quarta-feira, 4 de março de 2015

FEMINICÍDIO: Homicídio qualificado de mulher está em vigor



Foi publicado no dia 09/03/2015 uma significativa alteração do Código Penal, determinando a criação de uma nova modalidade de crime de homicídio qualificado contra mulher por ódio de gênero (Feminicídio).

O texto também estabelece novas causas de aumento de pena (de um terço à metade) quando o crime for praticado contra gestante ou contra genitora até três meses depois do parto; contra menor de 14 anos, maior de sessenta anos, pessoa com deficiência ou na presença de ascendente ou descendente.

Especificamente sobre a criação de um tipo penal de homicídio qualificado designado como Feminicídio, muitas críticas podem ser levantadas.

O PROJETO
Previsto em substitutivo de Gleisi Hoffmann (PT-PR) ao PLS 292/2013, o feminicídio seria descrito nos seguintes termos: "O assassinato de mulheres pela condição de serem mulheres é chamado de 'feminicídio' - sendo também utilizados os termos 'femicídio' ou 'assassinato relacionado ao gênero" - e se refere a um crime de ódio contra as mulheres, justificada socioculturalmente por uma história de dominação da mulher pelo homem e estimulada pela impunidade e indiferença da sociedade e do Estado".

Pelo substituto ao PLS n. 292/2013, o art. 121 (homicídio) do Decreto-Lei n. 2.848 (Código Penal), de 7 de dezembro de 1940,  passaria a vigorar, se sancionado, com a seguinte redação:

Art. 121. [...].
[...].
§ 2º.
[...]
Feminicídio
VI -  contra a mulher por razões da condição do sexo feminino:
[...]
§2º-A: Considera-se que há razões de condição de sexo feminino quando o crime envolve:
I - violência doméstica e familiar;
II - menosprezo ou discriminação à condição de mulher.
[...]
§7º A pena do feminicídio é aumentada de 1/3 (um terço) até a metade se o crime é praticado:
I - durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto;
II - contra pessoa menor de 14 (quatorze) anos, maior de 60 (sessenta) anos ou com deficiência;
III - na presença de descendente ou ascendente da vítima.

COMENTÁRIOS:
Na esteira daquela absurda pesquisa do IPEA que, entre outras impropriedades, concluía que o brasileiro odiava as mulheres e era conivente com o estupro, eis que entra em vigor uma alteração legislativa que pode ser dada como perfeito exemplo da demagogia aplicada ao Direito Penal. 

Neste sentido, o novo tipo delitivo que pretende a criação de uma norma penal incriminadora de feminicídio, nos termos acima expostos, não passa da imprópria utilização da legislação criminal como uma forma de explorar o medo. Noutras palavras, utiliza-se do Direito Penal como mera ferramenta de propaganda política divorciada de qualquer impacto positivo para a segurança pública ou para a proteção de bens jurídicos. É o chamado Direito Penal simbólico. Nas palavras de José NABUCO FILHO

"O Direito Penal simbólico, geralmente, se manifesta mediante propostas que visam explorar o medo e a sensação de insegurança. A intenção do legislador não é a real proteção dos bens jurídicos violados com o crime, mas uma forma de adular o povo, dizendo o que ele quer ouvir, fazendo o que ele deseja que se faça, mesmo que isso não tenha qualquer reflexo na diminuição da criminalidade".

O Direito Penal simbólico, nestes termos, funciona como uma mera peça de propaganda, na qual se produz-se uma norma jurídica meramente decorativa, com pouquíssimo ou nenhum impacto na proteção dos bens jurídicos constitucionalmente tutelados. Segundo Rogério GRECO

"Para a lei penal não se reconhece outra eficácia senão a de tranquilizar a opinião pública, ou seja, um efeito simbólico, com o qual se desemboca em um Direito Penal de risco simbólico, ou seja, os riscos não se neutralizariam, mas ao induzir as pessoas a acreditarem que eles não existem, abranda-se a ansiedade ou, mais claramente, mente-se, dando lugar a um Direito Penal promocional, que acaba se convertendo em um mero difusor de ideologia".

