segunda-feira, 2 de junho de 2014

Peça prático-profissional de Direito Penal [2ª Fase do XIII Exame da Ordem Unificado - 1º/06/2014]


Atendendo a pedidos, eis abaixo os comentários sobre a peça prático-profissional de Direito Penal exigida na segunda fase no XIII Exame Unificado da OAB (1º de junho de 2014).

ENUNCIADO

Diogo está sendo regulamente processado pela prática dos crimes de violação de domicílio (art. 150, do CP) em concurso material com o crime de furto qualificado pela escalada (art. 155, § 4º, II, do CP). Isso porque, segundo narrou a inicial acusatória, no dia 10/11/2012 (sábado), Diogo pulou o muro de cerca de três metros que  guarnecia a casa da vítima e, então, após ingressar clandestinamente na residência, subtraiu diversos pertences e valores, a saber: três anéis de outro, dois relógios de ouro, dois aparelhos de telefone celular, um notebook e quinhentos reais em espécie, totalizando R$ 9.000,00 (nove mil reais).

Na audiência de instrução e julgamento, realizada em 29/08/2013 (quinta-feira) foram ouvidas duas testemunhas de acusação que, cada uma a seu turno, disseram ter visto Diogo pular o muro da residência da vítima e dali sair, vinte minutos após, levando uma mochila cheia. A defesa, por sua vez, não apresentou testemunhas. Também na audiência de instrução e julgamento foi exibido um DVD contendo as imagens gravadas pelas câmeras de segurança presentes na casa da vítima, sendo certo que à defesa foi assegurado o acesso ao conteúdo do DVD, mas essa se manifestou no sentido de que nada havia para impugnar.

Nas imagens exibidas em audiência ficou constatado (dado a nitidez das mesmas) que fora Diogo que realmente pulou o muro da residência e realizou a subtração dos bens. Em seu interrogatório o réu exerceu o direito ao silêncio.

Em alegações finais orais, o Ministério Público exibiu cópia de sentença prolatada cerca de uma semana antes (ainda sem trânsito em julgado definitivo, portanto), onde se condenou o réu pela prática, em 25/12/2012 (terça-feira), do crime de estelionato. A defesa em alegações finais, limitou-se a falar do princípio do estado de inocência, bem como que eventual silêncio do réu não poderia importar-lhe em prejuízo. O juiz, então, proferiu sentença em audiência condenando Diogo pela prática de crime de violação de domicílio em concurso material com o crime de furto qualificado por escalada. Para a dosimetria da pena o magistrado ponderou o fato de que nenhum dos bens subtraídos fora recuperado. Além disso, fez incidir circunstância agravante da reincidência, pois considerou que a condenação de Diogo pelo crime de estelionato o faria reincidente. O total da condenação foi de 4 anos e 40 dias de reclusão em regime inicial semi-aberto e multa à proporção de um trigésimo do salário mínimo. Por fim, o magistrado, na sentença, deixou claro que Diogo não fazia juz a nenhum outro benefício legal, haja visto o fato de não preencher os requisitos para tanto. A sentença foi lida em audiência.

O advogado de Diogo, atento(a) tão somente às informações descritas no texto, deve apresentar o recurso cabível à impugnação da decisão, respeitando as formalidades legais e desenvolvendo, de maneira fundamentada, as teses defensivas pertinentes. O recurso deve ser datado com o último dia cabível para a sua interposição.

RESPOSTA:

O recurso cabível no problema proposto é a APELAÇÃO CRIMINAL com fulcro no art. 593, I, do CPP:
Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias:
I - das sentenças definitivas de condenação ou absolvição proferidas por juiz singular;
(...).
Importante a lembrança que:

O órgão competente para julgar recursos pode ser: o que proferiu a primeira decisão, denominado também de juízo "a quo", como nos casos de embargos de declaração e o protesto por novo júri. Ou outro órgão de instância superior , tendo a denominação de juízo "ad quem" julgando portanto, a apelação, os recursos em sentido estrito, os embargos infrigentes, o recurso especial, o recurso extraordinário e o recurso ordinário. Em regra, o recurso e reexaminado por órgão hierarquicamente superior, pois estão de um modo geral intrinsecamente ligados ao princípio do duplo grau de jurisdição. (COSTA JÚNIOR, D. J. da. 2014).

Digno de nota é que

Interposto o recurso no juízo a quo, o que somente não ocorre com o agravo de instrumento, o controle da admissibilidade é feito pelo próprio autor do pronunciamento recorrido. Também têm competência para esse exame o relator (CPC, artigos 531, 542, § 1° e 557) e o órgão ad quem (BEDAQUE, J. R. dos S.)

No caso da Apelação criminal, a petição de interposição deve ser endereçada ao Juiz da __ Vara Criminal da Comarca __________ (juízo a quo), sendo que as respectivas razões devem ser endereçadas ao Tribunal de Justiça do Estado "X" (juízo ad quem). Indica-se o modelo presente neste sítio.

