terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Ofensas politicamente corretas

O texto "Xingamento" do comediante da Porta dos Fundos e colunista da Folha de São Paulo sobre xingamentos é um perfeito exemplo de falha argumentativa, na qual um argumento precedente verdadeiro e uma conclusão também verdadeira não guardam qualquer relação.

Parte da constatação que a maioria dos xingamentos dirigidos contra as mulheres são essencialmente decorrentes de juízos de valores sobre a devassidão sexual. É pois correta a afirmação do colunista que o desejo de ofender as mulheres na maioria dos casos se concretiza através de injúrias que recaem ora sobre o seu comportamento sexual (puta, por exemplo), ora sobre seu corpo (gorda, por exemplo). Sustenta também que os corriqueiros xingamentos dirigidos contra homens também são relacionados ao comportamento sexual das mulheres (filho da puta, por exemplo). A partir destas premissas verdadeiras, dá um salto dedutivo para afirmar que a sociedade brasileira é fundamentalmente machista, uma outra proposição verdadeira.

Mas se o ponto de partida é verdadeiro e o o resultado do processo argumentativo também é verdadeiro, qual seria a falha argumentativa?

Primeiramente poder-se-ia dizer da própria essência da injúria pessoal. Por certo, uma ofensa dirigida à uma pessoa somente pode ser considerada como tal se atenta contra sua dignidade ou decoro. Não importa que a injúria não passe da explicitação da verdade ou que se mostre completamente injusta e divorciada da realidade. O objetivo essencial da ofensa pessoal é atentar contra um valor íntimo que constitui-se em um elemento central da própria identidade individual. Em suma, somente pode ser caracterizada como injúria aquela ofensa que possui o potencial de lesar a dignidade do ofendido.

Partindo de tais considerações, como analisar o comentário seguinte do colunista Duvivier?

"Baranga, tilanga, canhão, dragão, tribufu, jaburu, mocreia. Nenhum dos xingamentos estéticos tem equivalente masculino. Nunca vi ninguém dizendo que o Lula é feio: 'O Lula foi um bom presidente, mas no segundo mandato embarangou'. Percebam que ele é gordinho, tem nariz adunco e orelhas de abano. Se fosse mulher, tava frito. Mas é homem. Não nasceu pra ser atraente. Nasceu pra mandar. Ele é xingado. Mas de outras coisas".

Ora, ofende-se a mulher usando de tais adjetivos pejorativos por que o ofensor supõe, corretamente, que a maioria das mulheres sentiriam-se injuriadas.  Por que não se ofende o homem com similares ofensas estéticas? Muito por que os homens, em regra, não se preocupam tanto com isso. 

Não é incomum brincadeiras e autodepreciação entre homens que brincam com a própria falta de condição física, excesso de peso e calvice.

Uma ofensa é portanto constituída de duas partes. O desejo de injuriar daquele que ofende e o sentimento de vexação daquele que é alvo do impropério. 

Se o ofensor é polido e explica os fundamentos racionais de suas considerações o que se dá é uma crítica e não uma ofensa. Se o ofendido não é ferido moralmente, a ofensa é inexistente ou absolutamente insignificante. É o caso de chamar alguém de "nerd" - inicialmente um termo pejorativo - quando o alvo da ofensa aceita a qualificação como positiva.

Trata-se então, a escolha do xingamento, não de uma arbitrariedade do ofensor. No caso de uma injúria, é necessário que aquele que a profere faça um prognóstico da efetividade da injúria, ou seja, ele, muito em razão do conhecimento real da vítima ou de suas concepções prévias, agride moralmente a pessoa naquilo que ele julga que a vítima tem como importante. 

A multiplicidade de injúrias estéticas e relacionadas ao comportamento sexual são utilizadas, portanto, em muito pela simples razão de serem tomados como profundamente ofensivos pela pessoa xingada ou vilipendiada em sua honra. 

O colunista Duvivier continua sua linha de raciocínio: "Filho da puta, filho de rapariga, corno, chifrudo. Até quando a gente quer bater no homem, é na mulher que a gente bate. A maior ofensa que se pode fazer a um homem não é um ataque a ele, mas à mãe — filho da puta- ou à esposa — corno".

Se o homem é ofendido por xingamentos relacionados à promiscuidade materna ou da cônjuge, pode-se dizer até de um problema freudiano. Pode-se dizer que identidade masculina está relacionada com a certeza de sua filiação. Que a autoestima do homem depende, em muito, da sua capacidade de satisfazer a parceira. Poder-se-ia dizer, mesmo, que o brasileiro adora, acima de tudo a própria mãe.

Considerando então que as injurias são escolhidas, antes de mais nada, por serem ofensivas à pessoa contra a qual são direcionadas, pode-se concluir que a maioria das mulheres dá mais valor aos aspectos estéticos e comportamentais do que os homens.

O problema é que mesmo que tais xingamentos sejam cotidianamente usados - por homens e mulheres - isso não é uma prova do machismo nacional. Outras evidências como a desigualdade de oportunidades, diferenças salariais e dados sobre violência doméstica seriam muito mais adequadas para tal sustentação.

Conclui Duvivier: "Pobres putas. Pobres filhos da puta. Eles não têm nada a ver com isso. Deixem as putas e suas famílias em paz. Deixem as barangas e os viados em paz. Vamos lembrar (ou pelo menos tentar lembrar) de bater na pessoa em questão: crápula, escroto, mau-caráter, babaca, ladrão, pilantra, machista, corrupto, fascista. A mulher nem sempre tem culpa".

O fato do brasileiro não se ofender tanto como xingamentos morais é uma questão interessante. Mas a conclusão do texto é no mínimo contraditória, pois parece dizer: "Olha, quando quiser ofender não seja ofensivo". Não se escolhe a ofensa por ela ser verdadeira ou justa, escolhe-se por ser ofensiva. Trata-se pois de uma questão de eficiência. Se se ofende tanto com tais xingamentos e menos com outros é por que o brasileiro se ofende mais desta e não daquela forma.

Fica a parecer, pela opinião de Gregório Duvivier que, quando quiser ofender uma mulher, deve-se ser politicamente correto. Seria melhor concluir que não devemos ofender ninguém.

Um comentário:

  1. Adorei... a política cultural sexista em que vivemos é que produz "escrotisses" dessa espécie. Melhor mesmo é se desligar dela, e deixar de se importar com tudo isso. Mas aí, precisaríamos viver tal qual Robinson Cruzoé... ou seja, vivendo em sociedade, impossível não ser envolvido, ou mesmo consumido, ou corrompido por ela.

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