terça-feira, 6 de maio de 2014

Os limites da piada: Danilo Gentili é absolvido do crime de injúria racial


Em tempos que bananas possuem o potencial explosivo de granadas de mão, o comediante Danilo Gentili, notório por sua capacidade de provocar risos e polêmicas, foi absolvido do crime de injúria racial.

Os fatos que fundamentaram a denúncia retrocedem à madrugada de 1º de outubro de 2012, quando o comediante, através do Twitter, teria injuriado Thiago Luiz Ribeiro Menezes. Segundo consta na sentença, tudo teria começado com uma discussão naquela rede social. Thiago Menezes sustentava que a postura do comediante era desrespeitosa e suas piadas preconceituosas e criminosas. A discussão foi ficando cada vez mais acalorada, até o ponto que Thiago Menezes declarou que, mesmo sendo ele "macaco" ou "King Kong" processaria o comediante, obrigando-o a responder judicialmente por suas palavras. Foi então que Danilo Gentili postou o seguinte comentário: "quantas bananas você quer para deixar isso para lá?".

O Ministério Público, em sua denúncia, sustentou que desde a resposta de Gentili seria possível reconhecer os elementos típicos do delito de injúria racial (art. 140, § 3º, do Código Penal). Afirma o Parquet: "o acusado DANILO dirigiu-se para com a vítima com evidente dolo de injuriá-lo pelo preconceito da mesma ser negra, a indicar, pela conclusão lógica e reflexa, de que a vítima, por sua cor da pele, estaria equipada a animal tipo macaco".

A defesa do comediante, por outro lado, lançou mão da tese de que a resposta de Danilo Gentili deveria ser compreendida dentro de um contexto humorístico, de forma que o desejo do comediante  não era ofender Thiago Menezes, mas sim, antes de tudo, produzir risos através de uma piada e desde o ridículo. Trata-se da sustentação da tese "si quis per jocum percutiat, injuriarum non tenetur", ou seja, de uma piada não redundaria uma ofensa. 

A decisão pela absolvição amparou a tese defensiva. Segundo a magistrada: "No caso concreto, a própria vítima começa a discussão se autointitulando 'King Kong', bem como que iria fazer o réu pagar por supostos crimes cometidos. Assim, valendo-se da circunstância criada pela própria vítima, que se autointitulou 'King Kong', o acusado disser: 'Sério @LasombraRibeiro vamos esquecer isso... Quantas bananas vc quer para deixar essa história para lá?". Por mais que a brincadeira tenha sido infeliz e inoportuna, não me parece que tenha restado bem delineado o animus injuriandi, imprescindível à caracterização do crime de injúria qualificada". Desde tal fundamentação, Danilo Gentili foi absolvido.

CONSIDERAÇÕES

Não é brincadeira a tarefa de precisar os limites entre a piada e ofensa injuriosa. Neste caso, observa-se uma tensão entre dois direitos fundamentais: o direito a liberdade de expressão artística (art. 5º, IX, CF/88) e a proteção constitucional da honra e da dignidade pessoal (art. 5º, X, CF/88).

O debate sobre os limites da piada toma contornos de assunto sério e chega a dividir a própria classe dos humoristas. Alguns sustentam que o humor, por seu caráter subversivo, deve ser utilizado com um instrumento para a desconstrução de preconceitos sociais. Estes pontificam que as piadas devem possuir alvos preferenciais, ridicularizando os "grupos dominantes" em defesa das "minorias e grupos vulneráveis". Noutro sentido, outros defendem que o humor não deve estar atrelado a uma ideologia ou agenda política. Sustentam que, antes de tudo, a finalidade primordial da piada é ser engraçada e ponto final. Inclusive, um vídeo bastante interessante sobre tal busílis pode ser visto aqui.

Ainda que se concorde que é possível reconhecer um relevante valor moral e/ou social de uma anedota que permita a exposição ao ridículo de comportamentos abusivos e criminosos com a discriminação racial e de gênero, é, por outro lado, necessário pontuar que não é possível, desde a liberdade de expressão artística, determinar um limite jurídico para piadas com base em critérios ideológicos ou políticos. Seria ridícula e inconstitucional a instituição de uma régua de adequação jurídica do humor determinando quem pode ser, licitamente, alvo de piadas e quem está blindado contra a exposição ao ridículo.

Com isso quer-se dizer que, ainda que seja possível classificar uma anedota como engraçada ou não; vulgar ou cândida; ou ainda como socialmente engajada ou politicamente incorreta, não é juridicamente possível estabelecer, desde tais critérios, uma censura ao humorista.

Disso não decorre, entretanto, que não existam limites ao humorista, mas tão somente que a liberdade de expressão artística deve ser entendida de forma ampla e as eventuais transgressões jurídicas somente podem ser afirmadas quando patente que o desejo de ofender se sobrepõe ao ânimo jocoso. Afinal, é de se reconhecer a possibilidade de que alguém profira uma profunda ofensa e se defenda, astuciosamente, sob a alegação da piada. Isso quer dizer que uma piada somente pode ser considerada como crime de injúria, se patente que o propósito de ofender precede o desejo de fazer rir. Por certo, não se afirma que é uma tarefa fácil tal verificação.

Neste sentido, a decisão da magistrada no presente caso parece ser acertada. Para que uma condenação penal em decorrência de injúria seja fundamentada é mister se demonstrar o inequívoco caráter ofensivo da conduta. Para a determinação de tal, necessário considerar o contexto no qual a proposição foi proferida. Neste sentido:

"Assim, ações objetivamente injuriosas, mas realizadas sem ânimo de injuriar, senão de brincar, criticas, narrar, etc., não são delitos de injúria. Este elemento subjetivo se deduz às vezes do próprio contexto, mas outras vezes pode ficar confundido ou solapar-se com outros propósitos ou ânimos (informativos, de crítica, etc.) que dificultam a prova" (Francisco Muñoz CONDE in Rogério GRECO, Curso de direito penal. v. II, 2012, p. 443).

Considerando aquele âmbito da rede social possui um caráter essencialmente humorístico e a conduta de comediante não poupava ninguém, nem mesmo o próprio Gentili, de comentários depreciativos com o intuito de ridicularizar e provocar o riso, a magistrada corretamente vaticina que não resta evidente o animus injuriandi, restando necessário, em razão do princípio in dubio pro reo, a absolvição do acusado, pontuando ainda que "é certo que a pessoa que não tem condições de participar de brincadeiras e piadas, não está preparada para isso, não deve, evidentemente, interagir com um 'Twitter' com essa finalidade" e destacando que, apesar de uma satisfação penal não ser possível, restaria ainda a possibilidade de uma ação de indenização em razão de danos morais, visto os critérios para afirmação da responsabilidade civil serem diferentes daqueles necessários para a determinação da responsabilidade penal.

Em suma: Parece acertada a decisão judicial pela absolvição do humorista, neste caso, uma vez que não restou demonstrado, além dos limites da dúvida razoável, o caráter ofensivo da piada. 

De qualquer modo, a polêmica sobre os limites da piada provável não terminará por aqui.

5 comentários:

  1. Excelente, tanto a decisão quanto o texto.

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  2. Concordo com Doctor ,e na minha opinião as pessoas andam muito sem senso de humor ,acho Danilo um ótimo humorista,as pessoas andam muito doidinhas ,o cara faz uma piada e já é preconceito ,processo nele , tanta coisa ruim acontecendo no mundo ,quase ninguém se importa e ainda querem prejudicar os poucos que nos trazem um tiquinho de alegria ,impossível agradar a todos.

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  3. Obrigado pelas opiniões, elas são importantes para poder melhorar os textos.

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