É importante ao examinado a capacidade de selecionar no texto do enunciado os fatos juridicamente relevantes e, nestes termos, superada as questões processuais resta importante reconhecer as razões que fundamentam o recurso de apelação.
Os fundamentos que informam a apelação criminal, no caso proposto, são:
1)  Absorção do crime de violação de domicílio pelo furto qualificado.

Conforme se destaca do enunciado, o apelante foi condenado pelos crimes de violação de domicílio e furto qualificado em concurso material. É de destacar-se, porém, que o crime precedente (violação de domicílio)  pode e deve ser considerado como crime-meio meio menos grave para a realização de crime-fim mais grave (furto qualificado). Trata-se de aplicação do princípio da consunção, o que implica que o delito do art. 150 do CP restará absorvido pelo crime, restando, pois, impunível.

Mesmo considerando que os delitos atingem bens jurídicos diversos - a liberdade individual, no caso da violação de domicílio, e o patrimônio, no caso do furto - a absorção do crime-meio (antefato impunível) pelo crime-fim é doutrinária e a jurisprudencialmente pacífica. Neste sentido:

"Não convence o argumento de que é impossível a absorção quando se tratar de bens jurídicos distintos. A prosperar tal argumento, jamais poderia, por exemplo, falar em absorção nos crimes contra o sistema financeiro (Le n. 7.492/86), na medida em que todos eles possuem uma objetividade jurídica específica. É conhecido, entretanto, o entendimento do TRF da 4ª Região, no sentido de que o art. 22 absorve o art. 6º da Lei n. 7.492/86. Na verdade, a diversidade de bens jurídicos tutelados não é obstáculo para a configuração da consunção. Inegavelmente - exemplificando - são diferentes os bens jurídicos tutelados na invasão de domicílio para a prática de furto, e, no entanto, somente o crime-fim (furto) é punido, como ocorre na falsificação de documento ara a prática de estelionato, não se punindo aquele, mas somente este (Súmula 17/STJ)" (Cezar Roberto BITENCOURT, Tratado de direito penal: parte geral, 2011, p. 250) [negrito nosso].

Sendo assim, é mister que Diogo seja absolvido pelo crime de violação de domicílio, vez que constitui-se em crime-meio para a realização do furto qualificado conforme o plano do autor e, nestes termos, aquele resta absorvido por este (princípio da consunção).

2) Não há de se falar em reincidência.

Do enunciado observa-se que o magistrado, quando do cálculo da pena, reconheceu - indevidamente - a incidência da agravante da reincidência em decorrência de sentença prolatada uma semana antes (sem trânsito em julgado) na qual condenou-se o réu pelo crime de estelionato.

Desde o princípio da presunção de inocência (art. 5º, LVII, CF/88) que expressa o imperativo que "ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória" e observando a redação do art. 63, CP, que, expressamente, afirma que somente "verifica-se a reincidência quando o agente comete novo crime, depois de transitar em julgado a sentença que, no País ou no estrangeiro, o tenha condenado por crime anterior", não é possível a reconhecimento da agravante da reincidência no caso em pauta.

As razões são simples. Primeiramente, não existe sentença penal condenatória transitada em julgado - como resta expresso no enunciado da questão - e, mesmo que houvesse, a reincidência somente estaria afirmada se o crime de furto ocorresse após a condenação com trânsito em julgado, o que, evidentemente, não é o caso. Sobre este elemento temporal, inclusive destaca-se que o cometimento de crime no dia em que transita em julgado a sentença condenatória por crime anterior "não é capaz de gerar reincidência, pois a lei é expressa ao mencionar 'depois' do trânsito em julgado. O dia do trânsito, portanto, não se encaixa na descrição legal" (Guilherme de Souza NUCCI, Código penal comentado, 2009, p. 423).

Assim, a pena a que Diogo foi condenado deve ser substancialmente diminuída por dois fatores: Deve ser retirado o quantum de pena referente ao crime de violação de domicílio (absorvido pelo crime de furto e, portanto, impunível) e por afastada a reincidência, o que implica em negar a aplicação da agravante.

3) Regime inicial aberto.

A pena total a que Diogo foi condenado deve ser, portanto diminuída, o que impõe que o regime inicial de cumprimento de pena deve ser alterado. Observando que o total da condenação foi de 4 (quatro) anos e 40 (quarenta) dias e considerando que deste total devem ser retirados (a) a pena relativa à violação de domicílio, uma vez que esta é antefato impunível em relação ao furto qualificado; e (b) a agravante em decorrência de reincidência que, nos termos do enunciado, é inaplicável; a pena de Diogo, com certeza, será reduzida para patamar inferior aos 4 (quatro) anos.

Sendo a pena inferior a 4 (quatro) anos e o condenado tecnicamente primário, o art. 33, § 2º, "c", CP, indica que o regime inicial de cumprimento de pena deve ser o aberto.

