantes, incompatíveis com a dignidade da pessoa humana.
O relator, desembargador federal Mário
César Ribeiro, após analisar o caso, recebeu a denúncia do Ministério
Público. Segundo o magistrado, “trata-se de relato que descreve e
demonstra, através de inúmeras fotografias, a submissão de grupo de
trabalhadores a condições degradantes de trabalho, pelas características
do alojamento em que pernoitavam e faziam suas refeições, pela
inexistência de água potável, dentre outras práticas da mesma espécie,
tudo com o intuito de se obter lucro fácil, mediante utilização de
mão-de-obra, às vezes, praticamente gratuita, na exploração de
serviços”, analisou o julgador.
O desembargador registrou ainda que
“reduzir uma pessoa à condição de escravo é reduzi-la a uma coisa,
tratá-la como sua propriedade, colocando-a em um estado de sujeição
total, em condições degradantes, semelhante à situação de um escravo, em
que o fim será a prestação de trabalho, não sendo necessária a
restrição do seu status libertatis”.
Por fim, o relator votou pelo
recebimento da denúncia: “Como se pode verificar dos termos acima
expostos, encontram-se evidenciados indícios de autoria e materialidade,
apresentando-se a denúncia formal e materialmente correta; demonstrando
de forma clara e objetiva o fato supostamente criminoso, com todas as
suas circunstâncias”.
A decisão foi unânime.
Nenhum comentário:
Postar um comentário