quinta-feira, 21 de julho de 2016

ESTUDO DE CASO: Quais os crimes praticados pelos acusados de planejar um atentado terrorista nas Olimpíadas?




No dia 21 de julho de 2016, A Operação Hashtag, realizada pela Polícia Federal, acabou com a prisão de 10 (dez) pessoas que são acusadas de planejar um atentado terrorista durantes as Olimpíadas [FONTE]. Eles são acusados com base nos dispositivos da Lei n. 13.260/2016 (Lei Antiterrorismo), fato que possibilitou suas prisões temporárias com base no disposto do art. 1º, III, "p" da L. n. 7960/1989, podendo ficar detidos por 30 (trinta) dias prorrogáveis por mais 30 (trinta) dias [FONTE]. 

Os presos são acusados de integrar organização criminosa (art. 3º da Lei n. 13.260/2016) e da realização de atos preparatórios de atentado terrorista (art. 5º, caput, da Lei n. 13.260/2016). Com base somente nos fragmentos de informação divulgados pelas autoridades policiais, nos propomos a analisar a adequação típica das condutas dos presos na Operação Hashtag.

Acusação com base no art. 3º da Lei n. 13.260/2016.

Os acusados faziam parte de um grupo de 100 (cem) pessoas monitoradas pelos serviços de inteligência. Eram acompanhados uma vez que acessavam portais e peças de propaganda do Estado Islâmico na Rede Mundial de Computadores que são considerados como ponto de partida para o recrutamento de radicais islâmicos. Os acusados, além de travarem contato com a propaganda terrorista, também faziam comentários elogiosos sobre a atuação do Estado Islâmico e compartilhavam conteúdos relacionados com atentados realizados pela organização.

Com base somente nestes fatos, seria possível dizer do crime de apologia ao crime (art. 287 do Código Penal), uma vez que segundo as informações disponibilizadas, os acusados divulgavam comentários elogiosos e conteúdos acompanhados de loas às abominações atuações do Estado Islâmico. Cumpre levantar uma questão interessante: Na hipótese dos comentários e conteúdos serem inseridos num propósito maior de recrutamento de novos integrantes para o grupo radical, dar-se-ia a tipificação doutro delito. Se a apologia tem o propósito de promover a atuação do grupo terrorista, propagandeando seus feitos com o intuito de recrutar ou ampliar a base de simpatizantes da organização terrorista, observar-se-á a hipótese de enquadramento no art. 3º da Lei Antiterrorismo. Note-se que neste caso de enquadramento, não é necessário que o promotor seja membro ou afiliado ao grupo terrorista.

Ainda conforme o noticiado, os acusados teriam jurado fidelidade ao Estado Islâmico. Por outro lado, é importante salientar que que as autoridades policiais reconhecem que não existem evidências de contatos diretos com membros da referida organização terrorista. Os votos de fidelidade teriam ocorrido por meio de sítio na Rede Mundial de Computadores, no qual os acusados teriam repetido os termos de uma gravação. Ora, a mera repetição de uma sentença, juramento ou oração, não é suficiente para tornar alguém membro de um grupo terrorista, mesmo que ele acredite nisso. A ausência de contato direto com membros do Estado Islâmico e a simples repetição de um juramento disponível na internet não parece ser suficiente para considerar os acusados como membros de uma organização terrorista. Não basta o desejo – absolutamente reprovável – de fazer parte de um grupo de facínoras, tampouco repetir palavras ou proclamar juramentos não torna uma pessoa, automaticamente, um combatente do terror. É necessário que seja inserido na organização, mesmo que nos patamares mais inferiores, de modo que seja posicionado dentro de uma estrutura hierarquizada. O simples desejo de pertencimento ao Estado Islâmico, por mais abjeto que seja, não pode ser elevado à categoria de crime. Isso porque trata-se de um crime plurissubjetivo, de forma que demanda concurso necessário, ou seja, é necessário que alguém deseje se integrar e que alguém do grupo permita a entrada do novo membro. Assim, para que alguém possa ser considerado como integrante de qualquer organização terrorista, é necessário um contato com membros deste grupo, o que, as autoridades policiais informam que não resta evidenciado.

Ademais é necessário demonstrar que, fazendo o juramento, cada um dos acusados verdadeiramente pretendia devotar esforços para promover ações do Estado Islâmico. A mera bravata ou proclamação do juramento sem qualquer pretensão séria de participar das atuações terroristas da referida organização não possui relevância jurídica. Como bem lembrou o magistrado Marcos Jesegrei da Silva: "Nem tudo que uma pessoa preconiza no meio virtual, ela vai realizar no real" [FONTE]. 

É evidente que os serviços de inteligência podem ter mais informações além daquelas noticiadas. Por isso, como já é praxe, lembramos que a análise realizada se dá com fulcro, tão somente, nas informações parciais e trata-se, antes de qualquer outra coisa, de um estudo hipotético com base em dados incompletos.

Como não foram disponibilizados os conteúdos das mensagens postadas e compartilhadas pelos acusados, é difícil dizer se as condutas poderiam ser enquadradas como apologia ao crime (art. 287 do Código Penal) ou promoção do terrorismo (art. 3º da Lei Antiterrorismo), ainda que tais hipóteses não possam ser descartadas. Com base nos dados noticiados, não parecem existir fundamentos a acusação de integrar organização criminosa.

Acusação com base no art. 5º da Lei n. 13.260/2016.

