quinta-feira, 5 de março de 2015

IPEA e a eficácia da Lei Maria da Penha: Os problemas da pesquisa



O IPEA divulgou nesta quarta-feira, 04 de março, em Brasília, um estudo sobre a efetividade da Lei Maria da Penha (LMP). Por meio de um método conhecido como modelo de diferenças em diferenças – “em que os números de homicídios contra as mulheres dentro dos lares foram confrontados com aqueles que acometeram os homens“–, os pesquisadores do Instituto utilizaram dados do Sistema de Informações sobre Mortalidade do SUS para estimar a existência ou não de efeitos da LMP na redução ou contenção do crescimento dos índices de homicídios cometidos contra as mulheres.

Apesar de a Lei Maria Penha não ter como foco o homicídio de mulheres, a pesquisa partiu do pressuposto de que a violência doméstica ocorre em ciclos, “onde muitas vezes há um acirramento no grau de agressividade envolvida, que, eventualmente, redunda (muitas vezes de forma inesperada) na morte do cônjuge”, por isso “seria razoável imaginar que a lei, ao fazer cessar ciclos de agressões intrafamiliares, gere também um efeito de segunda ordem para fazer diminuir os homicídios ocasionados por questões domésticas e de gênero”, defendem os autores.

Os resultados indicam que a LMP fez diminuir em cerca de 10% a taxa de homicídio contra as mulheres dentro das residências, o que “implica dizer que a LMP foi responsável por evitar milhares de casos de violência doméstica no país”. Os autores ressaltam, no entanto, que a efetividade não se deu de maneira uniforme no país, por causa dos “diferentes graus de institucionalização dos serviços protetivos às vítimas de violência doméstica”. Para mais informações sobre a distribuição de serviços protetivos à mulher no território nacional, consulte o segundo estudo divulgado nesta quarta-feira, a Nota Técnica - A institucionalização das políticas públicas de enfrentamento à violência contra as mulheres no Brasil (versão preliminar).

Dados
Os dados utilizados para a análise dizem respeito às agressões letais no Brasil e foram obtidos por meio do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), do Ministério da Saúde. Os registros do SIM são contabilizados com base nas informações das declarações de óbitos fornecidas pelos Institutos Médicos Legais (IMLs). Além da “causa básica do óbito”, foram utilizadas as variáveis referentes ao sexo do indivíduo e à data do registro, bem como o município de ocorrência.

Metodologia
Para estabelecer a magnitude do efeito da Lei Maria da Penha sobre a taxa de homicídios de mulheres, isolando outras influências não relacionadas às questões de gênero, o modelo de diferenças em diferenças confrontou os homicídios contra as mulheres dentro dos lares com aqueles que acometeram os homens. Por exemplo, se o número de homicídios de homens e mulheres crescerem no período analisado pela pesquisa, mas o aumento para os homens tiver sido maior, descontando outros fatores de influência, a efetividade da lei pode ser verificada, pois, se não houvesse a LMP, o aumento da taxa de homicídio de mulheres seria ainda maior do que a observada nos dados.

Análise 
A ideia central para a identificação do modelo é que existem fatores associados à violência generalizada na sociedade e, em particular, à violência urbana, que afetam de forma regular os homicídios de homens e mulheres. Todavia, existem outros fatores ligados à questão de gênero que afetam apenas os homicídios de mulheres. Foram estimados vários modelos que explicam os homicídios e os homicídios dentro das residências, os quais consideraram efeitos fixos locais e temporais, além de variáveis de controle para a prevalência de armas de fogo e para o consumo de bebidas alcoólicas nas microrregiões brasileiras. Os resultados mostraram unanimemente que a introdução da LMP gerou efeitos estatisticamente significativos para fazer diminuir os homicídios de mulheres associados à questão de gênero.

Evolução dos homicídios
A evolução da taxa de homicídios em residência para o Brasil no período entre 2000 e 2011 é apresentada no gráfico 1. A análise dos homicídios dentro das residências é importante, pois, segundo as evidências internacionais e nacionais, em mais de 90% dos casos, os responsáveis são conhecidos familiares da vítima, configurando situações tendem a se aproximar mais dos eventos associados às questões de gênero.

Taxa de homicídios praticados em residências
Para avaliar se um experimento ou uma lei é efetiva ou não, não basta ver se a variável de interesse (no caso, homicídios nas residências) aumentou ou diminuiu. É preciso construir um cenário contrafactual. Ou seja, se não houvesse a lei, as homicídios teriam crescido mais do que o que foi observado? A resposta é positiva, então, a lei foi efetiva.

O aumento no número de homicídios em residência pode ter sido influenciado por outros fatores socioeconômicos. O modelo de diferenças em diferenças mede o supracitado cenário contrafactual ao comparar a evolução da taxa de homicídios entre homens e mulheres e, além disso, levar em conta especificidades locais (no nível das microrregiões), que podem afetar diferentemente a violência contra homens e mulheres, e tendências temporais, que podem ser resultado de mudanças estruturais e/ou políticas passíveis de afetar as trajetórias de homicídios. Ademais, o modelo considera a evolução da prevalência de armas de fogo e de ingestão de bebidas alcoólicas, que poderia interferir na regularidade dos homicídios de homens e mulheres.

FONTE: IPEA

COMENTÁRIOS RABUGENTOS

É possível que da Lei Maria da Penha (11.343/2006) tenha decorrido algum efeito sobre as taxas de violência doméstica e familiar praticadas contra a mulher. O que, entretanto, pode escapar aos olhos do incauto é que a pesquisa IPEA sobre a efetividade do referido diploma legislativo padece de severos problemas metodológicos, tão graves que comprometem a conclusão enunciada pelos pesquisadores. Vejamos os problemas fundamentais.