É neste contexto, do Direito Penal simbólico, que se localiza este projeto de lei. 

Por certo, aqueles que ainda não estão convencidos do caráter panfletário de tal projeto poderiam objetar argumentando que os elevados índices de violência contra a mulher justificariam a criação de uma norma penal de feminicídio. O problema é que o homicídio praticado contra mulher em razão de ódio de gênero já era um crime qualificado (motivo torpe) e hediondo (art. 1º, I, da L. n. 8.97/90).

No caso do feminicídio, seria de se reconhecer que o tipo penal pressupõe que um dos elementos essenciais do delito estaria vinculado ao fato da vítima pertencer ao gênero feminino. Porém, uma análise mais atenta do novo disposto normativo permite também afirmar que não basta que a vítima seja uma mulher para tipificação do feminicídio. Seria, ainda, indispensável que a conduta homicida possa considerada como uma "forma extrema de violência de gênero". Não basta, então, que o crime seja praticado contra uma vítima do gênero feminino, sendo ainda necessário demonstrar que a conduta homicida dirigida contra mulher foi motivada por extrema misoginia ou ódio visceral ao gênero feminino, num contexto que o novo dispositivo designa "por razões da condição do sexo feminino".

Segundo a referida norma penal, por exemplo, não seria o caso de feminicídio se um sócio (do gênero masculino) mata a outra sócia (do gênero feminino) em razão de ganância ou para tomar-lhe o negócio. Entretanto se a sócia for a própria mãe, cônjuge ou irmã, aí já restaria duvidoso. Demonstra-se.

O sujeito que pratica crime de homicídio objetivando auferir vantagem patrimonial pratica um crime qualificado em decorrência de motivo torpe. Mas note: Se existe um relação familiar ou doméstica do homicida com a vítima do gênero feminino, apesar de demonstrado o interesse patrimonial do assassino; ainda assim, conforme a nova redação inserida no Código Penal, o homicídio pode também ser classificado como um crime de ódio de gênero, por reunir todos os elementos da descrição típica do (Feminicídio). 


Salienta-se novamente que, para que um homicídio seja considerado feminicídio, são suficientes dois elementos essenciais: (a) que a vítima seja mulher e (b) que a morte seja motivada por razões da condição do sexo feminino. 


A nova redação específica as hipóteses que configuram um crime praticado por "razão da condição do sexo feminino", a saber: (I) - envolve violência doméstica e familiar; ou (II) - envolve menosprezo ou discriminação da mulher. Ou seja, considerando a nova redação agora em vigor, matar a própria irmã, com o intuito de obter vantagem patrimonial, passa a ser um crime de ódio de gênero (!?!). Explicar-se-á em detalhes tal nonsense.

Por certo, praticar um crime por menosprezo ou discriminação à condição de mulher é congruente com a descrição de um delito que tipifica um crime de ódio de gênero. O problema maior reside no novo art. 121, §2º-A, I, do Código Penal. Através dele decorre que qualquer conduta típica de homicídio com vítima feminina e inserido no contexto da violência doméstica ou familiar é um crime realizado por razões de condição do sexo feminino. Um absurdo. 


E mais, considerando uma análise sistemática deste novo dispositivo com as normas estabelecidas na Lei n. 11.340/2006 (Lei Maria da Penha), pode-se afirmar que a proteção da mulher contra a violência de gênero independe da orientação sexual do relacionamento, alcançando, inclusive, atos de violência praticados por uma mulher contra outra, desde que exista entre elas uma relação de afeto (art. 5º, parágrafo único, da L. n. 11.343/2006). Disso decorre que, considerando duas mulheres envolvidas romanticamente, se uma mata a parceira, teríamos, nesta hipótese, um crime de feminicídio.