O art. 5º da Lei Antiterrorismo criminaliza a prática de atos preparatórios quando inequívoco o intuito de realizar um atentado terrorista. Não se trata de mero desejo de realizar um ato de terror. Afinal de contas, pelo princípio da exterioridade da ação, o Direito Penal não admite a punição de meros pensamentos e desejos que são incapazes de produzir sensível modificação da realidade social.

Note-se que o presente delito estabelece uma exceção em relação à impunidade dos atos preparatórios dissociados do início dos atos executórios. Neste caso do art. 5º, caput, da Lei Antiterrorismo, verificada a prática de atos preparatórios - obtenção de material, alocação de pessoal, disposição de equipamentos, entre outros – estarão presentes os elementos necessários para a tipificação do delito, mesmo que os atos executórios do atentado terrorista, em si, não tenham sido iniciados. É importantíssimo lembrar que, para justificar tal exceção, devem estar demonstrados para além de qualquer dúvida razoável que os atos preparatórios estavam inequivocamente relacionados com a execução futura de um particular atentado terrorista que, somente não ocorreu, por circunstância alheia à vontade dos planejadores. Inclusive, o art. 10 da L. n. 13.260/2016 destaca a possibilidade de desistência voluntária na hipótese do crime de atos preparatórios para o terrorismo.

Para a tipificação desse delito é necessário que os agentes estejam amealhando condições materiais e pessoais para a realização de um atentado relativamente especificado em certos detalhes como tempo, local, vítimas e modo de execução. Dentre os atos executórios podem ser considerados a captação de recursos materiais para realização do ato de terror (armamento, dinheiro, meios de transporte e comunicação, entre outros), a reunião de elementos de Inteligência (informações sobre a rotina dos alvos, dados sobre a localização do alvo, entre outros dados sensíveis) e até o recrutamento do pessoal necessário para a realização do plano. Não basta, portanto, o desejo de uma pessoa ou de um grupo de indivíduos, para a tipificação do delito.

Também não basta que se reúnam tais elementos sem ter em vista a realização de uma específica atuação terrorista. O armazenamento de munição ou a estocagem de armas para eventuais atentados hipotéticos num futuro longínquo não bastam para a tipificação do delito. Exemplificando: Não basta que um pretendente de terrorista compre um caminhão sem que seja demonstrado que pretende usá-lo para praticar um homicídio em massa. A descrição típica do delito do art. 5º da Lei Antiterrorismo demanda que o propósito inequívoco de consumar tal delito, o que denota que os atos preparatórios devem estar irremediavelmente relacionados com um ato de terrorismo que, apesar de futuro, é relativamente determinado em sua forma, local, tempo e vítimas. A mera possibilidade de ato terrorismo futuro, completamente indeterminado, não é suficiente para satisfazer as exigências típicas do referido texto normativo.

Analisando o pouco informado sobre as condutas dos presos na Operação Hashtag, somente dois deles praticaram ações dignas de comentários.

Um dos presos teria convocado outros para um treinamento de artes marciais e para o uso armas de fogo. Não existe informação se a reunião de fato ocorreu, se existia um programa de treinamento e, mais importante, se este treinamento estava orientado para a realização de um atentado em particular. Para a tipificação do delito, o treinamento deve ser parte de um planejamento direcionado a um específico atentando. O mero ato de realizar ou participar treinamento para a formação genérica de um combatente terrorista somente seria considerado delito, se e somente se, o agente que realiza ou participa do treinamento o faz em país diverso daquele de sua nacionalidade ou residência, nos termos do art. 5º, §1º, II da L. n. 13.260/2016.

Informou-se ainda que um dos presos tentou comprar um fuzil de assalto, sem que lograsse êxito. Sobre esta questão, três pontos devem ser levantados: (a) é indispensável demonstrar que o fuzil seria adquirido com o propósito de usar em um atentado terrorista determinado, caso contrário, melhor enquadramento seria nos termos do art. 16 do Estatuto do Desarmamento (L. n. 10.826/2003) desde que a arma fosse adquirida ou que, pelo menos, existisse tentativa idônea de adquiri-la; (b) considerando que o agente teria entrado em contato com um empresa com o escopo de comprar um fuzil de assalto, deve-se levar em conta a possibilidade de crime impossível (art. 17 do Código Penal), pois tentou comprar legalmente um armamento de uso restrito, o que seria inviabilizaria a compra; (c) a tentativa de compra, sem mais informações, não oferece muitos elementos para extrapolar uma resposta adequada conforme o Direito, mas cumpre dizer que a tentativa de atos preparatórios para uma futura tentativa de atentado terrorista parece ser uma despropositada aplicação de uma norma que deve ser objeto de cuidadosa análise.

CONCLUSÃO: Ao que parece, com base unicamente nas parcas informações disponibilizadas nos jornais, não é adequada a tipificação dos delitos presentes na Lei Antiterrorismo. No primeiro caso, o simples ato de proferir um juramento sem contato direto com algum membro da organização terrorista não é suficiente para tornar-se integrante do referido grupo. No caso de atos preparatórios, não foi apresentada qualquer evidência de que existiria um atentado terrorista sendo planejado, o que afasta a tipificação deste delito. Conforme destacamos, a análise oferecida é uma mera extrapolação de informações incompletas que foram coletadas nos meios de imprensa, sendo de se levar em conta a possibilidade dos serviços de inteligência conhecerem dados sensíveis que não foram divulgados para o público.

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