terça-feira, 28 de junho de 2016

Olimpíadas: Qual seria o delito de apagar a tocha olímpica?



No dia 26 de junho de 2016, na cidade de Maracaju (MS) um homem, conhecido como “Marcelinho”, foi preso ao jogar um balde d’água em direção à tocha olímpica com o propósito de extinguir a chama. Veja o vídeo abaixo. Foi preso em flagrante logo depois de perseguição pelas forças policiais que escoltavam o símbolo olímpico. Uma vez capturado, informou que a tentativa de apagar a tocha não passava de uma brincadeira. Conduzido para a delegacia, foi liberado mediante o pagamento de fiança.



Resta, entretanto, uma dúvida pertinente: Qual teria sido o crime praticado nesta situação? Segundo as autoridades policiais, Marcelinho foi autuado pelo crimede tentativa de dano ao patrimônio cultural (art. 62, I da L. n. 9.605/98) que assim dispõe: 

Art. 62. Destruir, inutilizar ou deteriorar: 
I - bem especialmente protegido por lei, ato administrativo ou decisão judicial;
[...]
Pena - reclusão, de um a três anos, e multa.

Em defesa de Marcelinho três teses poderiam ser arguidas:

(a) a conduta não preenche os elementos exigidos para a tipificação do delito previsto no art. 62, I da L. n. 9.605/98. A razão é simples. Apesar dos símbolos olímpicos serem tutelados nos termos do art. 3º da L. n. 13.284/2016 - que nos remete ao art. 125 da L. n. 9.279/1996 (Lei da propriedade industrial) - eles são protegidos enquanto marca e não como patrimônio cultural. Não basta que sejam bens especialmente protegidos por lei. Devem sê-los enquanto patrimônio cultural. Sendo assim, não fazem jus à proteção jurídica da Lei de Crimes Ambientais. Ademais, simplesmente apagar o mais caro "isqueiro" do mundo dificilmente pode ser considerado como danificar, porquanto pode ser reacendido facilmente.

(b) trata-se de hipótese de ausência de lesividade ao bem jurídico [atipicidade material da conduta], uma vez que a caravana olímpica está preparada para tais contingências e traz consigo outras quatro lamparinas devidamente protegidas que podem ser utilizadas para reacender a tocha. Dito isso, mesmo que Marcelinho fosse capaz de apagar a chama da tocha, seria possível reacendê-la com a mesma chama que foi produzida em Atenas. Apesar do constrangimento público e da quebra do cerimonial, não seria o caso de qualquer lesão ao bem jurídico tutelado.

(c) trata-se de crime impossível [Art. 17 do Código Penal], uma vez que a tocha olímpica foi projetada para resistir ao vento e chuvas moderadas [FONTE], seria improbabilíssimo que jogando um balde d’água, daquela distância e com tanta dispersão do líquido, que Marcelinho lograsse êxito em extinguir a chama [meio absolutamente ineficaz]; 

Ainda sobre a atipicidade material da conduta cumpre destacar que, apesar do objeto material ser um bem corpóreo (a tocha olímpica), o bem jurídico tutelado é o patrimônio imaterial. Na situação em pauta, trata-se do valor cultural da chama que acesa na Grécia é, por tradição, a mesma que coloca fogo na pira olímpica. Considerando que tal tradição não seria colocada em perigo pelas precauções tomadas pela organização, não se pode dizer de lesão ao bem jurídico tutelado. Esta mesma linha de argumentação reforça também a tese de crime impossível. Uma vez que mesmo que o meio escolhido fosse hábil para extinguir a chama da tocha, não seria idôneo para impedir que a fogo criado na Grécia seja utilizado na ignição da pira olímpica no Rio de Janeiro. 

Tampouco se trata de crime de dano qualificado contra o patrimônio público (art. 163, parágrafo único, III do Código Penal), uma vez que a conduta praticada não se amolda a nenhum dos verbos ("destruir", "inutilizar" ou "deteriorar") que descrevem o crime de dano. Lembrando que o objeto da conduta, neste caso, é a tocha olímpica; mesmo que o sujeito ativo lograsse êxito em extinguir a chama, daí não resulta, por óbvio a destruição ou deterioração apreciável da tocha. Ademais, não há de se falar em inutilização, na medida que mesmo apagando a chama, não é possível reconhecer tal verbo enquanto possível reacendê-la. No mais, os argumentos opostos ao dano contra o patrimônio cultural são também aplicáveis nesta situação, exceto, é claro, sobre a natureza bem especialmente protegido enquanto patrimônio imaterial.

O enquadramento jurídico mais correto para a solução deste busílis é socorrer-se no art. 40 da Lei de Contravenções Penais ("Art. 40. Provocar tumulto ou portar-se de modo inconveniente ou desrespeitoso, em solenidade ou ato oficial, em assembléia ou espetáculo público, se o fato não constitue infração penal mais grave;"). Ainda assim, considerando o caráter fragmentário e o princípio da intervenção mínima, seria ainda mais adequado reconhecer que tal conduta situa-se no limiar da liberdade de manifestação do pensamento e da crítica política..


CONCLUSÃO: A conduta analisada, não preenche os elementos típicos da norma incriminadora do art. 61, I da L. n. 9.605/98, tampouco do art. 163 do Código Penal, e mesmo que fosse o caso, não é dotada de relevância para o Direito Penal pois trata-se de caso de atipicidade material (ausência de lesividade ao bem jurídico tutelado) ou hipótese de crime impossível (art. 17 do Código Penal]. Quando muito, não se tratando de conduta incriminada pelo art. 61, I da Lei de Crimes Ambientais nem daquela tipificada pelo art. 163 do Código Penal, pode ser o caso do disposto no art. 40 da Lei de Contravenções Penais. A resposta mais adequada, entretanto, seria pela irrelevância penal da conduta.

PS1: Uma última observação faz-se pertinente no que se refere ao Direito Penal e as Olimpíadas. Salienta-se que a Lei Geral das Olimpíadas [L. n. 13.284/2016] estabelece ainda novos tipos penais, a saber: (a) arts. 17 e 18 – utilização indevida de símbolos oficiais; (b) art. 19 – marketing de emboscada por associação; e (c) art. 20, marketing de emboscada por intromissão.  Tais delitos são previstos em normas penais temporárias e, portanto, com termo final de vigência (31 de dezembro de 2016) preestabelecido em lei.

PS2: Outras fontes indicam que o crime pelo qual Marcelinho foi autuado seria o crime tentado de dano ao patrimônio público (art. 163, parágrafo único, III do Código Penal). Ainda assim, restaria a conduta atípica, pois o simples apagar da tocha olímpica não poderia ser considerado como destruir, inutilizar, tampouco, deteriorar.

ATUALIZAÇÃO: Destacando notícia do dia 6 de julho de 2016, o juiz competente da comarca de Cascavel decidiu pela atipicidade da conduta.

 

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