Pedido de vista do ministro Luís Roberto Barroso suspendeu, na
sessão plenária desta quarta-feira (3), no Supremo Tribunal Federal
(STF), o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 580252 em que se
discute a responsabilidade do Estado por danos morais decorrentes de
superlotação carcerária. O RE teve repercussão geral reconhecida e a
decisão se refletirá em pelo menos 71 casos sobrestados em tribunais de
todo o país. O julgamento foi interrompido após o voto do relator,
ministro Teori Zavascki, que considerou haver responsabilidade civil do
Estado por não garantir as condições mínimas de cumprimento das penas
nos estabelecimentos prisionais. O entendimento foi acompanhado pelo
ministro Gilmar Mendes.
No caso concreto, a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul (DP-MS),
em favor de um cidadão condenado a 20 anos de reclusão, cumprindo pena
no presídio de Corumbá (MS), recorreu contra acórdão do Tribunal de
Justiça local (TJ-MS) que, embora reconheça que a pena esteja sendo
cumprida “em condições degradantes por força do desleixo dos órgãos e
agentes públicos”, entendeu não haver direito ao pagamento de
indenização por danos morais.
Da tribuna, o representante da Defensoria Pública sustentou que, ao
não garantir as condições necessárias para o cumprimento da pena, fato
que violaria o princípio da dignidade humana, o Estado passa a ter
responsabilidade objetiva pela situação. Também da tribuna, o procurador
de Mato Grosso do Sul reconheceu as más condições do presídio de
Corumbá, mas alegou que o pagamento de indenização não seria razoável,
pois comprometeria recursos que deveriam ser utilizados para melhorar o
sistema penitenciário.
Em seu voto, o ministro Teori Zavascki destacou não haver qualquer
controvérsia quanto aos fatos narrados na ação, nem quanto à
configuração do dano moral. Lembrou ainda que o próprio acórdão do
TJ-MS, que negou o pagamento da indenização, deixa claro ser “notório
que a situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense tem lesado
direitos fundamentais, quanto à dignidade, intimidade, higidez física e
integridade psíquica”.
O ministro enfatizou que a discussão no RE que chegou ao STF
refere-se unicamente à responsabilidade civil do Estado de responder
sobre ação ou omissão de seus agentes, conforme preceitua o artigo 37,
parágrafo 6º, da Constituição Federal. Segundo o relator, o dispositivo
constitucional é auto aplicável, não sujeito a intermediação legislativa
ou a providência administrativa, bastando apenas que tenha ocorrido o
dano e seja demonstrado o nexo causal com a atuação da administração
pública ou de seus agentes para que seja configurada a responsabilidade
civil. Para o ministro, não há dúvida de que o Estado é responsável pela
guarda e segurança das pessoas submetidas a encarceramento enquanto
permanecerem detidas.
“E é dever do Estado mantê-lo em condições carcerárias de acordo com
mínimos padrões de humanidade estabelecidos em lei, bem como, se for o
caso, ressarcir os danos causados que daí decorrerem”, acentuou o
relator.
O ministro observou também que a jurisprudência do STF já deixou
claro, em mais de uma ocasião, haver responsabilidade objetiva do Estado
pela integridade física e psíquica sobre aqueles que estão sob custódia
estatal.
O relator ressaltou ser necessária a adoção de políticas públicas
sérias para eliminar ou, ao menos, reduzir as violações à integridade e à
dignidade das pessoas dos presos, mas isso não significa que as atuais
violações causadoras dos danos morais ou pessoais aos detentos devam ser
mantidas impunes, sobretudo quando o acórdão recorrido admite que a
situação do sistema penitenciário sul-mato-grossense tem lesado direitos
fundamentais relativos à intimidade e à integridade física e psíquica.
Lembrou, ainda, que as violações aos direitos fundamentais dos
detentos não podem ser ignoradas sob o argumento de que as indenizações
não resolveram o problema global das más condições carcerárias.
“Esse argumento, se admitido, acabaria por justificar a perpetuação da desumana situação que se constata em presídios. Ainda que se admita não haver o direito subjetivo individual de deduzir em juízo pretensões que obriguem o Estado a formular e implementar política pública determinada, certamente não se pode negar ao indivíduo encarcerado o direito de obter, inclusive judicialmente, pelo menos o atendimento de prestações inerentes ao que se denomina mínimo existencial”, afirmou.
O ministro assinalou que não se pode excluir das obrigações estatais
em matéria carcerária a de indenizar danos individuais de qualquer
natureza causados por ação ou omissão do Estado a quem está submetido a
encarceramento por seu comando.
“A invocação seletiva de razões de Estado para negar especificamente a
uma categoria de sujeitos o direito à integridade física e moral não é
compatível com o sentido e alcance do princípio da jurisdição, pois
estaria se recusando aos detentos os mecanismos de reparação judicial
dos danos sofridos, deixando-os privados de qualquer proteção estatal,
numa condição de vulnerabilidade juridicamente desastrosa”, sustentou.
Leia a íntegra do voto do relator, ministro Teori Zavascki.
Nenhum comentário:
Postar um comentário