segunda-feira, 26 de maio de 2014

TJRS: Cópia de dados não configura crime de furto


Em recente decisão da 7ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Apelação criminal n. 70049844483) decidiu que a mera gravação de dados e arquivos informáticos não constitui-se em conduta típica do crime de furto.

Segundo a ementa:

APELAÇÃO. CRIME. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO QUALIFICADO POR ABUSO DE CONFIANÇA. CÓPIA DE ARQUIVOS DE DOCUMENTOS INFORMÁTICOS. ATIPICIDADE DA CONDUTA. Tanto a narrativa contida na denúncia como os substratos probatórios colacionados aos autos revelam que a ré copiou, para si, possivelmente, infringindo contrato firmado perante a sua empregadora, arquivos e documentos informáticos gravados em disco rígido de computador - conduta atípica e que não se subsume àquela prevista no art. 155 do CP. Precedentes doutrinários de que o verbo nuclear previsto no tipo - subtrair - pressupõe o apoderamento da coisa móvel alheia mediante a apreensão e ulterior remoção do local onde se encontrava, exigindo-se, para a consumação do ilícito, que a res seja inclusive transportada para lugar onde a vítima não mais possa, ainda que precariamente, realizar a vigilância sobre a mesma. Inviabilidade de se considerar que a acusada, copiando para si, dados e arquivos informáticos, tenha tirado os mesmos da esfera de disponibilidade ou custódia da ofendida, visto que simplesmente duplicou e gravou os mesmos em dispositivo do tipo USB, permanecendo a informação originária acessível à respectiva detentora de seus direitos autorais. Ausência de animus furandi ou rem sibi habendi que impõe, nesse contexto, considerar atípica a conduta noticiada, razão do acolhimento do pleito absolutório nos termos do art. 386, inciso III, do Estatuto Penal Adjetivo. APELAÇÃO DEFENSIVA PROVIDA. APELO MINISTERIAL DESPROVIDO. (AC n. 70049844483. 7ª Câmara Criminal - TJRS - Rel.ª Des.ª Naele Ochoa Piazzeta).

COMENTÁRIOS.

1. A mera cópia de arquivos informáticos, de fato, não é conduta suficiente para o reconhecimento da conduta típica de furto. Como, muito bem fundamentado na decisão da 7ª Câmara Criminal do TJRS, o verbo núcleo do tipo do crime descrito no art. 155 do Código Penal, implica, além da captura da coisa alheia móvel por parte do sujeito ativo, que ocorra uma inversão da posse de forma que a res furtiva seja retirada da esfera de disponibilidade da vítima. Neste caso, como acertadamente foi reconhecido em sede de apelação criminal, a mera cópia não autorizada de tais arquivos não implica em indisponibilidade dos dados para a ofendida, restando ausente um elemento essencial para a caracterização do crime de furto. Ademais, "reflexão deve ser feita acerca da possibilidade de se considerar informações gravadas em disco rígido de microcomputador ou em servidores remotos como 'coisa móvel'; há de se perquerir, também, se dados informáticos, os quais não passam de bits e bytes, possuiriam conteúdo economicamente apreciável a ponto de caracterizar elementar do artigo 155 do Código Penal", conforme pontua a Relatora.

2. O tipo penal descrito no art. 154-A do Código Penal ["Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa] não pode ser aplicado ao caso em pauta por imperativo constitucional do princípio da Legalidade e da Anterioridade em matéria penal (art. 5º, XXXIX e XL, da Constituição Federal). A conduta da apelante é datada nos dias 3 e 4 de setembro de 2008, enquanto a conduta típica do art. 154-A do Código Penal foi inserida no Código Penal pela L. n. 12.737/2012).

3. Mesmo que a conduta da ré fosse alcançada pelo tipo penal descrito no art. 154-A do Código Penal, seria duvidosa a sua consubstanciação típica. Isso em decorrência do fato que a apelante, apesar de copiar informações sem a devida autorização do titular de tais dados, não os tenha obtido através de violação indevida de mecanismo de segurança, como demanda a figura típica em análise. A cópia ocorreu prevalecendo da função que ocupava - Coordenadora de Recursos Humanos da empresa - e com abuso de confiança, sem que fosse necessário qualquer atuação que fossa ser considerada invasão através de violação de mecanismo de segurança aos arquivos duplicados pela apelante.

4. Nestes termos, mesmo que a apelante tenha firmado contrato de sigilo, não há de se falar em responsabilidade criminal por tal conduta, ainda que seja possível o reconhecimento de quebra de contrato que, possivelmente, pode fundamentar responsabilidade civil.

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