quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Racismo: A resposta fácil e incorreta no debate do rolezinho



 

Retirado do grande discurso proferido por Martin Luther King no dia 28 de agosto de 1963, pode-se considerar que o racismo nada mais é do que a odiosa prática de julgar uma pessoa pelo que ela é e não pelo que ela faz. A abominável prática do racismo fere, frontalmente, o cerne do princípio da dignidade da pessoa humana ao negar o fundamental dogma que alicerça todos arcabouço dos direitos humanos pois desconhece a inegável verdade que todos os seres humanos, independentemente de qualquer qualidade acessória, são fundamental e universalmente iguais no plano valorativo da existência individual. 

Nestes termos, a prática do racismo, criminalizada nos termos da Lei n. 7.716, de 5 de janeiro de 1989, está diretamente vinculada com a prática de julgar as pessoas não por suas ações, mas pelas características acessórias que integram a própria identidade do discriminado (raça, cor, etnia, religião, procedência regional, nacionalidade e orientação sexual), obstaculizando em razão de tais preconceitos os direitos de determinadas pessoas ou grupo de pessoas. É justamente aqui, superadas as preliminares conceituais, que nos voltamos ao tema deste post.

Aceitando de início que o racismo existe no Brasil e pode ser cabalmente demonstrado por várias práticas que, para vergonha nacional, repetem-se cotidianamente. Diferenças de oportunidades e salariais são um forma objetiva de demonstrar que muito é necessário fazer para purgar o mal da discriminação racial de nossa sociedade. A composição ministerial da atual Presidente da República também pode ser dado como exemplo. Mas, seria o rolezinho também um exemplo de discriminação racial? 

Nos termos da recente entrevista da Ministra da Igualdade Racial Luiza Bairros: "De um lado está a percepção de grande parcela da juventude de que não tem direito a todos os espaços da cidade. Através dessa manifestação, eles reivindicam participação e presença nesses lugares, que foram reservados a pessoas de mais alta renda, majoritariamente branca. A manifestação dos jovens revela, por outro lado, aquilo que eles leram muito bem: existe uma parcela da sociedade que não quer a presença deles em determinados lugares. Então você vê manifestação de discriminação racial muito explícita em relação a esses movimentos. Em muitos sentidos, a liminar que proíbe a entrada dos jovens nos shoppings, ou pelo menos dá o direito de selecionarem quem entra ou não, é uma situação racista. A liminar consagra um processo de segregação racial do espaço, o que esses jovens conseguiram perceber muito nitidamente"

Segundo as palavras da Ministra, o rolezinho seria, antes de qualquer coisa, uma resposta social à segregação racial da juventude negra perpetrada pela elite branca que domina os corredores dos shopping centers brasileiros. Estaria a Ministra correta?

Salvo por novos fatos que eventualmente venham à tona, a Ministra está equivocada, pois o caráter de discriminação racial pode ser desmentido por alguns fatos, conforme noticiado.

Os organizadores dos rolezinhos e os participantes do rolezinho são frequentadores assíduos de shopping centers, fato comprovado pelas recentes entrevistas em jornais escritos e televisionados. Eles não estão segregados destes espaços de consumo, como deixa entender a Ministra, pelo contrário, eles estão integrados no espaço e na cultura consumista destes "templos capitalistas".

A relação entre o fenômeno do rolezinho e do funk ostentação indica que o pleno emprego (propalado pelo governo petista), a democratização do crédito (propalado pelo governo petista), a diminuição da desigualdade social (propalada pelo governo petista), o aumento da classe média (propalado pelo governo petista) e o acesso aos bens de consumo (propalado pelo governo petista) teriam sedimentado nas parcelas da classe C e D os valores consumistas da classe mais alta.

O rolezinho, assim, trata-se, antes de uma indicação de segregação racial, de uma demonstração da integração de uma significativa parcela social nas relações de consumo. Esse fenômeno de integração da classe C e D na sonho consumista "pequeno burguês" pode ser demonstrado também pela construção de shopping centers, como o de Itaquera. A própria ABRASCE (Associação Brasileira de Shopping Centers), lá nos idos de 2008, já reconhecia o filão de negócios que a inclusão da Classe C e D representava e, mais do que nunca, representa.

André Singer (Porta-Voz da Presidência durante o primeiro mandato de Lula) é no mesmo sentido: "O que parece ter acontecido foi um processo em duas etapas. Numa primeira etapa, o acesso aos bens de consumo imediato, desde comida e roupas, até celulares, TV de plasma e DVD. Numa segunda fase, que ocorreu por volta de 2008, e foi um elemento interessante no combate da crise econômica desse mesmo ano, parece ter havido um acesso a automóveis e casa própria, sobretudo por meio do Minha casa, minha vida [programa do Governo Federal]. Neste momento, passamos a falar de pessoas em outro patamar, porque estamos levando em conta bens mais caros e mudanças estruturais, sobretudo quando se fala a respeito de moradia".

