segunda-feira, 7 de abril de 2014

Petição inicial em tempos de twitter: Juiz manda emendar petição inicial por considerá-la grande demais


Um juiz do Rio Grande do Norte determinou que o advogado refizesse a sua petição. O motivo? As 49 (quarenta e nove) páginas da inicial, segundo o magistrado, configurariam "notório excesso".

Segue o despacho:

PODER JUDICIÁRIOS DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE
Juízo de Direito da Vara Única da Comarca de Patu
Processo nº: 0100222-69.2014.8.20.10125
Ação: Processo Ordinario
Autor(s): Francisco Sales Oliveira e Souza
Requerido(s): Estado do Rio Grande do Norte
DESPACHO
Segundo a UNESCO, um texto de 49 páginas ou mais é um livro. Esta petição inicial, é, pois, um livro. O notório excesso de trabalho desta Vara não permite ler livros inteiros durante o expediente. Ademais, tudo o que fora dito cabe num vigésimo ou menos das páginas que o autor escreveu.

Não é possível assegurar a razoável duração do processo e a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII, CF) sem a indispensável colaboração dos advogados (CF, art. 133). O tempo que o juiz gasta lendo páginas inúteis é roubado à tramitação de outros processos. Portanto, a prolixidade da inicial desrespeita entre outras coisas: a) a diretriz constitucional de celeridade (CF, art. 5º LXXVII e art, 125 do CPC); b) o princípio da lealdade (art. 14, II, do CPC), porque prejudica desnecessariamente a produtividade do Poder Judiciário, e c) o dever de não praticar atos desnecessários à defesa do direito (art. 14, IV do CPC).

Ademais, forçar o adversário a ler dezenas, quiçá centenas de páginas supérfluas é uma estratégia desleal para encurtar o prazo da defesa. Há claro abuso do direito de petição por parte do autor, ato ilícito (art. 187 do CC/02), que o juiz está obrigado a inibir (art. 125, I e III, e art. 129 do CPC).

Enfim, a prolixidade do autor contradiz a alegação desnecessidade de urgência da tutela de contas, quem tem pressa não tem tempo de escrever dezenas de laudas numa petição, cujo o objeto poderia ser reduzido há pelo menos 20% do total escrito.

Isto posto, concedo à parte autora 10 dias para emendar a inicial, reduzindo-a a uma versão objetiva com extensão estritamente necessária, sob pena de indeferimento da inicial.

Cumpra-se.

Patu/RN, 24 de março de 2014

Valdir Flávio Lobo Maia
Juiz de Direito


BREVES COMENTÁRIOS
[RESPEITANDO A CELERIDADE]

1. O magistrado afirma que tudo o que foi dito pelo autor poderia ser resumido em um vigésimo do número de páginas. É de presumir, portanto, que leu toda peça. Nesse caso, pedir que se emende a inicial não implicaria em desnecessária ofensa à celeridade, uma vez que pede um resumo do que já se conhece por inteiro?

2. O magistrado determina que se emende a inicial. As possibilidades de emenda restringem-se às hipóteses do art. 284, CPC ["Verificando o juiz que a petição inicial não preenche os requisitos exigidos pelo art. 282 e 283, ou que apresenta defeitos e irregularidades capazes de dificultar o julgamento de mérito, determinará que o autor a emende ou a complete, no prazo de 10 (dez) dias]. A emenda, portanto, se presta a corrigir o que está errado ou irregular, complementar o que é faltante ou esclarecer o que é duvidoso. Não existe previsão legal de emenda com o fito de resumir a petição.

3. Salvo entendimento em contrário, a UNESCO não alterou o Código de Processo Civil estipulando um limite de páginas à petição inicial. Aliás, supondo que a inicial se limitasse à 48 páginas, estaria o magistrado obrigado ao seu recebimento por não ser um caso de "livro"? Ainda, "O limite de 40 páginas para envio de petições eletrônicas é inconstitucional e ilegal, decidiram os ministros da 6ª Turma do Tribunal Superior do Trabalho. A vedação a documentos maiores havia sido estabelecida pelo Tribunal Regional do Trabalho da 10ª Região (DF/TO), mas, no entendimento da corte superior, a restrição viola o artigo 5º, inciso LV, da Constituição Federal, que garante a ampla defesa." (Fonte).

4. É uma virtude escrever de forma clara, concisa e objetiva. Aliás, a objetividade não somente é uma qualidade estilística como também é recomenda pela prudência. Entretanto, ainda que a mera prolixidade não seja recomendável, por certo não é vedada.

5. Uma petição de dez páginas pode ser prolixa. Uma petição de 50 páginas pode ser concisa. Tudo depende da complexidade do caso. Por certo, é impossível determinar um limite sem reconhecer as particularidades de cada situação.

6. Considerando as situações que ensejam o indeferimento da inicial nos termos do art. 295, CPC (inépcia, parte manifestamente ilegítima, carência de interesse processual, verificada a decadência ou prescrição, procedimento não corresponde à natureza ou ao valor da causa ou não atendimento às condições do art. 39, parágrafo único, primeira parte e art. 284, ambos do CPC), a prolixidade ou número de laudas da inicial não se enquadra em nenhuma delas. Sendo assim, qual seria o fundamento do indeferimento?

7. O despacho do magistrado do TJRN é estranhamente semelhante à outro proferido por outro do TJPR. 

8. O magistrado indica que o pleito do autor cabe em vigésimo ou menos de páginas. Em outra parte do despacho, dá a entender que o pleito poderia ser resumido à 20% do número total de páginas. Resta a pergunta: O autor deverá resumir sua petição à 1/20 (um vigésimo), à (1/5) um quinto ou à 140 (cento e quarenta) caracteres?

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