Fica evidente o problema do disposto no art. 121, §2º-A. Tal como redigido, afirma que todo crime de homicídio praticado contra mulher no contexto de uma relação doméstica ou familiar, é, tão somente por isso, um crime de ódio contra o gênero feminino, independentemente da orientação sexual.


Um crime inserido no contexto da violência doméstica e familiar é, muito provavelmente, uma ação delituosa no qual a qualidade familiar e os vínculos afetivos são mais importantes para motivação do crime do que a questão de gênero. Isso porque nos odiosos crimes de homicídio motivados pelo ciúme, mata-se, não em razão do gênero, mas sim, por decorrência do vínculo afetivo. Exemplificando: Uma pessoa que mata seu par romântico por ciúmes, seja qual for a orientação sexual do casal, não atua por odiar o gênero masculino ou feminino do parceiro(a), mas por uma patologia emocional que perverte a própria natureza afetiva da relação. Não é ódio ao gênero do parceiro que motiva a maioria dos crimes passionais, mas sim a doentia relação de afeto que existe entre os parceiros.


O ridículo da figura do feminicídio resta ainda mais evidente quando pontuado que, antes desta inovação legislativa, o homicídio praticado por ódio ou preconceito de gênero já era um crime de homicídio qualificado e, portanto, hediondo. Ora, se o feminicídio é, antes de qualquer outra coisa, um crime de ódio contra as pessoas do gênero feminino, pode-se bem afirmar que tal motivação é vil, abjeta e repugnante. Trata-se, pois, o crime de homicídio praticado por ódio de gênero de um delito praticado com motivação torpe. E o que é uma motivação torpe?

"Torpe é o motivo que atinge mais profundamente o sentimento ético-social da coletividade, é o motivo repugnante, abjeto, vil, indigno, que repugna à consciência média" (BITENCOURT, Tratado de Direito Penal. Parte Especial. V. 2. 2012).

O homicídio praticado por motivos de discriminação racial, de orientação sexual, social, de gênero, de procedência ou outro igualmente repugnante, por certo já é, antes de qualquer feminicídio, um crime praticado com motivação torpe.

Nestes termos, reconhecendo a torpeza da motivação daquele que pratica o crime de homicídio orientado por ódio de gênero ou machismo, faz-se, sem sentido, a criação de um tipo penal específico para os crimes contra a mulher praticados em razão de discriminação de gênero, pois o crime praticado nestes termos já é qualificado (pena de doze à trinta anos) e hediondo (art. 1º, I, da L. n. 8.072/90). 


Salienta-se ainda que a pena proposta para o feminicídio é a mesma do homicídio qualificado por motivo torpe. Ou seja, pretende-se criar um crime que tornaria o homicídio de mulheres por ódio de gênero um crime qualificado e hediondo com pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos desconhecendo o fato de que, na atual legislação, um crime praticado neste contexto já é qualificado e hediondo, merecendo uma pena de 12 (doze) a 30 (trinta) anos. Em suma: Pretende-se a alteração da legislação para que tudo continue na mesma, salvo nas hipóteses de causa de aumento de pena do proposto art. 121, §7º, do Código Penal, que reconhecidas permitiriam a aplicação de uma pena ligeiramente mais grave.


CONCLUSÃO
A criação da figura delituosa do feminicídio é completamente ineficiente do ponto de vista da proteção da vida da mulher vítima de violência de gênero. Trata-se de mero instrumento de panfletagem que é propagandeado como a solução para a violência de gênero, quando, na verdade, não altera significativamente a legislação.

Aliás, se nossos congressistas, verdadeiramente, preocupassem-se com a atual situação de calamidade da segurança pública, inclusive os alarmantes níveis de violência de gênero, dariam mais atenção à execução das leis existentes e menos à criação de outras que somente se prestam à propaganda. Neste país que somente 8% (oito por cento) dos homicídios são solucionados, é um verdadeiro acinte a criação de uma norma jurídica inócua que nada contribui para a solução de um problema premente como é a violência contra a mulher. Porém, ainda assim, muitos ficarão satisfeitos com esta nova figura delitiva do feminicídio. Por certo enganados e sem motivos, mas ainda assim satisfeitos.