O referencial de análise utilizado pelos pesquisadores para demonstrar a efetividade da Lei Maria da Penha estrutura-se sobre o seguinte raciocínio: "Para avaliar se um experimento ou uma lei é efetiva ou não, não basta ver se a variável de interesse (no caso, homicídios nas residências) aumentou ou diminuiu. É preciso construir um cenário contrafactual. Ou seja, se não houvesse a lei, as homicídios teriam crescido mais do que o que foi observado? A resposta é positiva, então, a lei foi efetiva". A conclusão dos pesquisadores, entretanto, não é suportada pela análise dos dados de violência doméstica conforme demonstraremos.

1) A taxa de homicídios praticados em residências contra mulheres cresceu em um ritmo mais acelerado do que a taxa masculina.

Dá-se como certo que a Lei Maria da Penha é, essencialmente, uma legislação orientada para a proteção da mulher contra a violência de gênero praticada no contexto doméstico, familiar e afetivo. Partindo da assertiva de que a Lei Maria da Penha determina uma proteção mais intensa da mulher, é razoável supor que, sendo efetiva, a taxa de crimes letais contra vítimas do gênero feminino seria mais influenciada do que a taxa de crimes letais praticados contra vítima do gênero masculino.

Em suma, se a Lei Maria da Penha é efetiva, seria esperado que, desde sua entrada em vigor, a taxa de homicídios praticados em residência contra mulheres tenha crescido em um ritmo menos acelerado da taxa referente a vítimas do gênero masculino.

Considerando os dados coletados pelo IPEA, em 2006, quando a Lei Maria da Penha entrou em vigor, a taxa homicídios de mulheres dentro de casa era de 1,1 por grupo de 100 mil habitantes por ano; a taxa de homicídios praticados em residências contra homens era de 4,5. Cinco anos depois, a taxa de crimes letais praticados em residências aumentou, tanto para mulheres quanto para homens. Em 2011, a taxa de homicídios praticados em residência contra mulheres foi para 1,2; contra homens foi para 4,8 (FONTE).

Então, de 2006 - entrada em vigor da Lei Maria da Penha - até 2011, a taxa de crimes letais praticados em casa contra mulheres aumentou  9,09%. Considerando as vítimas masculinas, no mesmo período, o aumento da taxa de homicídios praticados em residência foi de 6,66%. 

Quer dizer, que desde que a Lei Maria da Penha entrou em vigor, a taxa de crimes letais praticados contra mulher em residências aumentou mais do que a taxa com vítimas masculinas. Justamente o contrário do que seria de se esperar de uma lei que estabelece uma proteção mais intensa da mulher contra a violência doméstica e familiar.

2) O incremento da taxa de homicídios com vítimas femininas foi pouquíssimo impactado pela Lei Maria da Penha.

A análise do gráfico de taxas de homicídios residenciais de mulheres entre os anos de 2000 e 2011 é suficiente para refutar as conclusões dos pesquisadores do IPEA. Como resta evidente, não é visível uma alteração significativa na evolução na referida taxa. 

Taxa de homicídios praticados em residências
Através do gráfico, observa-se que logo em seguida à entrada em vigor da lei Maria da Penha, em 2007, a taxa de homicídios residenciais com vítimas femininas teve uma ligeira queda. Entretanto, já em 2008, segue-se um crescimento mais vigoroso, retomando uma tendência de aumento que impulsionou a taxa para patamares superiores ao tempo anterior à Lei n. 11.340/2006. Cumpre repetir que, de 2000 até 2011, a taxa de homicídios residenciais feminino teve ritmo de incremento superior (9,09%), inclusive, a taxa de homicídios residenciais com vítimas masculinas (6,66%). Com isso é possível afirmar que a eficácia da Lei Maria da Penha foi, evidentemente, superestimada pelos pesquisadores do IPEA.

Ademais, mesmo considerando a taxa de crimes letais intencionais praticados contra mulheres - tanto os praticados em residência, quanto noutros lugares - os resultados não são animadores.


Com o advento da Lei Maria da Penha em 2006, a taxa de crimes letais intencionais com vítimas do gênero feminino teve uma imediata e sensível queda - provavelmente fruto da expectativa de eficácia -, entretanto, logo em seguida, a taxa voltou a aumentar. Disso é possível concluir que: "Se no ano seguinte à promulgação da Lei Maria da Penha - em setembro de 2006 - tanto o número quanto a taxa de homicídio de mulheres apresentaram uma visível queda, já a partir de 2008 a espiral de violência retoma aos patamares anteriores, indicando claramente que nossas políticas ainda são insuficientes para reverter a situação" (WAISELFISZ, Julio Jacobo. Mapa da Violência 2012: caderno complementar 1: Homicídio de mulheres no Brasil, p.17). 

CONCLUSÃO

A eficácia da Lei Maria da Penha, na melhor das hipóteses, é demasiada limitada, se tanto. É possível afirmar que os impactos foram mais sensíveis no ano imediatamente subsequente a entrada em vigor, entretanto a taxa de violência contra a mulher voltou a crescer em patamares bastante semelhantes àqueles verificados antes de sua promulgação.

Os números analisados, portanto, não autorizam qualquer afirmação no sentido de uma pretensa eficácia da Lei Maria da Penha. Muito pelo contrário, indicam uma limitadíssima modificação do quadro de violência de gênero que recai sobre a população feminina.

Tal fenômeno é recorrente na realidade jurídica brasileira, na qual o caráter simbólico do Direito Penal é utilizado de forma abusiva e panfletária, oferecendo à população algo que seria uma panaceia no plano ideal, mas que, precariamente aplicada não produz efeitos práticos que alterem a realidade sensível.

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