Art. 33. [...].
§ 2º - As penas privativas de liberdade deverão ser executadas em forma progressiva, segundo o mérito do condenado, observados os seguintes critérios e ressalvadas as hipótese de transferência a regime mais rigorosos:
[...]
c) o condenado não reincidente, cuja a pena inicial seja igual ou inferior a 4 (quatro) anos, poderá, desde o início, cumpri-la em regime aberto.

Certo que a pena de 4 (quatro) anos e 40 (quarenta) dias será reduzida para patamar inferior aos 4 (quatro) quando excluídas os indevidos incrementos da condenação pelo antefato impunível (invasão de domicílio) e do afastamento da reincidência, Diogo faz por merecer o regime aberto, sendo o caso de reformar a decisão do magistrado que lhe impôs, indevidamente, regime mais gravoso (semi-aberto).

4) Substituição da pena.

Não sendo reincidente em crime doloso - pelas razões expostas anteriormente - e a pena reduzida para aquém dos 4 (quatro) anos, Diogo faz por merecer a substituição da pena privativa de liberdade nos termos do art. 44, CP, uma vez que as condições objetivas para a substituição encontram-se presentes e evidentes.

PEDIDO

Destaca-se que o recurso, conforme exigido pela questão, deve ser oposto no último dia cabível para sua interposição. Considerando que o juiz proferiu a sentença em audiência no dia 29/08/2013 (quinta-feira) e o prazo para apelação de 5 dias (art. 593, caput, CPP), a contagem do prazo deve ser feita com obediência a norma do art. 184 do CPC ("Salvo disposição em contrário, computar-se-ão os prazos excluindo o dia do começo e incluindo o do vencimento"). Sendo assim, o último dia no qual a apelação pode ser interposta é, justamente, o dia 03/09/2013 (terça-feira). Aqui se impõe o cuidado de lembrar, não somente das regras para a contagem de prazos processais, mas também que o mês de agosto possui 31 (trinta e um) dias.

Não é demais recordar, que ao fim da redação da peça prática, não deve-se esquecer de elaborar os pedidos, que sinteticamente, são os seguintes:

a) Absolvição do crime de violação de domicílio;

b) Afastamento da agravante da reincidência;

c) Consequente diminuição de pena;

d) Consequente fixação do regime aberto para o cumprimento inicial do cumprimento de pena; e

e) Substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos.

PS: Amanhã, postaremos os comentários sobre as questões dissertativas do XIII Exame Unificado da OAB.

10 comentários:

  1. Caberia falar em nulidade pela falta de exame de corpo de delito, ainda que tenha restado inconteste a autoria, pugnando assim pelo decote da qualificadora de escalada?

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  2. Considerando o formato da questão e a advertência de que tão somente os fatos descritos podem ser usados na fundamentação da Apelação, penso que não, pois não é possível arguir se o exame foi ou não realizado. Em um caso prático, o exame do corpo de delito poderia ser suprido por outras provas que demonstrariam a escalada e o esforço considerável para vencer o obstáculo vertical, inclusive através de provas testemunhais.

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  3. Professor, eu formulei os pedidos um do lado do outro, por falta de espaço. Será que perderei pontos por isso?

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  4. Caro Anônimo, não vejo nenhum problema nisso. Muito provável que não perderá nenhuma pontuação em decorrência disso.

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  5. Boa noite. Gostaria de descordar do nobre professor. Em relação ao XIII exame, 2ª fase dia 1 de junho direito penal.Pois, é latente tanto na legislação penal quanto na jurisprudência e doutrina, o entendimento de que, quando se trata de crime praticado com rompimento de obstáculo ou destruição de coisa ou por meio de ESCALADA, que é o caso da peça prático-profissional apresentada em tela, a prova pericial se faz necessária até mesmo para a definição do tipo penal, que poderá ser qualificado ou não nos termos do (art. 155, §4º, inciso II, do CP) que é o caso da questão em comento. No entanto, a banca passou por cima de quem levantou esta tese. Ver at. 171, CPP.
    Aproveitando o gancho, caberia outra tese de defesa para o Item B da questão prática 02, vez que esta fala em tese principal e não em única tese como afirma a banca recursa após impetração de recurso, para justificar a não pontuação. Pois é sabido que, o acusado/réu preenchendo os requisitos para ter direito a qualquer beneficio em sua pena, faz jus ao beneficio. Ver art. 77 do CP.
    Lembrar que o direito penal por sua extensão admite as mais diversas formas de interpretações, permitindo que o Advogado, utilize a tese que melhor lhe convier para o caso concreto no momento da defesa.
    Anônimo da Fortaleza Ceará.

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    1. Caríssimo Anônimo. Ainda mantenho a posição que no caso da questão que estamos a debater, o examinador colocou em destaque o examinando deve se ater somente aos fatos descritos no texto. A existência ou não do exame pericial não está presente no enunciado, não estando o examinado autorizado a argumentar que sim ou não. Este continua sendo meu ponto de vista. A inexistência no enunciado não pode ser entendido como enunciado de inexistência. De qualquer forma, concordaremos em discordar.

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  6. Me ajuda me dá uma orienta

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