Leia também: IPEA e a eficácia da Lei Maria da Penha

5 comentários:

  1. Excelente artigo! Prezado!
    Diz o que precisava ser dito sobre mais essa nova estrovenga penal, que se poderia qualificar de inútil, não fosse a sua utilidade no processo de classificação, separação, guetização de parcelas da sociedade brasileira, com objetivos políticos.

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  2. Talvez fosse mais interessante a Emenda Subst. apresentada pelo senador Aloysio Nunes, vejamos:
    “Homicídio
    Art. 121..........................................................
    ......................................................................
    Homicídio qualificado
    §2º .................................................................
    ......................................................................
    VI - por preconceito de raça, cor, etnia, orientação sexual e
    identidade de gênero, deficiência, condição de vulnerabilidade
    social, religião procedência regional ou nacional, ou por outro
    motivo torpe; ou em contexto de violência doméstica ou familiar;

    Como dito, talvez melhor do que aquela. Aliás, melhor mesmo seria deixar como estava, vez que "motivo torpe" engloba um caminhão de situações. De todo modo, reitero os argumentos proferidos pelo professor.

    Por fim, sem interesse em elucubrar ou polemizar, embora pareça novo, não o é.

    Trata-se do conceito da chamada "legislação simbólica" (hoje muito popular em alguns ramos do Direito (se é que existe tal coisa!). Partindo da teoria do direito de da ciência política alemã das duas última décadas do séc. XX e com a contribuição de diversos autores (Cassirer, Lévi-Strauss, Bourdieu, Freud, Jung, Lacan, Carnap, Luhmann...), aportava-se, neste território, as primeiras noções propedêuticas da chamada "Constitucionalização Simbólica", cujo mérito se deve a Marcelo Neves em trabalho apresentado para a obtenção de cargo de Professor Titular da Universidade Federal de Pernambuco realizado em 1992.

    Neves, aponta para "...o predomínio, ou mesmo hipertrofia, no que se refere ao sistema jurídico, da função simbólica da atividade legigerante e do seu produto, a lei, sobretudo em detrimento da função jurídico-intrumental". (Marcelo Neves, op. cit., p. 23).

    Temas como "A Demonstração da capacidade de ação do Estado no tocante à solução dos problemas sociais (legislação-álibi)", o "Adiamento da solução de conflitos sociais através de compromissos dilatórios", os "Efeitos sociais latentes ou indiretos da legislação simbólica", "Constitucionalização simbólica como alopoiese do sistema jurídico", etc.

    Seja como for exposto, importante é que a proposta de constitucionalização ou legislação simbólica deve ser o ponto de partida para que, compreendendo a problemática, diante das expectativas colocadas, as normas não sirvam apenas como retórica política ou álibi dos governantes, (n.s. Pedro Lenza, op. cit. p. 96).

    Sem mais.

    estudointenso@hotmail.com

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  3. Quanto aos erros de digitação, a culpa é do teclado...e minha por não editar. rsss.

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  4. Caríssimo estudointenso@hotmail.com,

    Agradeço pelos comentários e pelos apontamentos

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  5. Perdoem-me as mulheres, mas após ler os diversos comentários a cerca dessa qualificadora, também a mim me parece ser mais um meio de fomentar os anseios da sociedade (feminina principalmente), com "mais do mesmo", como diria Renato Russo. Manobra feita por uma presidentA nitidamente feminista, (criou a palavra mulheres-sapiens...kkk) que acha poder resolver o problema da mulher com alterações no código penal, quando o mais eficaz, a longo prazo, seria o acompanhamento, saúde e educação para que crianças e jovens mudem de comportamento assumindo posições de respeito entre os gêneros.

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