“O exercício da jurisdição cautelar por magistrados e Tribunais
não pode converter-se em prática judicial inibitória, muito menos
censória, da liberdade constitucional de expressão e de comunicação.”A
afirmação é do ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal
(STF) que, ao conceder liminar em Reclamação (Rcl 18836) ao jornalista e
blogueiro Cleuber Carlos do Nascimento, suspendeu uma decisão do juiz
do 2º Juizado Especial Cível da Comarca de Goiânia.
O juiz havia concedido antecipação de tutela ao ex-vice-presidente do
Goiás Esporte Clube, Edmo Mendonça Pinheiro, determinando o prazo de
dois dias para o jornalista excluir de seu perfil “em qualquer rede
social”, os comentários negativos feitos contra o ex-dirigente do clube,
sob pena de incidência de multa diária de R$ 200.
O jornalista ajuizou a reclamação no STF, alegando que o juiz teria
despeitado decisão da Suprema Corte, com efeito vinculante, tomada no
Julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF)
130, que considerou não recepcionados pela Constituição Federal de 1988
diversos dispositivos da Lei 5.250/1967 (Lei de Imprensa).
Admissibilidade e Legitimidade
Preliminarmente, o ministro Celso de Mello verificou que é admissível
o ajuizamento de Reclamação para questionar o que chamou de
“transgressão à eficácia vinculante de que se mostra impregnado o
julgamento do Supremo Tribunal Federal, proferido no âmbito de processos
objetivos de controle normativo abstrato, como o que resultou no exame
da ADPF 130”.
Na avaliação do ministro Celso, mesmo que, no caso do jornalista, ele
não tenha participado diretamente como parte naquele julgamento que
envolveu a Lei de Imprensa (ADPF 130), ele tem legitimidade ativa para
reclamar junto ao STF quaisquer decisões contrárias ao entendimento
firmado de forma vinculante pelo STF, “em sede de ação direta de
inconstitucionalidade, de ação declaratória de constitucionalidade ou,
como no caso, de arguição de descumprimento de preceito fundamental”,
afirmou.
O ministro ressaltou que, ao julgar a inadequação da Lei de Imprensa
perante a Constituição Federal de 1988, o STF “pôs em destaque de
maneira muito expressiva, uma das mais relevantes franquias
constitucionais: a liberdade de manifestação do pensamento, que
representa um dos fundamentos em que se apoia a própria noção de Estado
democrático de direito e que não pode ser restringida, por isso mesmo,
pelo exercício ilegítimo da censura estatal, ainda que praticada em sede
jurisdicional” .
Assim, enfatizou que o repúdio à censura já está consagrado
constitucionalmente e que a liberdade de expressão e pensamento inclui o
direito à crítica. Dessa forma, observando que o poder geral de cautela
exercido pelos juízes não pode se transformar “anomalamente” em uma
nova forma de censura, o ministro Celso de Mello deferiu o pedido de
liminar feito pelo jornalista, suspendendo cautelarmente a decisão
proferida pelo juízo de Goiânia.
A decisão do ministro ainda autoriza “a normal veiculação, em
qualquer rede social, de matéria jornalística sobre o tema censurado,
afastada a incidência da multa cominatória diária imposta no ato de que
ora se reclama”. Segundo Celso de Mello, "o pensamento há de ser livre,
permanentemente livre, essencialmente livre”, ao citar a Carta de
Princípios denominada Declaração de Chapultepec, assinada no México em
1994, durante a Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão.
Veja aqui a íntegra da decisão.
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