sábado, 17 de maio de 2014

Onda de saques em Pernambuco: Os efeitos do arrependimento posterior


A greve da Polícia e Bombeiros Militares de Pernambuco deixou um saldo terrível para a população daquele Estado. Durante os três dias de paralisação, nos quais os policiais e bombeiros militares ficaram aquartelados, o pânico tomou conta de várias cidades do Estado. Com o intuito de debelar o calamitoso estado da Segurança Pública que se seguiu ao início da greve ilegal dos policiais militares, a Força Nacional de Segurança e o Exército reforçaram o policiamento da Grande Recife. A chegada destes contingentes, entretanto, não ocorreu a tempo de evitar uma onda de saques ao comércio em Abreu Lima, município da Grande Recife.

Segundo informações da Polícia Civil, durante estes três dias de greve, foram autuadas 102 pessoas em flagrante por furtos, roubos, perturbação do sossego, porte ilegal de arma e dano qualificado. Pelo menos 30 episódios de saque e 15 arrastões foram registrados.

Com o retorno dos efetivos da Polícia Militar ao trabalho e a progressiva estabilização da situação na Grande Pernambuco, a Polícia Civil lançou uma campanha  para estimular a devolução de objetos saqueados sob a promessa de que os envolvidos não serão presos.

Conforme noticiado, várias pessoas procuraram as autoridades policiais para devolver dezenas, senão centenas de objetos furtados por ocasião da onda se saques. Muitos, desconfiados da proposta da Polícia Civil, abandonaram bens saqueados nas ruas de Abreu Lima.

Sobre aqueles que participaram de saque e devolveram os objetos furtados aos donos ou a autoridade policial competente, qual o tratamento jurídico-penal reservado para pessoas em decorrência de tais comportamentos?

1) Impossibilidade de flagrante delito.

Quando o delegado de polícia afirma que  "Não vamos prender nem fichar quem trouxer as coisas para a delegacia. Eles serão identificados, ouvidos e liberados", pode-se afirmar que está coberto de razão. Aliás, mesmo que quisesse, não poderia prender aquele que se apresenta voluntariamente para devolução de objetos saqueados. As razões são simples.

Primeiramente, não ocorrendo confissão, não existem elementos suficientes para caracterização da autoria de um crime em razão da simples devolução de um objeto furtado. Este mero ato de restituir tais objetos não implica em prova suficiente para afirmação da autoria do crime.

Mais importante é que, mesmo ocorrendo confissão pelo arrependido autor de saque, resta juridicamente impossível a prisão em flagrante, considerando que tal situação não se amolda a nenhuma das hipóteses descritas no art. 302 do Código de Processo Penal necessárias para a caracterização do flagrante, a saber: (a) quando está sendo cometida a infração penal; (b) quando o delito acabou de ser cometido; (c) quando o autor é perseguido, logo após a prática do delito, em situação que se faça presumir a autoria do crime; e (d) o autor é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele o autor da infração penal.

Isto posto, mesmo confessando a autoria de furto por ocasião de saque, o arrependido não poderá ser preso, devendo ser identificado, ouvido e liberado. Isso, porém, não implica que aqueles que restituírem objetos furtados estarão imunes à possibilidade de se verem processados e, eventualmente, condenados por crime de furto.

2) Efeitos do arrependimento posterior.

Para aquelas pessoas que, depois da prática de furtos por ocasião da onda de saques, restaram arrependidos e voluntariamente devolveram os objetos furtados será reservado o benefício do arrependimento posterior, nos termos do art. 16 do Código Penal ("Nos crimes cometidos sem violência ou grave ameaça à pessoa, reparado o dano ou restituída a coisa, até o recebimento da denúncia ou da queixa, por ato voluntário do agente, a pena será reduzida de um a dois terços").

Importante destacar que o instituto do arrependimento posterior não se confunde com o do arrependimento eficaz (art. 15 do Código Penal). Nesta hipótese o agente evita a consumação do delito, afastando a figura da tentativa, somente respondendo pelos atos já praticados; No caso do arrependimento posterior, o crime está consumado. A devolução dos objetos furtados pelo autor, neste caso, não possui o condão de negar o caráter criminoso da atuação daquele que praticou o furto, tão somente lhe garante uma causa de diminuição de pena de um a dois terços.

Sendo assim, mesmo que não possa ser preso em flagrante, o autor de furto durante a onda de saques em Pernambuco - existindo provas da autoria e da materialidade do crime praticado - mesmo devolvendo todos os objetos subtraídos poderá ser processado e, eventualmente, condenado, sendo possível, inclusive, que faça por merecer o cumprimento de pena privativa de liberdade, dependendo das circunstâncias do crime e de outras de caráter pessoal.

2 comentários:

  1. Professor, ótima manobra da polícia para conseguir recuperar os objetos furtados, utilizando da ignorância da população a lei ou até mesmo externando a própria. Afinal, como explicou no caso em tela, o sujeito não poderá ser preso em flagrante, a polícia querendo ou não.
    No entanto, a denúncia dos atos narrados serão feitas pelo Ministério Público, como bem disse, os envolvidos poderão e, ao meu ver, deverão ser processados, porquanto praticaram um delito; aliás, criaram pânico nas ruas (por ser um ato em grupo em que devem ter acuado os moradores de boa conduta).
    E então? Se processados e condenados a pena privativa de liberdade, o que será feito quanto essa promessa da Polícia Civil?

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  2. Por isso, nunca é demais reiterar o conselho: Consulte sempre um advogado.

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