Como se pode verificar, ao contrário do que sustenta a Ministra, os shopping centers constituem-se em bons exemplos de integração social. Tornaram-se, em muitos casos, a "praia" de uma determinada cidade, local elegido por jovens e adultos como ponto de encontro, diversão e consumo. A transformação do shopping em um local de encontro em muito pode ser explicado pela deterioração das condições de segurança pública e pela ausência de espaços públicos para a satisfação das necessidades sociais. Mas de qualquer modo, ao que tudo indica, em regra, os shopping centers enquanto "templos do consumismo", não podem ser dados como exemplos de espaços de segregação racial e social em tempos de crescimento do poder de consumo da classe C e D. Os fatos e o discurso do governo vão em outro sentido.

Mas se o rolezinho não está sendo reprimido por motivos raciais, pelo que seria? Entrevistas de organizadores destes rolezinhos indicam que tais encontros já eram realizados a pelo menos três anos atrás, e que alguns encontros aconteceram mesmo em shopping centers sem que qualquer problema fosse notificado (mais um fato que desautoriza a tese da segregação racial). O que mudou? Aparentemente, o que mudou foi a escala dos eventos, que de uma hora para outra experimentaram um grande crescimento no número de participantes. O grande número de participantes, em alguns casos, alcançando a casa do milhar.

O grande número de participantes potencializa a ocorrência de problemas. Um evento desta magnitude, não raro, também atrairá oportunistas que se aproveitam da falta de organização e do despreparo do local para a prática de contravenções penais e crimes. Assim ocorre, por exemplo, em jogos de futebol, shows de rock e outros capazes de grandes aglomerações. Não se trata de dizer que o crime acompanha os jovens da periferia, trata-se de reconhecer que grandes eventos, especialmente aqueles carentes de organização e segurança, oferecem boas oportunidades para que pessoas pratiquem crimes e contravenções.

Dito desta forma, o problema não é a cor da pele dos participantes, mas sim o número de participantes, independentemente da raça ou classe social. Trata-se, pois, de reconhecer que quanto maior o número de pessoas em um determinado evento, por certo, maior é a necessidade de organização e segurança.

Não é o caso de dizer, como quer a Ministra que: "os problemas que têm havido são derivados da reação das pessoas brancas que se assustam com essa presença [dos jovens nos shoppings]". Isso sim é racismo, senhora Ministra. Julgar que os problemas são culpa de uma determinada pessoa não pela qualidade de suas ações ou caráter, mas em razão da cor de sua pele. Dito de outra forma, os problemas derivados do rolezinho não são explicados pelos participantes serem negros ou pela reação dos brancos. Qualquer pessoa que diga em um ou outro sentido está sendo fundamentalmente preconceituoso. Os problemas relacionados com o rolezinho explicam-se por que eventos com grandes números de participantes tendem a apresentar distúrbios em maior ou menor grau conforme mais ou menos adequado o espaço no qual se realiza e a organização que lhe é dedicada.

Sendo assim, parece ser o caso de uma incorreta interpretação do fenômeno rolezinho por parte da Ministra. O Shopping Center não está a recusar o consumidor negro, as decisões não autorizam a segregação racial e não permitem a utilização de critérios racistas para a determinação da entrada no estabelecimento. O que o estabelecimento comercial está a sustentar é que, independentemente da cor ou da procedência social dos participantes, ele não deve ser obrigado a arcar com a segurança de um evento que supera sua capacidade.














Um comentário:

  1. Toda a questão é que existem dois "hot buttons" que são apertados pela esquerda festiva para resolver qualquer problema: guerra de classes e racismo. Afinal de contas quem quer ser contra os "pobrezinhos que querem apenas lutar por um mundo melhor" ou se sentir como um membro da Klu Klux Klan?
    De tanto se martelar essa história do rolezinho, já está começando a ficar que é muito mais uma consequencia de uma série de mudanças sociais que aconteceram nos últimos tempos (como voce citou, aumento do credito, aumento da capacidade de comunicação por facebook, smartphone, etc somado com funk ostentação, e coisa e tal) que resultou num comportamento de massa "indesejavel" (por assim dizer) do que uma "convulsão social que reafirma o direito de rebelião por aqueles que sempre foram excluídos do cenário de consumo das elites".

    Só que ainda assim (e vindo da esquerda só posso acreditar que seja de má fé) continuam insistindo nessa tese estúpida de que as pessoas estão sendo barradas individualmente por causa da sua classe ou da sua cor. E como tem idiota que ainda compra essa tese fica muito mais fácil de vender. Na minha opinião, fico com a sensação que tudo que a Ministra da "Igualdade Racial" quer é que um neguinho seja barrado no shopping por ser negro. Porque isso faria com que a pasta dela fizesse sentido em existir. Tudo aquilo que ela nao quer é o mundo que o Martin Luther King pregou. Como voce tambem disse bem é patente e todo mundo sabe que existe racismo no Brasil o problema é que para esse pessoal continuar existindo é fundamental enxergar racismo em todos os cantos. Só ver a fala dela "Então você vê manifestação de discriminação racial muito explícita em relação a esses movimentos." ou do retardado do Ministério Publico que queria processar o Alexandre Pires negro, por racismo por fazer um clipe com King Kongs dançando.

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