terça-feira, 26 de julho de 2016

ESTUDO DE CASO: Desobediência de Eduardo Suplicy em reintegração de posse




O CASO

Na segunda-feira (25 de julho de 2016) o ex-senador Eduardo Suplicy foi detido por policiais militares e conduzido 75º Distrito Policial, sendo autuado por desobediência. Lavrado o termo circunstanciado de ocorrência, foi liberado três horas depois [FONTE]. Veja o vídeo abaixo.



Conforme relato das autoridades policiais, Suplicy estava no local por ocasião de ordem de reintegração de posse de um terreno municipal. Segundo a Prefeitura Municipal, o terreno não poderia ser usado para a construção de moradias populares pois, em razão de instabilidade do solo, oferecia riscos tais que colocavam em perigo os ocupantes. Segundo o prefeito Haddad: "Liguei para o subprefeito, disse a ele para ponderar sobre a oportunidade da reintegração, mas depois eu recebi um telefonema do secretário de Negócios Jurídicos dizendo que consultados, os engenheiros que avaliam risco entenderam que não havia como manter naquela barranqueira as famílias ali, que se não fosse cumprida a ordem judicial qualquer advento: solapamento, desmoronamento, ia ser imputada a responsabilidade para a Prefeitura, que as famílias não poderiam continuar lá por ser uma área de risco bastante importante".

Eduardo Suplicy relata que se colocou entre os policiais e os ocupantes para evitar a erupção de atos de violência entre eles. Com este intuito, deitou-se na frente do grupo de oficiais de justiça e policiais, de modo que impediu a passagem do maquinário que lá estava para derrubar as moradias irregulares. Neste contexto, os policiais demandaram que Suplicy desobstruísse o caminho, no que foram desobedecidos pelo ex-senador. Diante da recusa, os policiais o pegaram pelos braços e pernas e, assim, o levaram para o Distrito Policial sob a acusação de desobediência (art. 330 do Código Penal).


ANÁLISE DA CONDUTA DE EDUARDO SUPLICY
Preliminarmente, para evitar confusão terminológica, cumpre destacar que não existe um delito designado por alguns como “obstrução da justiça”. No caso de particular que se opõe à realização de uma ordem legal exarada por funcionário público, poder-se-ia dizer, em regra, dos crimes de resistência (art. 329 do Código Penal) ou do crime de desobediência (art. 330 do Código Penal).

O crime de resistência pressupõe que o sujeito ativo se oponha, ativamente, à realização de um ato legal.  Tal delito demanda que a oposição seja implementada utilizando de violência ou grave ameaça contra funcionários públicos. Como pode-se aduzir dos vídeos e dos depoimentos sobre o ocorrido, Eduardo Suplicy, tão somente, deitou-se na frente os oficiais de justiça e dos policiais impedindo que a ordem de reintegração de posse fosse executada. Assim, é evidente, que não se pode falar do delito de resistência, uma vez que da ausência de violência ou grave ameaça decorre o afastamento de tal modalidade típica.

A resistência pacífica ou ghândica, como é conceituada por Nelson HUNGRIA, ainda que não sustente a tipicidade do crime de resistência (art. 329 do Código Penal), poderá, conforme o caso, alicerçar a figura criminosa de desobediência (art. 330 do Código Penal) quando alguém se recusa ao cumprimento de ordem legal emanada de funcionário público.

Na situação em apreço, Eduardo Suplicy, ao deitar-se perante os funcionários públicos que deveriam levar a cabo o cumprimento de ordem judicial, impede a realização de um ato legal. Ao receber ordem de levantar-se e desobstruir o caminho para as máquinas de demolição, permanece passivamente deitado, no que é retirado pelas autoridades policiais. Os elementos típicos do crime de desobediência, salvo a superveniência de novas informações, estão presentes na conduta do ex-senador.

Não há o que se discutir sobre a legalidade da ordem de reintegração de posse, uma vez que foi exarada por autoridade judicial competente e, salvo novos dados, também foi observado o devido processo legal. Também não é o caso de discutir se a ordem legal é justa ou não com os ocupantes do terreno municipal. Sendo o ato ou ordem conforme o direito, a simples discordância pessoal sobre a moralidade ou justiça do comando legal não afasta a tipicidade do delito. Tal se dá em razão do crime de desobediência demandar, tão somente, o dolo genérico de não cumprimento de uma ordem legal. Neste sentido:

“No crime de desobediência a questão do subjetivismo da ordem recebida não tem relevância. Ou a ordem é legal, como se presume na maioria dos casos, ou não é. Em sendo, não cabe discutir seu acerto” (TACRIM-SP-AC- Rel. Prestes Barra – Juricrim-Franceschini 1/626).

Considerando evidente que a ordem de reintegração de posse é um ato legal e que o comando da autoridade policial para que Suplicy desobstruísse o caminho também o é, quando da recusa de cumprimento pelo ex-senador estão presentes os requisitos de tipicidade objetiva da conduta.

Pouco importa, também, a justificativa de Suplicy de que assim procedeu para evitar uma escalada de violência entre as autoridades públicas e os ocupantes do terreno. Não há notícia de que as forças policiais tenham utilizado força excessiva no cumprimento da reintegração de posse. Aliás, apesar das boas intenções de Suplicy, a conduta dele foi bastante imprópria naquele contexto, e – na minha opinião – contribuiu para exaltar os ânimos dos ocupantes e estimular a resistência ao cumprimento da ordem de reintegração de posse. Nesse sentido, a conduta do ex-senador foi um desserviço.

Também não é o caso de dizer de excesso de força na condução do ex-senador. Nas palavras de Eduardo Suplicy: "Não acredito que houve abuso [policial] porque eu próprio disse a eles: 'Se quiserem, me levem'." Destacou ainda que "Disse: 'Assim vocês vão quebrar meu braço'. E eles diminuíram a força" [FONTE].

CONCLUSÃO.
Eduardo Suplicy, deitando-se na frente do maquinário com o intuito de obstar o cumprimento de ordem de reintegração de posse, cometeu o crime de desobediência no que, recebendo o comando legal de abrir caminho, recusou-se e permaneceu, passivamente, no caminho do maquinário de demolição. 

PS: Também são meramente retóricos os protestos daqueles que, inconformados com a prisão do Suplicy, justificam seu posicionamento dizendo que outro Eduardo, o Cunha, ainda não foi preso ou que deveria ser preso no lugar do Suplicy. Para além da militância, cumpre destacar que a responsabilidade é subjetiva e personalíssima, de modo que cada um deve responder pelo seus atos e, tão somente, por seus atos. Se a impunidade de um justifica a impunidade de outro, então justifica-se a impunidade de todos.

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