quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

Quantas gestantes morrem em decorrência de abortos clandestinos no Brasil?


Após o recente pronunciamento do presidente da câmara Eduardo Cunha que afirmou categoricamente que obstaria qualquer projeto pela legalização do aborto, reacendeu-se o fogo em torno do debate sobre a legalização do aborto. Por evidente, acredito que uma questão ética tão crucial como é a legalização do aborto merece mais espaço no debate público. Por outro lado, o que é particularmente frustrante é identificar que este debate esta viciado pelo recorrente uso de informações, como é dos comentários de Rita Frau sobre o caso.

Segundo o Estadão: "Rita Frau, integrante do grupo de mulheres Pão e Rosas e membro da Executiva Nacional do Movimento Mulheres em Luta, também comentou a declaração do deputado em redes sociais. Ela disse: “A declaração dele é simplesmente o aval para que sigam morrendo milhares de mulheres por abortos clandestinos todos os anos. No Brasil ocorre 1 milhão de abortos e mais de 200 mil mulheres morrem todos os anos. O que ele está dizendo, é que o Estado manterá a criminalização do aborto e as mulheres continuarão realizando o procedimento das maneiras mais precárias, anti-higiênicas, e seguirão morrendo.”

Sendo verdadeira a proposição de Rita Frau de que morreriam, anualmente, 200 mil mulheres decorrentes de complicações relacionadas com a prática de abortos clandestinos, teríamos um verdadeiro holocausto do gênero feminino. Aliás, este número de óbitos vem, de a muito, sendo lançado como inconteste e já serviu de fundamento para que o Brasil fosse censurado pela ONU em 2012. Superado o assombro inicial, resta a pergunta: Sobre quais dados este número foi obtido? 

Para verificar a correção ou incorreção deste número de 200 mil óbitos femininos decorrentes de abortos clandestinos, verificamos as taxas de mortalidade do IBGE e dados públicos disponibilizados pelo DataSUS. Depois da análise destas variáveis, não resta dúvida que esta cifra de 200 mil óbitos femininos decorrentes de processos abortivos clandestinos é completamente desprovida de fundamentos e absolutamente divorciada dos fatos. Vejamos as razões para afirmar que o mito dos 200 mil óbitos femininos decorrentes de complicações relacionadas com práticas abortivas não se sustenta.

Inicialmente e analisando dados do IBGE, buscamos os números de óbitos femininos classificados como mortes violentas. A surpresa é imediata ao constatar que o número total de falecimentos ocorridos no período de 1998 a 2008 foi de 187.767 mortes violentas de mulheres. Uma média portanto de 18.776 mulheres ano. Não resta dúvida que tal cifra é absolutamente incongruente com aquele número astronômico de 200 mil óbitos propagados por alguns, mais do que dez vezes a média anual de mortes violentas de mulheres.

Será então que a titânica cifra estaria inserida entre os números relativos às mortes naturais? No mesmo decênio, faleceram 4.382.207 mulheres, sendo que destas 3.821.866 são referentes a pessoas maiores de 40 anos (em regra fora da idade reprodutiva) e 252.934 referentes a menores de 5 anos idade. Totaliza-se assim 4.074.800 óbitos de mulheres que, muito provavelmente, devem-se a outros fatores diversos da complicação com aborto. Isso quer dizer que, excluindo aquelas, restam 307.407 óbitos naturais de mulheres em um período de 10 anos (30,740 óbitos femininos por ano em média), notando que esse número é referente ao total de mulheres maiores de 5 anos e menores de 40.

Considerando que o 30.740 como a média anual de óbitos naturais femininos nesta parcela da população (de 5 a 40 anos de idade), resta impossível que 200.000 mulheres morram devido a complicações decorrentes de aborto ano, pois este número é superior é seis vezes superior ao número de óbitos naturais que anualmente acometem as mulheres em idade reprodutiva.

A incorreção deste número é tamanha que podemos estabelecer algumas comparações para evidenciar o absurdo. Dizer que morrem 200 mil mulheres em decorrência de abortos clandestinos por ano é tão divorciado da realidade que ignora que tal montante é seis vezes superior à média anual de óbitos naturais de mulheres com idade entre 5 e 40 anos. E mesmo se considerarmos que 200.000 mulheres morreram em decorrência de complicações com o aborto não em 1 (um) mas em 10 (dez) anos, seria o mesmo que dizer que de cada 100 óbitos de mulheres entre 5 e 40 anos, 65,06% seria decorrentes de complicações com aborto.

Demonstrado que o número de 200 mil óbitos de mulheres em decorrência de complicações relacionadas ao aborto clandestino é completamente inverídico e desprovido de substância, vejamos dados oficiais do SUS sobre a questão: Segundo o DataSUS, o número de óbitos de mulheres relacionados com complicações decorrentes de aborto (todos os tipos de aborto incluindo espontâneos e não esclarecidos) ocorridos no ano de 2004 foi de 156 falecimentos.

As mortes por falhas de tentativa de aborto provocado, as únicas realmente registradas como tais nos dados do DataSUS, foram, respectivamente nos anos de 2002, 2003 e 2004, em número de 6, 7 e 11 mortes.

Em 2014, o DataSUS indica que o número total de mulheres que faleceram em decorrência de problemas relacionados com a gestação, parto ou puerpério (incluindo aí todos os casos de aborto) foi de exatos 1.176 óbitos. Número absolutamente distante daqueles absurdos 200 mil casos.

Sendo assim, que venha o debate, mas, por favor, não utilizemos dados fantasiosos e inverídicos.

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